O presidente Jair Bolsonaro assinou, nesta segunda-feira (14), um decreto que institui o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala (Pró-Mapa). O principal objetivo, segundo o texto, “é estimular o desenvolvimento da mineração artesanal e em pequena escala”, com o objetivo de alcançar o “desenvolvimento sustentável regional e nacional”.
Mas, segundo especialistas e entidades ouvidos pelo G1 o texto serve, na prática, como incentivo ao garimpo ilegal e ainda como uma forma de tentar legalizar uma atividade que, por suas características, não pode ser feito de forma sustentável. Além disso, o decreto está baseado na ideia de que o garimpo no país atualmente é feito de forma rudimentar, artesanal e em pequena escala, o que não é verdade.
“O decreto que estimula “mineração” em pequena escala, leia-se garimpo, é uma afronta para a Amazônia. Se sem nenhum estímulo a atividade tem sido um desastre ambiental e social, imaginem com estímulo”, afirmou Ane Alencar, diretora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).
Para Larissa Rodrigues, doutora em Energia pela USP e gerente de portfólio no Instituto Escolhas, associação civil sem fins econômicos que produz estudos, análises e relatórios sobre sustentabilidade, “a forma do governo Jair Bolsonaro acabar com a legalidade na Amazônia é pegar a atividade ilegal e, na caneta, dizer que ela é legal”.
“O que esse decreto está colocando aqui é, basicamente, dizer que o Presidente da República, Jair Bolsonaro – como já tinha se posicionado diversas vezes ao longo dos últimos anos de que era a favor da atividade garimpeira – coloca institucionalmente que vai criar esse programa para desenvolver [o garimpo]”, completa.
Em nota, o Greenpeace Brasil também criticou a medida.
“Além de incentivar mais desmatamento, grilagem e garimpos ilegais, agora o governo busca formas de legalizar esses crimes e avança com medidas que liberam mais destruição e contaminação ambiental, principalmente na Amazônia”, afirmou o Greenpeace.
Escala industrial
Um levantamento divulgado em agosto de 2021 pela ONG MapBiomas apontou que o garimpo no Brasil já ultrapassou a mineração industrial. Imagens divulgadas no fim do ano passado também mostraram centenas de balsas de garimpo ilegal no rio Madeira, na Amazônia.
“A gente não está falando de uma atividade artesanal; está falando de uma atividade que está muito bem organizada, que tem atores poderosos atuando nela”, explica Larissa Rodrigues.
Na semana passada, a entidade divulgou um relatório apontando que quase a metade do ouro produzido e exportado no Brasil tem indícios de origem ilegal – como ter sido garimpado em terras indígenas ou ter o que se chama de “título fantasma”. O termo é usado quando o título de origem do ouro – uma espécie de referência de onde ele foi retirado – corresponde a um local onde não há garimpo ocorrendo.
“Não tem nada de artesanal. Não tem nada de de rudimentar, como eles fizeram questão de chamar a atenção nesses decretos, criando esse programa. Isso é garimpo e é industrial”, completa Rodrigues.
Mineração ‘sustentável’
Outro ponto, segundo Larissa Rodrigues, é que a mineração e o garimpo não podem ser, por definição, atividades “sustentáveis” – isto é, que não esgota recursos para que as gerações futuras possam se desenvolver.
“Mineração e desenvolvimento sustentável não combinam. Mineração não é, por definição, uma atividade sustentável, porque ela trata de um bem finito, ou seja, se você tirar um minério da terra, ele não volta a nascer. A gente não está falando de um recurso renovável. Ele é finito, ou seja, ele não é sustentável, porque acaba”, explica.
A extração de minérios pelo garimpo é legal, conforme previsto na lei nº 7.805, de 1989. Só que as normas que regulam a atividade são menos rígidas do que as da mineração, diz Larissa Rodrigues.
De forma geral, o garimpo é relacionado à extração de ouro e pedras preciosas; já a mineração está relacionada à atividade industrial e à produção de ferro e alumínio, podendo ser legal (quando tem autorização da Agencia Nacional de Mineração) ou ilegal.
“Hoje, a lei, independente desses decretos, faz uma distinção entre o que é a grande mineração industrial e o garimpo. Não dá, diante da situação, [para] manter o regime de garimpo. Apesar de [a mineração] não ser sustentável, [as empresas] precisam fazer, no mínimo, com um conjunto de regras para garantir controle ambiental – que ela não esteja invadindo o territórios onde a mineração não seja permitida e que ela tenha os controles sociais. A lei, hoje, beneficia o garimpo, é um processo mais simplificado”, explica Rodrigues.
“Além do impacto ambiental evidente trazido pelo garimpo, existe, ainda, o risco trazido à saúde das populações da Amazônia pelo uso de mercúrio na atividade”, lembra Rodrigues. O mesmo alerta foi feito por outros especialistas no ano passado, quando houve a descoberta das balsas de garimpo ilegal no rio Madeira.
Um laudo da Polícia Federal apontou que o nível de mercúrio no corpo de moradores da região do garimpo no Amazonas era três vezes maior que o limite aceitável. Constatações semelhantes foram feitas em mulheres do Amapá.
“As pessoas que estão próximas às regiões de garimpo, elas estão contaminadas e a contaminação de garimpo é muito ruim pra saúde, você tem danos neurológicos. As populações da Amazônia que estão próximas dessa área de garimpo – que praticamente tomou a Amazônia inteira – elas estão contaminadas”, diz Rodrigues.
Fonte: G1