Por George Guimarães* (da Redação)
A imprensa mundial trouxe ao conhecimento do público no final do mês de março de 2011 a notícia sobre a acusação de homicídio que está sendo levantada contra os pais de uma criança vegana de 11 meses de idade que veio a óbito por desnutrição, o que de fato foi confirmado por meio da autópsia. Segundo a notícia, além de alimentar a filha sem o uso de ingredientes de origem animais, o casal também recusava fazer uso de tratamentos alopáticos, o que teria contribuído para o incidente. O casal já cumpriu quatro meses de prisão provisória e aguarda em liberdade o julgamento.
Essa não é a primeira vez que um casal vegano é responsabilizado pela morte de um filho. No mês de maio de 2007, um casal vegano norte-americano foi condenado pela morte de um bebê de 3 meses por tê-lo alimentado apenas com leite de soja e suco de maçã, privando-o do leite materno, essencial para qualquer recém-nascido independente das escolhas alimentares de seus pais. Sejam os pais vegetarianos, onívoros ou crudívoros, nenhuma dessas escolhas descarta a necessidade do leite materno ou (na impossibilidade desse) a sua substituição por uma fórmula infantil adequada.
Em ambos os casos, apesar de a morte da criança ter sido ocasionada pela irresponsabilidade e desinformação dos pais, e não pela dieta em si, muitas foram as críticas ao veganismo geradas a partir dos fatos. Dentre as repercussões negativas e desinformadas, a mais severa foi sem dúvida a carta ao editor publicada no dia 21 de maio e 2007 no jornal norte-americano The New York Times. No texto, a autora Nina Planck basicamente acusa de serem irresponsáveis todos os pais que oferecem uma dieta vegana aos seus filhos.
Semanalmente, eu atendo crianças vegetarianas em meu consultório. Além disso, eu convivo com a comunidade vegetariana fora do consultório e com isso já tive a oportunidade de conhecer dezenas de crianças vegetarianas. Uma criança tem tanta possibilidade de seguir uma dieta vegetariana quanto um adulto. A viabilidade de uma dieta vegetariana (sem ovos e laticínios) fato já está bem esclarecida.
A dieta vegetariana não apenas é saudável, mas ela também ensina às crianças, desde cedo, hábitos diários que estão imbuídos de compaixão e respeito ao planeta e a outras formas de vida. Também sabemos que ela é cientificamente viável, já que associações dietéticas (não-vegetarianas) internacionais aprovam a dieta vegetariana para qualquer fase da vida, desde que bem planejadas. Não podemos deixar de notar também que uma dieta vegetariana é mais saudável do que a dieta típica ocidental, repleta de gordura saturada, colesterol, alimentos refinados e pobre em fibras. Por que então os irresponsáveis são os pais veganos e não também os onívoros?
Por fim, é interessante notar que a Sra. Nina Planck, autora do artigo no The New York Times, está ligada à Weston Price Foundation, um grupo lobista que se aventura em campanhas contra a soja e contra o veganismo, além de militar em campanhas pró-carne e pró-laticínios. Isso é de certa forma um reconhecimento da força que o vegetarianismo expressa enquanto mercado, ferindo aqueles a quem não interessa ver difundidos hábitos de vida mais saudáveis.
Nessa batalha, a nossa principal arma é a informação. Apesar de falhos, estes argumentos conseguem boa inserção na sociedade por meio da mídia, que é justamente onde precisamos estar atentos. A informação científica sobre o tema é clara: com o devido cuidado e planejamento, a dieta vegetariana (sem ovos e sem laticínios) é perfeitamente viável para crianças de qualquer idade.
O planejamento nutricional é essencial em qualquer estilo alimentar e isso não é um sinal negativo em relação ao veganismo. Para começar, as crianças veganas devem receber aleitamento materno até os seis meses de idade. Se por ventura isso não for possível, apenas fórmulas infantis industrializadas, adequadas a essa fase da vida, devem ser oferecidas ao recém-nascido. A partir do início da alimentação sólida, os nutrientes que merecem atenção em uma dieta vegana infantil são a vitamina B12 (encontrada em alimentos fortificados ou suplementos), o ômega-3 (encontrado no óleo de linhaça), a proteína (encontrada nas leguminosas e nas castanhas), o ferro (abundante nas frutas, vegetais verde-escuros, no melado-de-cana, nas castanhas e nas leguminosas) e o cálcio (encontrado nas mesmas fontes de ferro, basicamente).
Outro ponto importante é a ingestão calórica. Como os vegetais contêm mais água e mais fibras, a saciedade oferecida por uma dieta isenta de produtos de origem animal é maior e com isso a ingestão calórica pode acabar sendo demasiadamente reduzida. O segredo é incluir na dieta os alimentos vegetais mais calóricos (como as castanhas, por exemplo) e não exagerar nas fibras, devendo ser excluídos da dieta vegetariana infantil os farelos e outras fibras adicionadas. Isto garante que a saciedade será acompanhada uma boa densidade calórica e nutricional.
Os estudos científicos apontam que a dieta vegetariana infantil não apenas é possível, mas também muito saudável. Enquanto os pais de crianças vegetarianas devem buscar a informação e orientação adequadas para auxiliá-los no planejamento nutricional de seus filhos, eles devem ao mesmo tempo procurar manterem-se refratários às opiniões baseadas em mitos populares ou interesses daqueles que lucram perdendo de vista a saúde da população.
* George Guimarães é nutricionista especializado em dietas vegetarianas (www.nutriveg.com.br)