Como costuma dizer a filósofa Sônia Felipe, as mudanças que fazemos ao mundo iniciam-se quando começamos a desfazer as nossas próprias pregas.
Mas, muito comumente, as pessoas não estão dispostas a enfrentar as verdades e o que decorre do conhecimento delas. Por isso, basicamente, utilizam-se da chamada resistência. Tapam os ouvidos e distorcem a visão para que o seu comportamento atual possa ser sustentado. Fingem ver o que no fundo sabem ser falso. Não há dúvida de que o sustentáculo do hábito é a resistência. É ela quem impede de dar o passo.
Na convivência com as pessoas não veganas, a resistência aparece de todas as formas, do deboche ao silêncio, da careta à exclusão.
Muda-se de assunto sempre que é mencionada a exploração ou o sofrimento animal embutidos em determinado gesto ou produto; faz-se uma careta de desgosto e repreensão por novamente ter-se falado sobre algo que perturba a consciência tranquila; ou ainda, muitas vezes, há quem fuja de si mesmo atacando e interrompendo qualquer possibilidade de um diálogo honesto.
Porém a intenção aqui não é enumerar as formas com que a resistência se apresenta. Nem criticar as pessoas por agirem desse modo.
A minha ideia é chamar a atenção para o fato de que, enquanto nos fecharmos às verdades dadas ao nosso contato, estaremos sendo falsos com a vida, com o que ela nos traz, minimizando, assim, o que somos e o que podemos ser.
Com isso, ditamos um ponto-final, pesando em nossos pés toneladas de empecilhos que nos deixam exatamente onde estamos: parados.
A resistência é uma forma perversa que a mente tem para boicotar a nossa própria evolução. E contra esse “acidente” constitutivo da nossa natureza, contamos com um recurso igualmente poderoso: a disposição em ouvir o outro, justamente quando este se refere a algum assunto que nos causa espanto, que nos incomoda, que nos leva a um lugar diferente de tudo que já experimentamos pensar.
Pois algumas coisas, como é o caso da constante exploração a que são submetidos os animais não humanos, não são subjetivas, nem portanto possíveis de relativizar. Permanecermos rígidos em nossa postura de consumidores do sofrimento não vai aliviar em nada as dores do mundo.
Precisamos, tanto quem fala quanto quem ouve, desdobrar as pregas, constantemente, empenhadamente. Sempre em direção a nos tornarmos pessoas ainda mais aptas a uma vida de atitudes pacíficas. Saber ouvir é deixar entrar algo novo para que então saia de nós algo novo.
Se nos bate à porta um convite a um novo olhar sobre a vida e sobre como nos relacionamos com ela, por que fugir assim tão desesperadamente? Do que realmente estamos fugindo?
Alguém me explique como é olhar para um ovo cozido, ou para qualquer comida que contenha ovo, por exemplo, sabendo das perversidades embutidas (leia abaixo* algumas informações que não constam na embalagem) e ainda assim consumi-lo, como se esse gesto fosse o mesmo que escolher uma cor de sapato?
Mas mudemos de assunto, vamos falar do penúltimo capítulo da novela.
[*]
verdade 1 – Tudo começa com o descarte dos pintainhos machos: menos de um dia após nascerem, eles são jogados numa esteira rolante, para serem mortos por sufocação ou triturados vivos. Mas a agonia das aves produzidas na indústria de ovos não acaba com o descarte brutal dos pintainhos machos no primeiro dia após o nascimento;
verdade 2 – Neste dia começa o tormento dos pintainhos fêmeos. Para começar, todas são levadas à máquina que corta um terço de seu bico, e cauteriza o toco que ali resta. A lâmina em brasa faz o serviço. A parte do bico cortada é completamente enervada. Sem anestesia, o processo doloroso pode prorrogar-se de 5 a 6 semanas;
verdade 3 – Aos 120 dias de vida as pequenas aves destinadas ao processo de postura são levadas para o confinamento definitivo, do qual sairão mortas por exaustão, ou destinadas ao abate, quando estiverem “gastas”;
verdade 4 – O espaço que recebem nos galpões de confinamento não permite sequer que possam esticar as asas. E assim, sem qualquer possibilidade de exercício físico, são forçadas a viverem mais 800 dias, sem jamais terem ciscado a terra, colhido insetos e minhocas, comido areia, ou formado grupos sociais e vivido nesses grupos de forma prazerosa, uma necessidade específica das galinhas;
verdade 5 – O piso aramado das gaiolas nas quais as galinhas são alojadas tem o formato de grade, para permitir que os excrementos caiam. Os arames causam ferimentos nos pés. Quando as feridas cicatrizam, o tecido se forma envolvendo o arame. Com os pés aderidos ao arame, as galinhas são impedidas de se levantarem ou de trocarem de posição. Quando o tecido se rompe com o peso do corpo e o esforço do animal para livrar-se da algema, os pés caem no vão aramado. Se a galinha não consegue mais voltar à posição usual, ela morre sufocada, de fome ou de sede, pois não consegue alcançar os servidouros de água e comida;
verdade 6 – O fato de serem forçadas a pôr ovos ininterruptamente leva a uma perda enorme de cálcio. A consequência mais dolorosa é a fratura óssea;
verdade 7 – As galinhas que não sofrem ferimentos nos pés por causa da grade de arame sobre a qual têm que ficar em pé, as que não sofrem de fraturas devido à descalcificação óssea, e as que não morrem em agonia por prolapso do útero, seguem em vida forçadas pelas doses maciças de ração e exposição à luz artificial, pondo ovos ininterruptamente. Quando sua produtividade diminui, e o empresário não pode baixar o número de ovos oferecidos ao mercado por dia, elas são enviadas para o abatedouro;
verdade 8 – Analogamente ao que se passa com as galinhas confinadas em gaiolas para a postura de ovos, também as galinhas criadas soltas nas fazendas orgânicas são enviadas para o matadouro quando não põem ovos na quantidade suficiente para manter o negócio dos ovos rentável ao produtor.
(As verdades acima enumeradas foram extraídas do artigo “Ética na alimentação: O fim da inocência”, de Sônia T. Felipe)