A demanda por alimentos e produtos veganos cresceu em toda a Paraíba nos últimos anos. Em Cajazeiras, no Sertão, a cozinha alternativa ‘Curcumã da Terra’, de Yuri Alisson, faz ‘versões’ veganas de várias comidas que são tradicionais na região. O objetivo é demonstrar que é possível ser vegano no Sertão da Paraíba e desmistificar a ideia de que o consumo da carne animal é necessário na culinária sertaneja.
Comidas que levam pequi, cuscuz, baião, doces (como o de licuri, cumaru e gergelim) são algumas das receitas adaptadas por Curcumã da Terra. “Eu falo que minha alimentação é sertaneja, pois tento trazer o veganismo para dentro da nossa vivência, focando assim principalmente em jamais deixar morrer a nossa tradição, a nossa cultura e os nossos frutos”, diz Yuri Alisson, estudante de nutrição.
A necessidade de trabalhar com a própria culinária do Sertão surgiu em 2018, quando Yuri deu início a jornada de conhecer vários lugares do Brasil. “Nisso percorri o nordeste todo e principalmente o Sertão. A partir daí eu percebi que o nosso Sertão é cheio de coisas incríveis e que raramente chegam às gôndolas de supermercado. Ou seja, temos que ir atrás de pequenos agricultores”, explica Yuri.
“A partir disso reconhecemos a importância de buscar esses alimentos e encontramos diversas coisas na nossa região. São exemplos deles: o licuri, bacuri, pequi, jatobá, murici, palma, mandacaru, caju, juçara, caju, cagaita, araçá e por aí vai”, diz Yuri.
O veganismo e vegetarianismo vem crescendo na região do Sertão da Paraíba, afirma Yuri Alisson. “A visibilidade está cada vez maior, as possibilidades estão cada vez mais presentes. Por isso temos tido todo esse acesso, que é extremamente fundamental para que tenhamos cada vez mais consciência alimentar, tanto para o nosso bem estar, como para o contexto social, econômico e sustentável do nosso planeta”, diz o estudante.
Para ele, é totalmente possível ser vegano no Sertão da Paraíba, “principalmente se houvesse um sistema de conscientização alimentar maior, de educação alimentar, essa realidade poderia ser mais visivelmente possível para nós”, afirma.
Relação com veganismo e surgimento da cozinha alternativa
A relação de Yuri com o veganismo vem de longa data. Aos doze anos de idade ele já levantava questionamentos sobre como funciona o processo de industrialização e venda da carne, “com isso eu tomei uma decisão, faz 13 anos que não consumo mais carne, e desde então tudo na minha vida vem mudando”.
“Desde o momento que eu comecei a ter o mínimo de consciência alimentar, digo, saber o que estava ingerindo, e o que de fato é importante para se manter dentro de uma alimentação balanceada, eu comecei a buscar ter mais autonomia alimentar”, diz o estudante de nutrição.
Foi esses questionamentos sobre sua relação com a comida que foi o aproximando da cozinha e que culminou no seu projeto atual. “Aos poucos comecei a cozinhar para pessoas ao meu redor, com esse processo fui divulgando o que eu fazia, criando minhas receitas e fui tendo um retorno bem significativo, o que me fez querer ir além nesse mundo de exploração de alimentos, ingredientes, cultura e história”, explica Yuri.
Nesse processo de aventurar-se na cozinha, Yuri Alisson conheceu a planta cúrcuma. “Através dela percebi que os ingredientes tem um trilhão de propriedades que podem mudar a nossa vida, e por isso o nome Cúrcuma da Terra surgiu, com o intuito de focar não só na alimentação em si, mas na cura, no que vem da terra e no que é vegetal”, explica.
A cozinha alternativa “Curcumã da terra”, existe há quase três anos e funciona através de encomendas feitas pelas redes sociais.
Aumento do veganismo na Paraíba
Fabiana Gama de Medeiros é coordenadora da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB) em João Pessoa. Ela observa uma mudança favorável no mercado vegano e vegetariano nos últimos anos em toda a Paraíba. “A gente da SVB tem visto esse aumento em todo o país e João Pessoa não fica fora disso. O número de adeptos ao veganismo tem aumentado a cada ano”, afirma.
No último Veganic, evento realizado em agosto deste ano pela SVB para reunir veganos de todos o estado, Fabiana conta que algumas das pessoas presentes no local eram do interior do estado e relataram que também está aumentando a quantidade de adeptos do veganismo no interior da Paraíba.
“Aumento de informação, de pessoas falando nas redes sociais, celebridades aderindo… a gente tem visto que isso tem feito as pessoas pararem pra pesquisar e buscar o movimento. Às vezes não necessariamente mudando tudo, mas diminuindo, como é o caso da segunda sem carne”, relata.
Para Fabiana, “muita coisa mudou. Muitos restaurantes começaram a vender opções veganas. É um mercado que ainda tem muito o que crescer, mas a gente já vê muita coisa nova comparado há dez anos atrás, quando me tornei vegetariana”, explica Fabiana.
O que explica o aumento, de acordo com a coordenadora da SVB, é a expansão da conscientização do problema por parte das pessoas. “Com a pandemia, as pessoas pararam para refletir, até porque o próprio coronavírus é um vírus de origem animal. A maneira como a gente consome vários desses animais gera esses vírus, como é o caso da gripe suína, vaca louca, gripe aviária”, explica Fabiana.
“Os animais não estão aí para nos servir. Então a pessoa pensa: eu amo meu cachorro, mas por quê eu amo um e como o outro? Por que meu gato tem o direito de viver mas quando vou para outros animais eu tenho outra ética?”, questiona Fabiana.
Fabiana explica que os outros animais sentem, têm senso de comunidade, sofrem quando são separados dos seus filhos, como é o caso das vacas que são separadas de seus bezerros. “A pessoa começa a perceber e estudar o quanto tudo isso é cruel. A fazer a conexão: a gente sempre diz que se os matadouros tivessem paredes de vidro, ninguém ia conseguir continuar se alimentando de outros animais”, afirma.
Veganos, vegetarianos e especismo
Pessoas vegetarianas não se alimentam de carne animal, mas consomem outros alimentos de origem animal, como laticínios e ovos. Já os veganos excluem da dieta qualquer tipo de comida que não seja de origem vegetal.
Ricardo Melo é pesquisador na área de jornalismo ambiental e estudos animais e faz parte do grupo de pesquisa de direito animal GEPDA. Ele explica que o consumo de carne animal é reflexo de uma sociedade “especista”. O conceito de especismo, de acordo com o pesquisador, se trata de um pré-conceito negativo em relação a alguma espécie, valorizando uma em detrimento da outra.
“É um paralelo com o racismo, sexismo e outros. O exemplo mais forte é a forma que os humano se relacionam com todas as espécies não-humanas, seja escravizando-a, como é o caso de cavalos, jumentos, camelos e outros; seja colocando-a na categoria de alimento, entre outras inúmeras formas”, explica Ricardo Melo.
Para ele, combater o especismo é uma ação bastante complexa que deve começar a partir do reconhecimento humano de que provoca sofrimento a outras espécies. “Mas algo concreto é começar a entender que todos nós somos ou fomos especistas em algum momento, pois a cultura é estruturada pelo especismo”, afirma
É preciso reconhecer que os outros animais são seres sencientes, que “são aqueles em que é possível comprovar, cientificamente, uma anatomia que possibilita a sensação, como a dor, o prazer, e os sentimentos, como empatia, amor etc., de forma consciente de tais sensações e sentimentos”, diz o pesquisador em explicação ao conceito de ‘senciência’.
Sem a compreensão da nossa posição especista e a posição violentada e explorada dos demais seres vivos nenhuma ação será capaz de combater o especismo.
A educação é um bom primeiro passo, indica o pesquisador, “especialmente a educação popular, a educação do campo e as formas alternativas de diálogo entre saberes, que nos possam fornecer bases para entender o conceito de “vida” que não está no nosso senso comum”, afirma.
Dia Mundial do Vegetarianismo
O Dia Mundial do Vegetarianismo é comemorado em 1º de outubro. Em fevereiro de 2021, a SVB encomendou uma pesquisa a ser feita pelo Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria). Constatou-se que em todas as regiões brasileiras e independente da faixa etária, 46% dos brasileiros já deixam de comer carne, por vontade própria, pelo menos uma vez na semana.
Fonte: G1