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SOLUÇÃO

Corredores ecológicos podem salvar a Mata Atlântica

Dissertação de mestrado do engenheiro florestal propõe a construção de corredores ecológicos no Rio de Janeiro para conservar e restaurar o bioma carioca

30 de agosto de 2024
André Cardoso
9 min. de leitura
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Foto: Themium | Wikimedia Commons

Devastação. Essa palavra resume a situação da Mata Atlântica brasileira. Do seu bioma original, restam somente 12% das florestas preservadas e saudáveis. A destruição é ainda pior quando consideramos que a Mata Atlântica brasileira é, de acordo com o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas – MMA, a segunda maior biodiversidade das Américas, perdendo apenas para a Amazônia.

O cenário de terror é ainda mais alarmante no Rio de Janeiro, onde cerca de 90% da sua vegetação original foi arrasada. Embora o desmatamento tenha diminuído nos últimos anos, os dados ainda são assustadores e causam uma dificuldade de ter esperança no futuro do planeta. Felizmente, estudos são feitos e notícias surgem para renovar essa esperança na humanidade e na nossa capacidade de fazer o bem.

Um estudo que trouxe esse sentimento à tona carrega consigo uma proposta para preservar e restaurar o bioma carioca, especialmente na parte da Mata Atlântica do estado. A dissertação de mestrado intitulada “Proposição de corredores ecológicos entre unidades de conservação no Estado do Rio de Janeiro”, do engenheiro florestal Caio Alves da Costa Silva, propõe a criação de corredores ecológicos por todo Rio de Janeiro.

“Corredores ecológicos são áreas de terra que conectam fragmentos de habitat natural, permitindo a movimentação de espécies entre essas áreas isoladas. Eles desempenham um papel crucial na conservação ambiental por diversas razões: facilitam a migração e dispersão; aumentam a diversidade genética; reduzem o isolamento de habitats; promovem a resiliência dos ecossistemas”, explica em entrevista concedida por WhatsApp ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

Para isso, seria necessária uma força tarefa de todas as forças envolvidas: governos municipais, governo estadual, recursos financeiros e união para mudar esse cenário. É um projeto de longo prazo, mas com o potencial de recompensa muito alto. “Acredito que o ideal, para este tipo de ação, seja um projeto mais longo, a fim de acompanhar o andamento do processo de restauração, mitigar ameaças que possam interromper essas conexões e monitorar o fluxo de espécies que passam por estes corredores para que possamos documentar e divulgar tudo”, comenta.

Caio Alves da Costa Silva é engenheiro florestal pela UFRRJ, especialista em geoprocessamento, mestre pelo Instituto de Pesquisas do JBRJ, membro do LEAp da UFRRJ e engenheiro da Terraguide.
Confira a entrevista.

IHU – O que são os corredores ecológicos e como eles ajudam na preservação ambiental?

Caio Alves – Corredores ecológicos são áreas de terra que conectam fragmentos de habitat natural, permitindo a movimentação de espécies entre essas áreas isoladas. Eles desempenham um papel crucial na conservação ambiental por diversas razões: facilitam a migração e dispersão; aumentam a diversidade genética; reduzem o isolamento de habitats; promovem a resiliência dos ecossistemas. Resumidamente, os corredores ecológicos são uma estratégia importante para enfrentar os desafios da fragmentação de habitats, ajudando a preservar a biodiversidade e a saúde dos ecossistemas.

IHU – A Mata Atlântica é o bioma mais devastado do Brasil. Como os corredores ajudariam a restaurar não só ela, mas também o ecossistema do Rio de Janeiro?

Caio Alves – A fragmentação ambiental afeta todos os ecossistemas componentes da Mata Atlântica no estado do Rio de Janeiro. Manguezais, florestas ombrófilas, restingas, todos eles sofrem com o isolamento. A Mata Atlântica hoje é composta de fragmentos de vegetação que abrangem toda a área do bioma, que um dia foi inteiramente coberta por sua vegetação natural. Esses fragmentos podem ser comparados a ilhas. Tal qual uma ilha, todos os habitantes dela ficam isolados; todos os animais, plantas, insetos, tudo. Esse isolamento causa diversos distúrbios biológicos e proporciona um grande desequilíbrio. A Mata Atlântica é um dos biomas mais diversos do mundo. Entretanto, ela depende dessa diversidade para prosperar. E essa diversidade precisa de espaço, preferencialmente ininterrupto.

Grandes fragmentos florestais, como nossas grandes unidades de conservação, sempre terão mais biodiversidade do que pequenos fragmentos florestais, pois muitos animais precisam de uma grande área para sobreviver, além de que há mais espaço para a variabilidade genética de todos os tipos de espécies de todos os reinos. Como hoje o cenário é de grande fragmentação, e é extremamente difícil imaginar o crescimento dos fragmentos florestais até o ponto que todas consigam se unir e se tornar um maior ainda, os corredores ecológicos surgem como alternativa para facilitar o contato entre esses fragmentos.

Estes corredores são as pontes que permitem o contato e o fluxo entre as ilhas; são pontes de vegetação que permitem o trânsito de espécies, amenizando os efeitos da fragmentação. Como os grandes fragmentos restantes são as unidades de conservação – UCs, o ideal é criar pontes entre elas e os outros fragmentos para que a biodiversidade ainda preservada possa circular para além dela e, idealmente, entre elas.

IHU – A quais fatores se deve essa devastação da Mata Atlântica e como ela afeta a sociedade?

Caio Alves – Uma das primeiras ações efetuadas na invasão dos colonizadores portugueses foi derrubar uma árvore. Infelizmente esse foi o prelúdio de uma tendência que perdura por séculos. A Mata Atlântica foi desmatada por diversos motivos e tem vínculo com os ciclos econômicos. Ele ocorre desde o interesse pelo pau-brasil por parte dos invasores, passando por cultivos de monoculturas, como o café, até os principais fatores de hoje, a meu ver, que são a insistência na criação e manutenção de pastagens, predominantemente mal manejadas e relativamente improdutivas, e a pressão do crescimento da urbanização – além das áreas destinadas para exploração de recursos comerciais, como a celulose. Infelizmente, a grande maioria das pessoas ainda é cega à riqueza e renda que os fragmentos florestais podem trazer, não somente à população e ao planeta em geral, mas também aos seus bolsos através de diversos tipos de iniciativas sustentáveis e lucrativas.

Além da perda de potencial econômico que mencionei, o desmatamento afeta a todos de tantas formas e em tantas escalas que eu poderia ficar horas falando sobre isso, mas acho que atualmente está cada vez mais fácil perceber as consequências por todos nós, infelizmente. O que antes era aviso da ciência, hoje é sentido na pele e é matéria nos noticiários como algo imprevisto. O desmatamento afeta drasticamente o ciclo hídrico, a biodiversidade, o controle de temperatura, a vazão dos rios, tudo. Tudo é conectado, e, uma vez que afetamos esse equilíbrio de forma cada vez mais intensa, as consequências se manifestam através de episódios climáticos e naturais extremos, os quais são amplamente anunciados com antecedência e igualmente ignorados constantemente.

IHU – O que é preciso para colocar esses corredores ecológicos em prática?

Caio Alves – Falar em restauração de grande escala sempre é complexo. Entretanto, meu estudo demonstra que temos diversas vantagens que tornam este cenário bem menos complexo do que ele inicialmente aparenta. A legislação ambiental vigente possui diversos instrumentos de proteção da vegetação, sendo as áreas de reserva legal e as áreas de proteção permanentes seus principais instrumentos. Esses instrumentos tornam obrigatória a presença de vegetação em determinados pontos em áreas privadas, como encostas e margens de rios e lagos, além da proteção ou restauração de 20% da vegetação em relação à área do imóvel. Através do cômputo de todas essas áreas beneficiadas pela legislação ambiental, efetuei a modelagem de corredores ecológicos de forma que fizessem o melhor caminho possível, aproveitando-se dessas áreas; são os caminhos de menor resistência à conectividade.

A partir desta modelagem de geoprocessamento, constatei que mais de 50% das áreas dos corredores propostos já possui, ou deveria possuir, vegetação, o que é um grande bônus, pois isso diminui drasticamente a quantidade de recursos necessários para a implementação. E isso sem contar o potencial de regeneração natural desses corredores, o que é um bônus do bônus. Esse potencial de regeneração natural eu também quantifiquei por meio do cruzamento dos meus dados com os dados de outro estudo de grande valor científico. Na prática, a restauração ambiental não é uma ciência exata, e não existe fórmula mágica aplicável a todos os cenários, especialmente se falarmos de projetos de grande escala. Cada região precisa da avaliação de um engenheiro florestal para que suas demandas específicas sejam atendidas e as técnicas adequadas sejam aplicadas. Então, basicamente, sim, é difícil elaborar e executar um projeto de restauração como os corredores ecológicos em grande escala. Entretanto, é algo muito menos difícil e custoso do que poderíamos vislumbrar inicialmente, após os dados que apresentei.

Tempo e possíveis dificuldades

Não é possível prever a implementação de um projeto de restauração, pois depende do engajamento dos atores que o viabilizariam. Caso a proposição venha a ser executada em sua totalidade no estado todo, seria necessária uma coordenação de projeto envolvendo as esferas estadual e municipais. Portanto, eu diria que o cronograma, entre inúmeras outras variáveis, partiria do planejamento entre estes atores.

Mas eu diria que é algo de médio a longo prazo. É natural desejarmos um prazo para que um cenário degradado se torne recuperado, mas lembremos que estamos falando de diversos locais diferentes, alguns com grande potencial para restauração, outros completamente degradados após décadas de cultivos e pastagens. Por exemplo, o sul do estado é repleto de UCs próximas umas às outras e ainda com diversos fragmentos no caminho, enquanto o norte do estado é amplamente degradado, ocupado por pastos e com poucas e isoladas UCs.

Cada cenário demanda ações específicas. Se formos consultar documentos técnicos, veremos que muitas metas são estabelecidas para serem atingidas em pouco tempo, quatro ou cinco anos, para que determinada área seja quitada quanto aos esforços de restauração. Atinge-se um determinado número de indicadores pré-estabelecidos nesse prazo e o projeto se dá por concluído. Entende-se que a área já está recuperada o suficiente para seguir seu caminho rumo à restauração sozinha, naturalmente. Entretanto, acredito que o ideal, para este tipo de ação, seja um projeto mais longo, a fim de acompanhar o andamento do processo de restauração, mitigar ameaças que possam interromper essas conexões e monitorar o fluxo de espécies que passam por estes corredores para que possamos documentar e divulgar tudo. Afinal, o que não é conhecido não é valorizado.

Entretanto, os corredores podem ser executados em trechos menores por diversos outros atores, como empresas privadas, ONGs e proprietários de terra. As possibilidades para execução são diversas.

IHU – Deseja acrescentar algo?

Caio Alves – Os temas que abordei aqui são amplos e fiz o máximo para resumir da forma mais simples possível. Trata-se de assuntos que são constantemente debatidos na esfera técnico-científica e que estão em constante aprimoramento e evolução, especialmente a partir das lições aprendidas em campo. O aprendizado da restauração e compreensão da natureza não é exato e é uma jornada de exploração sem fim, tal qual é a construção do conhecimento. Muitas perguntas podem surgir a partir do que falei aqui, e ficarei feliz em atender àqueles que desejarem aprofundar a conversa ou esclarecer suas dúvidas. Meu contato é: [email protected]

Fonte: EcoDebate

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