Cães abandonados, envenenados e maltratados. São centenas de casos deste tipo em Bento Gonçalves que, na maioria das vezes, ficam sem solução. Uma rede de voluntários tenta amenizar os danos à vida dos animais pelo amor à causa, mas sem apoio do Poder Público e, muitas vezes, sem recursos financeiros, não consegue atender à grande demanda da cidade. Pensando nisso, o Ministério Público (MP) entrou na discussão e pediu agilidade nas soluções destes problemas. A ideia é criar um órgão para coordenar as ações voltadas à defesa animal.
A vereadora Neilene Lunelli criou em março uma Frente Parlamentar em defesa dos direitos dos animais e requereu à prefeitura a inclusão do anteprojeto de lei que institui a Central de Atendimento e Bem-estar Animal em Bento Gonçalves. De acordo com o projeto, é necessário preencher uma enorme lacuna na legislação no que diz respeito à proteção de animais. “Além de serem parte de uma questão humanitária, os animais são um tema de alta relevância, de saúde pública e meio ambiente. O município deve promover iniciativas concretas em defesa do meio ambiente, o que não vem ocorrendo durante os últimos anos”, afirma a vereadora.
O promotor Elcio Resmini Meneses intermediou, até agora, três reuniões sobre o tema, a partir da provocação feita pela ONG Patas e Focinhos. Após a primeira, foi instaurado inquérito civil. O segundo encontro contou com a presença da ONG, da secretaria municipal de Meio Ambiente (Smmam), da secretaria da Saúde, da Patrulha Ambiental da Brigada Militar, da Associação Riograndense de Proteção aos Animais e da Frente Parlamentar de Defesa dos Direitos dos Animais da Câmara de Vereadores. Já na terceira reunião a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foi incluída na discussão. “Como a informação foi a de que o anteprojeto havia sido remetido ao Executivo, procurei acompanhar a tramitação, questionando o prefeito sobre o andamento. Primeiro, fui informado de que a apreciação estaria sendo feita pela secretaria da Saúde e, depois, que não seria de atribuição dela – somente as análises relativas a zoonoses seriam responsabilidade da pasta. Assim, solicitei nova informação à prefeitura, já que o anteprojeto sugeria a criação de uma coordenadoria junto à Smmam. Até agora, não recebi a resposta”, informa Meneses.
A pretensão inicial do MP é construir junto com as entidades e o Poder Público os caminhos por meio de um ajustamento de conduta, mesmo que possa ser ele de previsão da inclusão orçamentária para a criação da coordenadoria. “As ONGs são fundamentais nas campanhas (de adoção, arrecadação de recursos junto à iniciativa privada ou por meio de ações de conscientização). Não devem ser executivas, mas subsidiárias às necessidades do Poder Público. Na verdade, enquanto não for constituída a estrutura junto ao Poder Público, as ONGs têm sido executivas, pelo amor à causa. Todavia, sem recursos financeiros. É exatamente essa distorção que se pretende eliminar, e o inquérito civil quer contribuir para que se possa chegar o mais breve à solução”, explica o promotor.
Em setembro do ano passado, o tema já havia sido discutido em audiência pública realizada na Câmara de Vereadores, que contou com a presença da primeira-dama e titular da Secretaria Especial dos Direitos dos Animais (Seda) de Porto Alegre, Regina Becker. Na ocasião, ela relatou a experiência da pasta, criada em 2011, e mantida com recursos de 0,08% do orçamento da prefeitura da capital e um fundo específico que também recebe doações.
“Não posso parar a cidade”
Questionado sobre o andamento da análise do anteprojeto, o secretário municipal de Meio Ambiente, Luiz Augusto Signor, afirmou que uma comissão interna está trabalhando neste assunto e que, até agosto, a Smmam deve apresentar um projeto concreto. Mas mostrou incômodo quando perguntado sobre o que realmente será proposto. “Não posso parar a cidade para resolver isso. Nós temos outras prioridades e tudo será divulgado na hora certa”, sentenciou.
De acordo com o promotor Elcio, a Smmam tem sido receptiva e o MP não tem como avaliar a questão de prioridades da pasta. “Sabemos que a criação da central demanda despesas e que é necessária uma previsão orçamentária”, disse. O promotor afirmou também que as denúncias de maus-tratos chegam, em geral, através de procedimentos policiais, considerando o registro de ocorrência que é feito por vizinhos ou por associações de proteção. “Como é matéria tratada no Juizado Especial Criminal, para lá são remetidas, vindo ao Ministério Público posteriormente. Todavia, a grande maioria não identifica a autoria, o que acaba gerando arquivamento. A maior parte delas diz respeito a envenenamentos”, comentou o promotor.
Rede de parceiros
Para a protetora voluntária Luciana Bronzato, a criação de um departamento específico para tratar da causa animal dentro da administração municipal é um passo importante, mas não pode ser uma ação isolada. Na visão dela, ao mesmo tempo que passar a gerenciar as atividades, a prefeitura também deve criar e manter uma rede ativa com defensores e veterinários parceiros, para agilizar adoção de bichos que estão na rua ou foram recolhidos de situações de maus-tratos. “Se houvesse essa linha de atuação mais próxima à proteção voluntária, seria muito mais fácil encaminhá-los para adoção. Nós acabamos tendo um conhecimento maior do que acontece nas ruas”, afirma.
Dessa forma, segundo ela, nem seria necessário implantar um local específico para abrigar animais. “Um abrigo ia gerar outro conflito, porque não podemos recolher os animais e jogá-los em algum lugar. O que precisamos é de resgates para casos de abandonos ou doenças, tratamento veterinário e esterilização. A castração tem que ser prioridade”, completa a voluntária. Paralelo a isso, campanhas educativas permanentes também poderiam auxiliar na conscientização para reduzir o número de abandonos nas ruas de Bento.
Luciana, que custeia despesas de mais de 20 cães e gatos mantidos em lares temporários, ressalta ainda que também é papel da sociedade auxiliar na defesa animal, denunciando – sempre com responsabilidade – e oferecendo apoio para solucionar casos mais críticos. “As denúncias têm que ser sérias, comprovadas. Não basta reclamar de um bicho apenas porque não gosta de um vizinho. Tem que ter provas e depois testemunhar, ajudar a resolver. Não adianta só telefonar e achar que alguém vai lá e dá um jeito. Muitas pessoas ligam apenas para tirar o problema da frente delas, não querem se comprometer com nada”, desabafa a protetora.
Por fim, Luciana destaca que a fiscalização, inclusive do cumprimento da lei municipal que prevê multas para maus-tratos a animais, tem que ser intensificada na cidade. “São tantos casos hoje que, se as multas fossem de fato aplicadas, esse recurso poderia ser utilizado para o funcionamento desse departamento. Com certeza não seria pouca coisa”, conclui.
Fonte: Serra Nossa