EnglishEspañolPortuguês

MANUTENÇÃO DA BIODIVERSIDADE

Crise global da polinização ameaça a produção de alimentos

A polinização é um serviço ecossistêmico regulatório vital, responsável pela reprodução de cerca de 90% das plantas com flores silvestres e mais de 75% das espécies cultivadas.

22 de julho de 2024
Reinaldo Dias
10 min. de leitura
A-
A+
Foto: Ilustração | Freepik

Essencial para a segurança alimentar global, a polinização fornece nutrientes e micronutrientes importantes, como vitaminas A e C, cálcio, flúor e ácido fólico. Em ambientes naturais e seminaturais, ela apoia a biodiversidade, que é crucial para a manutenção dos serviços ecossistêmicos e a resiliência dos ecossistemas (Moldoveanu, Maggioni & Dani, 2024).

Conforme a Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), cerca de 16% dos polinizadores vertebrados, como aves e morcegos, e 40% dos polinizadores invertebrados, como abelhas e borboletas, estão ameaçados de extinção. As atividades humanas, como a destruição e degradação de habitats, o uso de agroquímicos, as mudanças climáticas e a poluição, têm impactos negativos sobre esses polinizadores. Cientistas alertam que, sem os polinizadores, a alimentação humana se tornaria majoritariamente baseada em trigo, arroz, aveia e milho, já que essas culturas dependem da polinização pelo vento (Brunet & Fragoso, 2024).

É assim que os polinizadores, como abelhas, borboletas, moscas e morcegos, desempenham um papel essencial na reprodução das plantas com flores e no funcionamento dos ecossistemas.

Contudo, as populações de polinizadores estão enfrentando uma série de ameaças que comprometem não apenas os ecossistemas naturais, mas também a agricultura e a saúde humana.

Países em desenvolvimento, ao exportarem uma significativa porção de suas safras polinizadas por insetos, podem enfrentar sérios impactos com o declínio dos polinizadores. A redução na população de polinizadores pode levar a uma diminuição das colheitas, o que, por sua vez, força esses países a expandir suas terras agrícolas para compensar a perda de produtividade. Essa expansão geralmente ocorre às custas de ambientes naturais, resultando em desmatamento e degradação ambiental, o que agrava ainda mais a perda de biodiversidade e os problemas ecológicos já existentes. Consequentemente, a sustentabilidade e a resiliência dos ecossistemas são severamente comprometidos (Moldoveanu, Maggioni & Dani, 2024).

Ameaças aos polinizadores

Não há dúvida de que as populações de polinizadores estão diminuindo rapidamente, o que é frequentemente chamado de crise global da polinização. Polinizadores são essenciais para a produção de muitos alimentos consumidos por humanos. Com o crescimento populacional, sua importância para a agricultura aumentou. A perda de polinizadores pode levar à escassez de alimentos e nutrientes, já que muitas culturas nutritivas dependem da polinização animal. As ameaças incluem o uso excessivo de pesticidas, destruição de habitats, espécies invasivas e mudanças climáticas, entre outras (Dempelwolf, 2023).

Além disso, as mudanças no uso da terra, como a conversão de florestas em áreas agrícolas, eliminam as plantas nativas que fornecem pólen e néctar essenciais para a sobrevivência dos polinizadores (Ferreira et al., 2022). O uso do solo é um dos principais fatores da perda de biodiversidade de polinizadores, que envolve mudanças na cobertura e gestão da terra. A alteração da composição da terra pode resultar na perda e fragmentação de habitats naturais, impactando espécies incapazes de migrar ou se adaptar. A fragmentação do habitat também contribui para o desaparecimento de polinizadores. Estudos mostram que a conversão de habitats naturais, como pastagens e áreas ribeirinhas, em solos agrícolas ou urbanos, resultou na diminuição de muitas espécies de abelhas, abelhas selvagens e mariposas na Europa (Moldoveanu, Maggioni & Dani, 2024).

A evidência das mudanças climáticas se torna cada vez mais evidente, dificultando a negação dos seus efeitos negativos. A mudança climática, uma preocupação global para a sobrevivência da vida na Terra, é causada tanto por fatores naturais quanto por ações humanas. Fatores naturais incluem erupções vulcânicas, correntes oceânicas, movimento orbital da Terra e variações solares. No entanto, os humanos são os principais contribuintes das mudanças climáticas. Essas mudanças resultam em várias alterações nos insetos polinizadores, como fenologia, distribuição, biodiversidade e interações com plantas.

A mudança climática também causa perda de habitat, inadequações nutricionais e falta de alimentos diversos devido ao impacto no crescimento de plantas e flores. Isso afeta negativamente as interações entre plantas e polinizadores, essenciais para a reprodução e produção de frutos e sementes. Portanto, a conservação e proteção desses polinizadores são cruciais para a segurança alimentar, necessitando de conhecimento sobre os efeitos das mudanças climáticas e o desenvolvimento de estratégias para mitigá-los (Ganie et al., 2024). Além disso, os desajustes entre o surgimento dos polinizadores e o florescimento das plantas das quais dependem podem reduzir drasticamente as taxas de sobrevivência. As mudanças climáticas também podem aumentar a frequência de eventos climáticos extremos, como secas e ondas de calor, que impactam negativamente as populações de polinizadores.

As abelhas são particularmente afetadas pelas mudanças climáticas, contribuindo significativamente para o declínio populacional desses insetos, principais polinizadoras das culturas alimentares. Cerca de 80% das plantas com flores são polinizadas por 2% das abelhas, que são extremamente vulneráveis às mudanças climáticas. Infelizmente, a população de abelhas está diminuindo até 30% a cada ano. A mudança nos padrões climáticos resulta em alterações na floração, disponibilidade de néctar e pólen, e na fisiologia das culturas, prejudicando a polinização. As abelhas, incapazes de polinizar adequadamente, também não conseguem armazenar néctar para os meses de inverno. Mudanças no período de floração afetam a atividade de forrageamento das abelhas. Distúrbios sazonais e variações inesperadas de temperatura impactam negativamente a colmeia, a população da colônia, a saúde das abelhas, e a qualidade do pólen e da produção de mel. Esses fatores combinados levam ao distúrbio do colapso da colônia, matando colônias inteiras de abelhas (Mahankuda & Tiwari, 2024).

O uso de pesticidas, especialmente os neonicotinóides, também está fortemente associado ao declínio das populações de polinizadores. Esses pesticidas têm efeitos letais e subletais sobre os polinizadores, prejudicando suas habilidades de forrageamento e navegação e tornando-os mais suscetíveis a doenças (Woodcock et al., 2017). Estudos indicam que os pesticidas podem diminuir o sucesso reprodutivo dos polinizadores e levar a uma redução significativa em suas populações (UNEP, 2019).

Doenças e patógenos também representam uma ameaça grave para os polinizadores, especialmente abelhas. A disseminação de doenças como o Nosema e o ácaro Varroa destructor tem sido catastrófica para as populações de abelhas em todo o mundo (Martin et al., 2012). A globalização e o movimento de polinizadores comerciais para fins agrícolas aumentam o risco de transmissão de doenças, exacerbando o problema (Ferreira et al., 2022).

Repercussões para os seres humanos

A diminuição das populações de polinizadores tem repercussões diretas e indiretas para os seres humanos. A polinização é crucial para a produção de muitos alimentos que compõem a dieta humana, incluindo frutas, vegetais, nozes e sementes. Estima-se que 75% das culturas alimentares e aproximadamente 35% das safras globais dependem da polinização animal, e a perda de polinizadores pode levar à redução da produtividade agrícola, afetando a segurança alimentar (Potts et al., 2016). Além de reduzir a quantidade de alimentos produzidos, a perda de polinizadores também afeta a qualidade dos alimentos. A polinização adequada contribui para a produção de frutos e sementes de melhor qualidade, que são mais nutritivos e têm maior valor comercial. A redução na qualidade dos alimentos pode levar a uma menor disponibilidade de nutrientes essenciais, impactando negativamente a saúde humana (Tanda, 2021).

No Brasil, o valor anual dessa polinização é estimado em US$ 12 bilhões, com cerca de 68% das principais culturas alimentares necessitando de polinização biótica. No entanto, a abundância e a diversidade dos polinizadores de culturas alimentares estão em declínio devido ao uso intensivo de pesticidas, mudanças no uso da terra, perda de habitat, alterações climáticas, além de pragas e parasitas (Ferreira et al, 2022).

A perda de polinizadores também tem implicações econômicas significativas. O valor econômico da polinização global foi estimado em cerca de 235-577 bilhões de dólares por ano, com os polinizadores contribuindo diretamente para a produção de muitas culturas agrícolas de alto valor (Khalifa et al., 2021). A redução das populações de polinizadores pode resultar em perdas econômicas substanciais para a agricultura e outros setores dependentes da polinização.

Na União Europeia (UE) o impacto econômico dos polinizadores mostra que 78% das flores silvestres e 84% das culturas agrícolas da UE dependem de insetos para a produção de sementes. A polinização por insetos ou outros animais melhora a qualidade de frutos, vegetais, nozes e sementes, além de contribuir para a produção de fármacos, biocombustíveis e materiais de construção. A produção agrícola anual da UE atribuída aos polinizadores é de aproximadamente 15 bilhões de euros (EP, 2021).

Estratégias para proteger os polinizadores

A proteção dos polinizadores é essencial para garantir a sustentabilidade dos ecossistemas e a segurança alimentar global. Diversas estratégias podem ser adotadas para mitigar as ameaças aos polinizadores e promover sua conservação. A criação de áreas protegidas e reservas naturais pode fornecer habitats seguros para os polinizadores, ajudando a preservar suas populações. Além disso, práticas agrícolas sustentáveis, como a rotação de culturas e o uso de faixas de flores silvestres, podem aumentar a disponibilidade de recursos alimentares e locais de nidificação para os polinizadores (Wratten et al., 2012).

A redução do uso de pesticidas é outra medida essencial para proteger os polinizadores. A promoção do Manejo Integrado de Pragas (MIP) e a adoção de práticas agrícolas orgânicas podem minimizar a exposição dos polinizadores a produtos químicos nocivos (UNEP, 2019). Além disso, a conscientização pública e a educação sobre a importância dos polinizadores podem incentivar práticas de conservação em nível individual e comunitário (Potts et al., 2016). O envolvimento da comunidade em projetos de Ciência Cidadã, também são importantes para o monitoramento dos polinizadores. Nesse sentido uma ótima ferramenta é um aplicativo dedicado à Ciência Cidadã que permite a qualquer pessoa registrar visitas de polinizadores, como abelhas, moscas e beija-flores, a flores. O FIT Count, lançado no Reino Unido pelo Pollinator Monitoring Scheme (PoMS) em 2017, opera no Brasil desde 2021. Até o final de 2023, 25 usuários brasileiros registraram 1.153 visitas de polinizadores a 19 espécies de plantas (Soares et al, 2023).

A pesquisa e o monitoramento contínuos são essenciais para entender melhor as dinâmicas das populações de polinizadores e as ameaças que enfrentam. Esforços de pesquisa podem fornecer dados valiosos para o desenvolvimento de estratégias de conservação direcionadas e para a adaptação de políticas existentes a cenários em mudança (Lebuhn et al., 2013). Um exemplo é o projeto PolinizaCacau, em fase inicial nos estados do Pará e Amazonas, visa avaliar os insetos polinizadores do cacaueiro em 21 áreas com diferentes sistemas de produção. Agricultores e técnicos discutiram objetivos e ações em abril de 2024. As avaliações incluirão cultivos com diferentes níveis de sombra, consórcios de cacau com açaí e sistemas agroflorestais (EMBRAPA, 2024).

Conclusão

Os polinizadores são essenciais para a manutenção da biodiversidade e a saúde dos ecossistemas, desempenhando um papel vital na reprodução das plantas e na produção de alimentos.

No entanto, eles enfrentam ameaças significativas, incluindo a perda de habitat, mudanças climáticas, uso de pesticidas, doenças e espécies invasoras. A diminuição das populações de polinizadores tem repercussões graves para os ecossistemas naturais e para a humanidade, afetando a produtividade agrícola, a qualidade dos alimentos e a economia global.

Para proteger os polinizadores e garantir a sustentabilidade dos ecossistemas, é necessário implementar uma série de medidas de conservação. Isso inclui a criação de áreas protegidas, a adoção de práticas agrícolas sustentáveis, a redução do uso de pesticidas, a conscientização pública e a pesquisa contínua.

Em suma, a proteção dos polinizadores é essencial não apenas para a biodiversidade, mas também para o bem-estar humano e a sustentabilidade do planeta. A ação combinada de indivíduos, comunidades, governos e organizações internacionais é necessária para garantir a sobrevivência e prosperidade desses agentes ecológicos vitais. A saúde dos polinizadores está intimamente ligada à saúde do planeta e de seus habitantes, e devem ser tomar medidas urgentes para protegê-los.

Fonte: EcoDebate

    Você viu?

    Ir para o topo