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SUSTENTABILIDADE

Couros vegetais como o de cacto viram alternativa à matéria-prima animal

25 de dezembro de 2024
5 min. de leitura
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Foto: Ilustração | Freepik

Não é de hoje que profissionais do mundo da moda e da decoração procuram alternativas ecológicas e “cruelty free” ao uso de couro de animais. No Brasil, uma dupla de cariocas tem conquistado espaço entre marcas nacionais e internacionais depois de desenvolver uma técnica que transforma as grandes folhas da planta orelha de elefante (Alocasia Macrorizhos) em biomaterial que se assemelha ao couro.

No México, outra dupla de criativos produz “couro de cacto”, a partir do processamento das folhas de nopal (Opuntia ficus-indica), com a marca Desserto. Essas e outras iniciativas ainda inspiraram jovens alunos da Bahia a desenvolver seu próprio couro vegetal. Ao redor do mundo, há iniciativa com uso de abacaxi, na Espanha, e casca de laranja, na Itália.

A transformação da folha da planta orelha de elefante para uso na moda e decoração é uma iniciativa da empresa Nova Kaeru, de Três Rios, na região Centro-Sul fluminense. A ideia foi de Eduardo Filgueiras, que é sócio da empresa ao lado de Paulo Campos.

Filgueiras começou a estudar a viabilidade da produção de um couro vegetal em 2019 e, em 2023, patenteou a tecnologia, uma espécie de “bio-curtimento” da planta, que consegue transformar as folhas em um material resistente, capaz de dar vida a criações como roupas, bolsas, sapatos e mobiliário. A marca é comercialmente chamada de beLEAF.

A beLEAF cultiva 80 mil pés da orelha de elefante, mas também adquire plantas de pequenos agricultores na região da fazenda. “Na propriedade da empresa, as plantas são cultivadas dentro do sistema agroflorestal, no qual a planta orelha de elefante é cultivada em consórcio com outros cultivos, visando promover maior cuidado com o solo ao longo do período de produção”, diz André de Castro, diretor de marketing da Nova Kaeru.

Até um metro de comprimento

A orelha de elefante demora seis meses para começar a ser colhida. As folhas podem chegar até um metro de comprimento, e exatamente por isso, foram a escolha de Filgueiras. “A técnica que utilizamos para tornar o vegetal pronto para costura poderia ser empregada em outras plantas, mas a orelha de elefante é uma das maiores que encontramos e é de fácil cultivo, então foram os dois pontos que fundamentaram a escolha”, afirma Castro.

O material finalizado é vendido em folhas unitárias ou unidas em painéis, disponíveis em quatro tipos de acabamentos e dez cores, obtidas via corantes naturais, segundo ele.

Entre as marcas brasileiras que já aderiram ao material estão Alexandre Birman, Misci e Ginger. Entre os clientes internacionais figuram Loewe, Botter e Louboutin.

Práticas sustentáveis

Na Bahia, alunos da rede pública se inspiraram na mexicana Desserto e transformaram cactos de palma forrageira (Opuntia Cochenillifera), flor típica de climas quentes e secos, em material biodegradável que também remete à textura do couro.

O projeto foi realizado pelos estudantes Bianca Silva, João Pedro Rosa e Milena Santos, todos do Colégio Democrático Estadual Castro Alves, localizado em Ipupiara, no centro-sul do Estado. De acordo com Bianca, a proposta inicial era descobrir práticas sustentáveis para reinvenção de produtos disponíveis no mercado.

“A inspiração veio da Desserto, mas tínhamos que desenvolver uma técnica nossa, a partir do que tínhamos de recursos. Daí a escolha por um cacto abundante no Brasil. Foram vários testes, feitos na escola e em casa, até dar certo”, conta.

A finalização dos produtos é manual. Os próprios alunos já confeccionaram alguns itens de amostra, como pequenas bolsas. O grupo ainda está definindo, junto com os professores, como dar sequência à produção. “Já registramos o produto e estamos avaliando como prosseguir”, acrescenta.

A marca mexicana Desserto, que inspirou os alunos brasileiros, é a responsável pelo fornecimento do couro de cacto que deu origem à bolsa criada por Sasha Meneghel para sua marca de roupas recém-lançada, a Mondepars. A bolsa “Arraia”, que remete ao formato de animal homônimo, é fabricada com couro de cacto preto, importado do México.

“Durante a minha faculdade, me interessei pelo uso de novas matérias-primas na moda, mais tecnológicas e conscientes. Por isso, o lançamento da “Arraia”, feita em couro de cacto, é um passo importante da minha marca. Foram dez meses trabalhando no projeto até chegar ao resultado final”, contou Sasha à reportagem.

Cacto nopal

A Desserto foi criada pela dupla de empresários mexicana Adrian Lopez e Marte Cazares. Eles posicionam a marca como uma startup têxtil. O couro vegetal da Desserto é produzido a partir do cacto nopal, que eles próprios cultivam, na Desserto Farm, propriedade no Estado de Zacatecas.

De acordo com a empresa, o cultivo não envolve irrigação ou uso de defensivos agrícolas, já que a planta é bastante adaptada à região na qual é cultivada. A plantação é perene, e a colheita acontece a cada seis ou oito meses.

Após a colheita, as folhas ficam três dias no sol para atingir os níveis de umidade necessários para a próxima etapa. Na sequência, a matéria-prima é processada, até virar uma pasta, quando é misturada a componentes químicos que aumentam a resistência e a durabilidade. O produto final tem 90% de compostos biodegradáveis e dura até dez anos, segundo a Desserto.

O couro da empresa também é utilizado na fabricação de mobiliário para casas e revestimentos para design de interiores de carros e iates. Entre as marcas que já utilizam o material estão Michael Kors, Givenchy, Samsung e Adidas.

Ao redor do mundo, há ainda outras iniciativas que utilizam frutas para a produção de couros biodegradáveis. Na Espanha, por exemplo, há um projeto para utilização de abacaxi, enquanto na Itália, há testes em andamento para uso de casca de laranja.

Fonte: O Globo

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