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ATRASO

Crise climática deixa as árvores mais lentas, mostra estudo

Espécies migram a velocidades mais baixas do que outras plantas e animais. Segundo cientistas, alterações na temperatura e na umidade afetam associação com fungos essenciais para a sobrevivência

28 de maio de 2024
Isabella Almeida
5 min. de leitura
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Foto: Ilustração | Freepik

Com o aquecimento do planeta, muitos seres vivos estão se deslocando para novos ambientes, já que seus habitats históricos se tornaram inóspitos. As árvores não são exceção — a distribuição atual de várias espécies não é mais adequada para sua resistência. Porém, a velocidade da migração para áreas que poderiam sustentá-las melhor tem sido mais lenta em comparação com outras plantas e animais. Agora, cientistas revelam que a causa desse atraso pode estar no subsolo.

Um estudo publicado na revista Pnas, nesta segunda-feira (27/5), mostra que as árvores, especialmente aquelas localizadas no extremo norte do planeta, estão se mudando para solos que não têm a vida fúngica necessária para mantê-las. A maioria das plantas forma parcerias subterrâneas com organismos chamados micorrízicos. Eles são microscópicos e filamentosos e se conectam às raízes da flora. Assim, conseguem fornecer nutrientes essenciais em troca de carbono. Grandes espécies conhecidas como coníferas — em razão do formato de cone — estabelecem relações com um tipo de fungo chamado ectomicorrízico.

“Examinando o futuro dessas relações simbióticas, descobrimos que 35% das parcerias entre árvores e fungos que interagem com as raízes seriam negativamente impactadas pelas mudanças climáticas”, alertou, em nota, Michael Van Nuland, ecologista da Society for the Protection of Underground Networks (Spun), autor principal do estudo. Segundo Van Nuland, as árvores mais vulneráveis à crise climática na América do Norte são as da família dos pinheiros. As áreas de maior preocupação são os espaços que delimitam a distribuição de espécies, onde essas plantas frequentemente enfrentam condições adversas.

Diversidade

Durante a pesquisa, os estudiosos descobriram que as árvores com maior taxa de sobrevivência nesses locais mais adversos têm fungos micorrízicos mais diversos. Isso indica que as simbioses podem ser essenciais para ajudar a flora a resistir aos efeitos das mudanças climáticas.

Marco Moraes, geólogo, pesquisador de mudanças climáticas e autor do livro Planeta Hostil (Matrix Editora), sublinha que cerca de 60% das árvores do mundo formam simbiose com os micorrízicos. “As árvores fornecem carbono para os fungos, enquanto eles fornecem nutrientes essenciais para a vegetação como nitrogênio, fósforo e potássio. Sem esses nutrientes, as árvores não conseguem sobreviver.”

O especialista detalha que, quando as temperaturas mudam, as espécies procuram migrar em busca de situações mais favoráveis para sua sobrevivência. “Esperava-se que os pares simbiontes árvores-fungos migrassem juntos. Mas tem-se observado que em pelo menos 25% dos casos isso não ocorre, com os fungos não acompanhando as árvores na sua mudança”, diz Moraes.

Rodrigo Basílio, biólogo e professor de biologia do Colégio Objetivo, em Brasília, detalha que, sem a presença dos fungos, as plantas devem contar com, pelo menos, um solo rico para que vivam sem a necessidade da ação das micorrizas. “Caso contrário, se o solo for pobre em nutrientes, terá de ser feita a adubação com compostos e nutrientes que os vegetais carecem.”

Conforme Basílio, os fungos têm alto grau reprodutivo, podendo ser encontrados em quase todos os substratos com condições favoráveis para sua germinação dos esporos. “Sendo assim, para introduzir fungos em ambientes onde eles não estejam, é só garantir uma taxa de umidade onde consigam se fixar. É importante salientar que a presença de agrotóxicos inibe o crescimento dos fungos.”

Helga Corrêa, especialista em conservação do WWF-Brasil, destaca, contudo, que ainda não é possível prever os impactos de inserir artificialmente fungos nas regiões onde as árvores irão se estabelecer. “Qualquer experimento em relação a isso vai ser tentativa e erro, e quanto maior número de espécies há no sistema, mais complicado é saber qual espécie de micorriza deve ser introduzida. É um problema muito complexo.”

Urgência climática

O estudo destacou, ainda, como as mudanças climáticas podem estar afetando as simbioses. “Embora esperemos que as migrações induzidas pelo clima sejam limitadas por fatores abióticos, como a disponibilidade de espaço em latitudes e altitudes mais elevadas, geralmente não consideramos as limitações bióticas, como a disponibilidade de parceiros simbióticos”, explicou a coautora do artigo Clara Qin, cientista de dados. “É absolutamente crucial que continuemos a trabalhar para entender como as mudanças climáticas estão afetando as simbioses micorrízicas”, frisou Van Nuland. “Essas relações sustentam toda a vida na Terra — é fundamental que as compreendamos e protejamos.”

Para Helga Corrêa, em razão das mudanças climáticas é criado um estado de alerta para o risco de perder as interações que se desenvolveram ao longo de milhares de anos. “Desconhecemos a larga dimensão dos impactos disso. Sabemos muito pouco sobre quantas espécies estão envolvidas e qual o nível de dependência.”

Duas perguntas para Maria Carolina Faleiros, bióloga e professora de biologia da Rede Blue Educação

Como especialistas podem contribuir para a proteção das redes subterrâneas de fungos em um cenário de mudanças climáticas aceleradas?

Realizando monitoramento sobre a distribuição e a diversidade dessas redes em diferentes ecossistemas, analisando fatores ambientais, como disponibilidade de nutrientes, pH do solo, temperatura, disponibilidade de água, fisiologia da planta hospedeira. Além de avaliarem como as mudanças climáticas afetam essa relação e qual a resposta das micorrizas a essas mudanças. É preciso desenvolver práticas de manejo sustentável da terra, com menor impacto no solo.

De que forma essa relação se dá em outras regiões, como na América do Sul?

Essa relação mutualística entre os fungos e plantas pode ocorrer também por meio da associação entre líquens e algas, ou cianobactérias, bastante comum em regiões de montanhas e áreas costeiras. Essas ligações podem variar conforme as condições climáticas.

Fonte: Correio Braziliense

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