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Cristina Beckert

29 de setembro de 2014
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O Jornal de Letras, de Portugal, deu em sua edição de julho a triste notícia da morte da filósofa Cristina Beckert, uma das maiores pensadoras contemporâneas da causa animal. Sempre atenta às questões éticas e seu alcance prático, referida docente lusitana criou em 1995, no Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, um núcleo de estudos voltado à Filosofia da Natureza e ao Ambiente, trazendo assim os ecossistemas e todas as criaturas para seara das nossas preocupações morais.
Sua contribuição acadêmica, no Departamento de Filosofia, foi marcada pela coordenação de numerosos projetos de pesquisa e pela organização de conferências e colóquios sobre o tema da Ética Ambiental.
Talvez não seja demasiado lembrar que, dentre nós brasileiros, a professora Sônia Felipe teve o privilégio de conviver com Cristina Beckert na Universidade de Lisboa, nos idos de 2001/2002, por ocasião de seu pós-doutoramento em Bioética-Ética Animal, intitulado “Por uma questão de direitos (obrigações) ou por uma questão de princípios (deveres); alcance e limites das propostas éticas de Tom Regan e de Peter Singer em defesa dos animais; um estudo crítico”. Nem é preciso dizer que Cristina Beckert, supervisora e interlocutora do referido projeto, recebeu-o de braços abertos.
Não se restringindo à área acadêmica, Cristina Beckert ampliou o campo de sua atuação na esperança de fazer com que as idéias inspirassem ações. Foi com esse pensamento transformador que ela fundou e presidiu, em meio à sociedade européia em que viveu, a SEA (Sociedade de Ética Ambiental), cujos objetivos primordiais refletem um pouco da imensa bondade que lhe habitava o espírito. Tamanha a repercussão de seu discurso ético em relação aos animais que um promotor de justiça atuante no Rio Grande do Sul, João Marcos Adede y Castro, concluiu o livro “Direito dos Animais na Legislação Brasileira” (Fabris, 2006) justamente com um texto de Cristina Beckert, “Para Refletir: a Ética e os Animais”.
Eis alguns excertos do inesquecível artigo da filósofa lusa:
“A exclusão tem sido, ao longo dos tempos, o mecanismo mais eficaz para garantir a identidade e coesão de um grupo, quer se trate de tribos, nações, raças, sexos ou espécies, ao que a ética responde com o alargamento progressivo da esfera de consideração moral, até atingir a universalidade, na esfera do humano, com a Declaração Universal dos Direitos do Homem. No entanto, a racionalidade (à qual é hábito associar a linguagem, a meu ver, de forma errônea), mantém-se, ainda, como diferença específica do Homo sapiens sapiens, impedindo a ultrapassagem da última barreira ética, a saber, o preconceito especista”.
“Uma ética que se queira verdadeiramente universal não pode fundar-se em fatos – ainda que não os deva ignorar – mas erigir em valor, ou seja, em objeto de consideração ética, o bem próprio de cada ser (…). Assim sendo, torna-se tão absurdo afirmar que alguém é ou não merecedor de consideração ética consoante à cor de sua pele, como fazer depender aquela da espécie a que pertence, pois se trata, em ambos os casos, de fatos biológicos, não de valores éticos”.
“Não há, pois, que pôr em alternativa a proteção às crianças, aos deficientes ou aos animais, mas considerá-los em simultâneo, movidos pela mesma coerência com que temos vindo a alargar de modo sucessivo a esfera da consideração moral a todas as formas de alteridade não padronizadas”.
“Resta-nos fazer votos para que, um dia, deixemos de falar em ´ética animal´ ou reservemos a expressão para a parte da Etologia reservada ai estudo do comportamento ético dos animais entre si, para passar a falar tão-só em ética. Nesse momento, os objetivos deste artigo serão integralmente cumpridos”.
Na crônica de despedida que lhe dedicou seu colega de academia, Viriato Soromenho Marques, vê-se o quanto deixa saudades a etóloga, filósofa e professora da Universidade de Lisboa que, na plenitude dos 58 anos – em meio à crise global que destrói a natureza e subjuga animais, mas sempre clamando por um agir humano ético -, encerrou sua jornada existencial:
“Unindo ação e pensamento, Cristina Beckert era uma vegetariana por razões filosóficas, Padecendo de uma doença debilitante, não quis acrescentar ao mundo mais sofrimento, mesmo que difuso e anônimo, sobre criaturas animais indefesas e silenciosas, que na voragem dos dias tendemos a esquecer definitivamente (…) Cristina Beckert deixa em todos os que tiveram a felicidade de com ela conviver, uma memória intensa. Transmitia-nos uma experiência de profundidade ao que é essencial, àquilo que permanece no tempo. Talvez para além dele…” .

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