Por Elaine Carrasco
Quanto mais conheço o ser humano, mais me espanta a sua indiferença em relação aos seres vivos. Quanto mais avançamos na tecnologia, parece que mais nos distanciamos da capacidade de humanizar os nossos atos diários. Há dias fui chamada por uma amiga para ajudar no resgate de um cão atropelado. O animal conseguiu se arrastar até uma praça perto do Olímpico e deitou no chão: assustado, com dor, agonizante. O carro que o atropelou seguiu seu trajeto sem titubear, afinal, “era só um vira-lata”. Na cabeça dessas pessoas (in)civilizadas e de mente ignorante, animais certamente não sentem dor, frio, medo, solidão. Ainda que sintam, são irracionais e não podem acusá-los formalmente.
Se não fosse minha amiga – e protetora – estar logo atrás do carro do atropelador, aquele ser teria ficado estendido no chão de uma praça, agonizando, solitário. Enquanto isso, seu algoz foi para casa, deitou a cabeça no travesseiro e dormiu o sono “dos justos”. Na clínica, o cão chegou em choque tamanha dor que lhe foi causada. A vida já não estava sendo fácil para ele. Uma bicheira enorme havia tomado conta do seu ouvido esquerdo. O coração começou a bater fraquinho, as gengivas esbranquiçaram, o ar começou a lhe faltar. Não havia outra escolha, senão a interrupção da dor. Dar uma morte digna – com o menor sofrimento possível – foi a alternativa encontrada. Deitado sobre a mesa da clínica, aquele corpo tomado por pulgas e carrapatos começava aos poucos a encontrar um pouco de paz. O brilho dos olhos foi se perdendo, até que ficaram vagos e as patas gelaram.
Não havia mais o que fazer. Ficamos ali acariciando a sua cabeça para que de alguma forma soubesse que não estava sozinho. Acho que ninguém gosta de enfrentar a morte na mais completa solidão. Nenhum ser merece passar por tamanha indiferença. Saí de lá me perguntando quando foi que fomos rotulados de “racionais”. Onde está a racionalidade de um motorista que atropela um animal e não para a fim de lhe prestar socorro? Certamente são esses “seres racionais”, dotados de um DNA “diferenciado”, aqueles também capazes (por que não?) de atear fogo em mendigos, partindo do mesmo princípio que a dor que lhes atinge não é a mesma que ele sente. Talvez eles se achem superiores, infelizmente, não passam de uma espécie covarde e desprezível.
Fonte: Jornal do Comércio