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DESEQUILÍBRIO

Declínio de animais dispersores de sementes dificulta combate às mudanças climáticas

Equipe internacional de pesquisadores faz alerta global para necessidade de incluir frugívoros nas estratégias de proteção, recuperação florestal e mitigação das alterações do clima

10 de junho de 2025
Maria Fernanda Ziegler
5 min. de leitura
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Foto: Mauro Galetti/CBioClima

Grande parte das árvores da Amazônia (90%), da Mata Atlântica (90%) e do Cerrado (60%) depende dos animais para espalhar suas sementes, garantir sua reprodução e manter a floresta em pé. São aves, mamíferos, peixes e até uma espécie de anfíbio que desempenham um papel crucial para a diversidade das florestas em todo o mundo. No entanto, esse processo tem se desintegrado à medida que populações de animais dispersores de sementes vêm diminuindo drasticamente.

A perda de animais frugívoros (cuja dieta alimentar é composta principalmente de frutos) provoca outro efeito: altera a composição das florestas, enfraquecendo sua capacidade de absorver dióxido de carbono e, assim, reduzindo seu papel no enfrentamento das mudanças climáticas.

Mas grandes esforços globais para proteger e recuperar ecossistemas continuam subestimando os animais dispersores de sementes nas estratégias de conservação da biodiversidade e recuperação florestal.

“Muito se comenta hoje sobre créditos de carbono e restauração da floresta, mas quem ‘planta’ o carbono? É o tucano, a cutia, a anta, a jacutinga. Para se ter uma copaíba, por exemplo, a floresta precisa ter tucanos e macacos para dispersarem suas sementes. Portanto, precisamos incluir os animais frugívoros na equação da restauração, pois já há ciência suficiente para se quantificar quanto do carbono florestal é plantado pelos animais”, diz Mauro Galetti, um dos diretores do Centro de Pesquisa em Biodiversidade e Mudanças do Clima (CBioClima) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP sediado no Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (IB-Unesp), em Rio Claro.

Galetti e pesquisadores dos Estados Unidos, Suíça, Panamá, Alemanha, Espanha e Portugal publicaram um artigo na Nature Reviews Biodiversity alertando sobre as consequências da perda de dispersores de sementes nas mudanças no clima. O papel dos animais frugívoros é tão central na manutenção da biodiversidade das plantas que, segundo os pesquisadores, os esforços de restauração e proteção de ecossistemas correm o risco de não atingir as metas se o declínio dos dispersores de sementes não for mitigado.

Um estudo recente, publicado na revista Science por alguns dos pesquisadores que assinam o alerta, mostrou que a perda de aves e mamíferos em todo o mundo resulta na redução de 60% da propagação de sementes. “Avançamos muito para resolver esses problemas da perda de dispersores de sementes e, apesar de o Brasil ser o país com mais estudos científicos sobre dispersão de sementes, é preciso se aprofundar no problema e entender, por exemplo, que plantas e ecossistemas estão mais vulneráveis a essa perda. Além disso, é claro, precisamos identificar quais estratégias restauram melhor a dispersão de sementes”, diz o pesquisador.

Heróis desconhecidos

Ao comer um fruto, o animal dispersor é “contaminado” pela semente que passa pelo tubo digestório e recebe um tratamento químico (por ação do suco gástrico) ou mecânico – no caso das aves, por exemplo, a moela amassa a semente –, o que permite a entrada de água na semente e a deixa pronta para germinar onde quer que o animal a deposite posteriormente, ao defecar.

“Portanto as sementes consumidas por animais vão germinar mais, mais rápido e vão se estabelecer em lugares mais seguros para crescer. E se não tiver um animal para ‘machucar’ a semente e levá-la para longe da planta-mãe, ela não vai germinar e, mesmo que germine perto da planta-mãe, provavelmente vai morrer porque haverá competição entre elas”, conta Galetti.

Mas é importante ressaltar que não há um padrão: em cada lugar do mundo, em cada espécie de árvore e de animal vertebrado essa interação é diferente. “A castanha-do-pará, por exemplo, só tem um dispersor: a cutia. Se a cutia for extinta localmente, o serviço de dispersão de sementes da castanha-do-pará sucumbe. Dependemos então de um serviço ecológico fundamental da cutia”, afirma Galetti.

Enquanto na Mata Atlântica aves, morcegos, macacos e antas são os principais dispersores de sementes, na Amazônia e no Pantanal os peixes desempenham um papel crucial. “Os pacus e tambaquis, por exemplo, percorrem grandes distâncias e comem grandes quantidades de frutos, o que os torna superdispersores de diferentes espécies nas matas ciliares”, conta o pesquisador.

Serviços ecossistêmicos

Assim como abelhas e outros polinizadores, o papel dos animais frugívoros é essencial para a reprodução de plantas. Mas, embora ambos os serviços estejam ameaçados por fatores como mudanças no uso da terra e exploração direta, cada grupo responde de maneira diferente aos impactos. Enquanto os polinizadores sofrem mais com pesticidas, os dispersores de sementes são mais afetados pela perda de hábitats e pela caça.

Outra diferença é que o declínio dos polinizadores tem recebido mais atenção pública e política, já que sua ausência afeta diretamente a produção de alimentos. Já os impactos da perda de dispersores de sementes são mais difíceis de medir, influenciando a biodiversidade e o armazenamento de carbono ao longo do tempo.

“Ambos são importantes e devem ser levados em conta nos projetos de restauração e conservação. Porém, o declínio dos polinizadores é mais facilmente medido no curto prazo, ele gera impactos econômicos imediatos como a perda de produtividade das lavouras, enquanto os efeitos da perda de dispersores de sementes ocorrem de forma lenta e ampla, comprometendo a funcionalidade e a resiliência dos ecossistemas”, explica Galetti à Agência FAPESP.

O cientista afirma que os custos econômicos do declínio dos dispersores de sementes – como perda de armazenamento de carbono, redução do fornecimento de produtos florestais e declínio da resiliência natural a eventos ambientais extremos – ainda não foram quantificados globalmente. “A restauração não consiste em apenas plantar árvores, é preciso considerar quem vai manter o futuro dessa floresta, que são os animais dispersores. Há alguns anos acreditava-se que ao plantar a floresta esses animais iriam até ela. Mas não é assim que acontece. É muito mais complexo ter uma floresta restaurada funcionando”, conta.

No artigo, os pesquisadores destacam que novas sínteses e modelos de dados estão captando mudanças funcionais em grande escala e ajudando a revelar impactos de longo prazo, como a recuperação prejudicada de incêndios florestais e a degradação de hábitats para animais. “Enfrentar o declínio dos dispersores de sementes é fundamental para preservar a biodiversidade animal, garantir a conectividade das florestas e o equilíbrio das comunidades vegetais”, afirma Galetti.

Fonte: Agência FAPESP

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