Em meio às montanhas, uma pequena cidade medieval está escrevendo um capítulo extraordinário de convivência entre humanos e animais selvagens. Pettorano sul Gizio, na comuna italiana da região dos Abruzos, outrora à beira do abandono, transformou-se em um exemplo de como a proteção da vida selvagem pode revitalizar comunidades.
Com pouco mais de 390 habitantes — em contraste com os 5 mil do início do século XX —, a cidade parecia destinada a seguir o mesmo rumo de outras vilas da região, onde o envelhecimento populacional e o êxodo rural deixaram ruínas e casas à venda com placas tão antigas que os números já se apagaram. Mas tudo mudou quando os ursos-marsicanos, espécie criticamente ameaçada, começaram a reaparecer.
A relação nem sempre foi harmoniosa. Há uma década, a ursa Peppina, de 135 kg, entrava em pomares e galinheiros, tornando-se símbolo do conflito entre humanos e animais. Em 2014, a tensão atingiu o ápice quando um jovem urso foi morto a tiros após invadir um galinheiro.
O caso, porém, marcou uma virada. “Havia um clima contra o urso. Tivemos que agir de forma mais prática”, conta Mario Cipollone, da organização Rewilding Apennines.
Em 2015, Pettorano sul Gizio tornou-se a primeira comunidade “ursa-inteligente” da Itália: cercas elétricas protegem animais domésticos, lixeiras à prova de ursos foram instaladas, e moradores receberam treinamento para evitar atraí-los.
Os resultados foram impressionantes: danos causados por ursos caíram 99% até 2017 e zeraram após 2020. Hoje, ursas e seus filhotes circulam tranquilamente pelas ruas sem causar estragos.
Repovoamento e esperança
A mudança atraiu não apenas turistas, mas novos moradores. Valeria Barbi, jornalista ambiental, mudou-se para a cidade após visitá-la em 2023. “Este lugar me fez acreditar que boas práticas existem”, diz. Restaurantes como o Il Torchio, antes focados em carnes, agora adaptaram cardápios para receber visitantes preocupados com a natureza.
Dados da cooperativa Valleluna mostram que o número de turistas saltou de 250 em 2020 para 2.400 em 2023. Alguns, como Massimiliano del Signore, dono de uma mercearia local, vieram como visitantes e acabaram ficando. “Não se trata só de turismo, mas de mostrar que é possível viver bem aqui”, afirma.
Enquanto a Europa observa o modelo de Pettorano — hoje há 18 comunidades “ursa-inteligentes” no continente —, a cidade prova que a coexistência com animais selvagens não é apenas possível, mas pode ser a chave para o futuro de regiões esquecidas.