Não dá mais para empurrar com a barriga ações realistas para amenizar a crise climática. No mundo, crescem os números de pessoas afetadas e dos prejuízos econômicos, mas não faltam motivações ecológicas para deixar a letargia de lado.
Mares e oceanos mais quentes e ácidos prejudicam da reprodução ao crescimento de peixes e de espécies sem coluna vertebral, e bem mais do que antes previsto, concluiu um estudo publicado na revista Nature Communications.
Já um time internacional de biólogos avaliou até quando animais suportarão o aumento do calor sem tentar migrar para outras moradas. Isso afetará espécies em terra e mar, mas quais terão mais chances de sobreviver?
“No mar a dispersão das espécies é maior enquanto na terra essa dispersão é bem reduzida”, avaliou o líder da investigação, Agustín Camacho (Universidade de Madri), ao Jornal da Universidade de São Paulo (USP).
Contudo, uma pesquisa inédita brasileira indica que isso não é uma regra, no caso para espécies como cracas e mexilhões, típicas de costões rochosos e já sofrendo efeitos da inegável crise climática planetária.
O estudo veiculado na revista Marine Environmental Research esclarece que um Atlântico mais quente, ondas mais potentes e maior despejo de água doce por chuvaradas afetaram a quantidade e o tamanho da vida selvagem no litoral sudeste.
“Estes fatores já mostram alterações de seus padrões pela mudança do clima e impactam a biodiversidade”, diz Ronaldo Christofoletti, presidente do Grupo Mundial de Especialistas em Cultura Oceânica.
Em áreas com mais ondas, triplicaram a presença de mexilhões e a do caracol saquaritá (Stramonita brasiliensis) e até 50% a cracas, mas encolheram a predação entre espécies, que em águas frias foram até 130% maiores que as de águas aquecidas.
As rochas de costões litorâneos podem aquecer tanto quanto o asfalto e passar de 50 ºC em certos dias de verão. No último ano, a temperatura do Atlântico Sul – que banha o Brasil – tem estado de 1ºC e 2ºC acima da média. A crise do clima pode ser mais rápida que a adaptação natural das espécies.
“Isso pode massacrar populações inteiras. Pessoas também morrem com o calorão nas cidades”, lembra Christofoletti, professor e coordenador do Programa Maré de Ciência na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Esse aquecimento, oriundo das mudanças climáticas e reforçado pelo El Niño, matou este ano inúmeros corais em unidades de conservação como a Área de Proteção Ambiental (APA) Costa dos Corais, em Pernambuco, e o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, no sul da Bahia.
“A gravidade ainda é baixa, mas deve aumentar, visto que há previsão de elevação de temperatura”, disse Carlos Ferreira, da Universidade Federal Fluminense, ao Um Só Planeta. “No Sudeste, especialmente em Arraial do Cabo, a temperatura da água chegou a 28ºC”, contou o pesquisador.
Caminho das pedras
As conclusões do publicado na Marine Environmental Research exigiram 4 anos de análises em laboratório e pesquisas na faixa de 800 km entre Itanhaém (SP) e Armação dos Búzios (RJ). O trabalho se concentrava em poucos meses para reduzir as variações ambientais e climáticas.
Algumas unidades de conservação na área de estudo são a Reserva Extrativista Marinha de Arraial do Cabo, Estação Ecológica Tamoios e Parque Estadual da Costa do Sol, no Rio de Janeiro, e Áreas de Proteção Ambiental (APAs) Marinhas do Centro e do Norte do litoral de São Paulo.
Costões realmente formados realmente por rochas ocorrem sobretudo no Sudeste e são raros em outros pontos da costa. No Nordeste e Norte, por exemplo, costumam ser sedimentares, construídos pela lenta deposição de areia, conchas e outros resíduos.
O estudo integra projeto da Unifesp, universidades Estadual do Norte Fluminense, do exterior e Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo, apoiado por Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Prejuízos humanos
“Mares e oceanos cobrem 70% do planeta. Se eles não estiverem saudáveis, a humanidade e o planeta não estarão saudáveis e será muito mais difícil resistir aos impactos do desequilíbrio do clima”, destaca Ronaldo Christofoletti (Unifesp).
Contudo, é possível ajudar as espécies costeiro-marinhas mesmo no agravamento da crise climática, diz André Pardal, um dos líderes da pesquisa veiculada na Marine Environmental Research e doutor em Evolução e Diversidade pela Universidade Federal do ABC Paulista.
“As alterações no oceano estão ligadas a atividades humanas, como urbanização, poluição e mudanças climáticas, que certamente impactarão as espécies costeiras e, potencialmente, os benefícios que elas trazem para nós”, ressalta.
O cenário pede medidas enérgicas para proteger ambientes, espécies silvestres e nossa existência no planeta. Assim, investir em ciência e monitoramento se torna ainda mais importante para entender e se preparar para as mudanças que virão.
“Os impactos que vemos são a ponta do iceberg. Sem agir desde já, os prejuízos serão muito maiores adiante. Precisamos entender que a fonte desses problemas são ações humanas, que o planeta não nos pertence e o compartilhamos com inúmeras outras espécies”, diz Christofoletti (Unifesp).
Fonte: ((o))eco