Neste sentido, alertado recentemente pelo Prof. Oscar Graça Couto, tive a oportunidade de ler a sentença exarada nos autos da Ação Civil Pública n.º 000026.406.2011.403.6113, movida pelo Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual de São Paulo em face do Estado de São Paulo, da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental – CETESB e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, em curso perante a 1ª Vara Federal de Franca/SP.
A referida demanda judicial trata da autorização, concedida pela Lei Estadual/SP n. 11.241/2002 aos órgãos ambientais daquele estado, de concessão de licença ambiental para a atividade de queima da palha de cana-de-açúcar sem a elaboração do respectivo estudo prévio de impacto ambiental.
A douta magistrada, Dra. Fabíola Queiroz, destacando que, no contexto da ordem constitucional brasileira, os deveres de proteção estatal se manifestam como imperativos de ponderação preventiva ou precaucional vinculando particulares e o próprio Estado, afirmou a inconstitucionalidade da supramencionada lei do estado de São Paulo frente ao disposto no art. 225, § 1º, IV, da Constituição Federal de 1988. Tal dispositivo constitucional determina a obrigatoriedade da elaboração do estudo prévio de impacto ambiental no caso de atividades que sejam potencialmente causadoras de significativa degradação ambiental, o que, inegavelmente, indica ser o caso da hipótese que envolve a queima da palha de cana-de-açúcar.
Assim sendo, a lei estadual não poderia retroceder no que se refere às garantias mínimas de proteção adotadas expressamente pela Constituição Federal, sob pena de infringir o princípio da vedação de retrocesso e a própria repartição da competência legislativa no campo do direito ambiental.
Além do acerto relativo à questão atinente à inconstitucionalidade supramencionada, chama a atenção, na leitura da sentença, o cuidado da magistrada com a justificação de uma mudança de visão sobre o estatuto moral e jurídico da natureza e de seus elementos.
Neste sentido, cabe fazer elogiosa referência à parte do julgado em que são destacados os elementos que justificariam a valoração inerente da própria natureza, da fauna, da flora e até mesmo do reino mineral, numa concepção que parece soar próxima da visão encampada pela Ecologia Profunda, a saber:
“Após a Revolução Industrial do século XVIII que implicou na utilização em larga escala dos recursos naturais, fez com que se percebesse que estes recursos não são ilimitados e que a intervenção humana no meio ambiente para a obtenção destes recursos provoca um desequilíbrio que ameaça em escala local, regional ou mundial, a saúde a vida dos seres vivos que habitam o planeta, inclusive os seres humanos. Reconheceu-se, a partir daí, a existência de um direito fundamental que foi denominado de direito a um ambiente equilibrado e saudável.
Equilíbrio ecológico “é o estado de equilíbrio entre os diversos fatores que forma um ecossistema ou habitat, suas cadeias tróficas, vegetação, clima, microorganismos, solo, ar, água, que pode ser desestabilizado pela ação humana, seja por poluição ambiental, ou por eliminação e introdução de espécies animais ou vegetais” (Paulo Affonso Leme Machado, Direito Ambiental Brasileiro, Malheiros, 18ª edição, 2010, p. 132).
O direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado se inseriu na definição de direitos fundamentais de terceira geração. Estes direitos têm como titular não o indivíduo na sua singularidade, mas sim grupos humanos como a família, o povo, a nação, coletividades regionais ou étnicas e a própria humanidade (Celso Lafer, op.cit., p. 131). No julgamento do Recurso Extraordinário n. 134.297-8/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ, Seção I, 22/09/1995, p. 30.597), o STF reconheceu: “direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado: a consagração constitucional de um típico direito de terceira geração”.
No início, o reconhecimento a um ambiente ecologicamente equilibrado tinha conotação antropocêntrica, considerando o equilíbrio ecológico com relação ao homem. Essa visão se encontra ultrapassada, pois a natureza, assim compreendidos os reinos vegetal, mineral e animal, com todas as suas formas de vida, deve ser protegida não apenas em relação ao homem, mas, também, em função dela própria” (fls. 293 dos autos).
A ilustre julgadora lembra que a queima da palha de cana-de-açúcar é medida extremamente nociva ao meio ambiente e, especialmente aos animais já que, segundo ela pode: (a) colocar em risco espécies ameaçadas de extinção; (b) provocar lesões e morte por queimadura ou asfixia dos animais que habitam os canaviais ou áreas adjacentes; e (c) obrigar os animais a saírem dos canaviais ou das matas ao redor das lavouras, correndo o risco de serem atropelados nas rodovias próximas a estes locais.
O acerto das observações feitas é notável. A preocupação com a natureza e com os animais sinaliza que há um futuro mais sensível no nosso Judiciário e que nem tudo está perdido neste mar de opressão que nos assombra.