Ainda que sobrem informações e provas de que o atual sistema de produção e consumo é predatório, excludente, antiético, insustentável e nocivo para as pessoas, o meio ambiente e os animais, sendo central nessa equação a criação de animais para consumo, poucos, muito poucos estão realmente preocupados em tomar as medidas que se fazem necessárias para mudar o curso das forças em movimento. O COP15 consiste realmente em um encontro das partes que não estão preocupadas nem um pouco com o todo.
Na semana que antecedeu o COP15 em uma audiência no Parlamento Europeu, Paul McCartney e Rajendra Pachauri falaram sobre “Menos carne = Menos calor”, numa tentativa de sensibilizar os líderes mundiais para a contundente relação entre consumo de carne e aquecimento global. Também foi lançada, nessa ocasião, uma carta aos prefeitos e dirigentes do mundo, pedindo para apoiarem campanhas como a Segunda sem Carne, no Brasil. Suas vozes, porém, não se fizeram ouvir na gelada Copenhague.
A delegação brasileira foi a maior de todas, preocupada em vender biodiesel: reclama o direito de crescer e afirma ser o meio ambiente um “empecilho para o desenvolvimento sustentável”. Mas também se fizeram presentes alguns índios do coração do Acre, para reclamar da devastação da floresta, causada pela criação desenfreada de bovinos e soja.
Oitenta por cento da derrubada da floresta amazônica se deve à criação de bovinos e soja para ração animal. Três quartos das emissões brasileiras de CO2 vêm da pecuária. O Brasil possui o maior rebanho comercial do mundo e é o maior exportador mundial de carne. Com a China, divide a posição de maior exportador de couro curtido. Apesar dos graves problemas ambientais e outros gerados por esse modelo de produção, o governo brasileiro planeja dobrar a participação brasileira no comércio global de carne até 2018. E quer também, como declarou em Copenhague, triplicar a produção de soja.
No mundo todo, a produção de carne é responsável por não menos que 18% do total de emissão de gases de efeito estufa. As emissões da produção de carne e uso associado da terra estão entre as causas mais importantes das mudanças climáticas. Estas emissões são mais elevadas do que todo o setor de transporte, que responde por 13% das emissões.
A produção de gado é o fator primário que contribui para o desflorestamento e a desertificação. O elevado consumo de carne não apenas tem efeitos negativos sobre o clima e a biodiversidade, também é nocivo para nossa saúde porque aumenta o risco de doenças cardiovasculares, obesidade, diabetes e outras doenças da afluência. Daí ser muito importante limitar o consumo de carne.
A floresta amazônica detém a maior diversidade do planeta: mais de um quarto de todas as espécies vivas animais e vegetais estão em apenas 5% da superfície da Terra. “Se alguém caminhar do Alasca ao Canadá por 5 mil km encontrará o mesmo tipo de floresta e um número reduzido de espécies; na Amazônia basta caminhar alguns quilômetros para tudo mudar”.
A população da Amazônia é de 21 milhões de habitantes. Lá vivem 150 nações indígenas (das 180 existentes no Brasil hoje). Cinquenta grupos ainda vivem isolados. Todos os tipos de relacionamento acontecem quando ocorre contato, mas na maior parte das vezes significa para os índios fome, miséria, doenças, violência, perda da identidade cultural, migração forçada etc.
A Amazônia Continental compreende 50% da América do Sul e nove países: Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname, Venezuela e Brasil. A Amazônia biológica abarca 49% do território brasileiro. A Amazônia legal corresponde a 60% do território brasileiro.
Principais ameaças
Pecuária e monocultura de soja
Exploração predatória de madeira
Políticas públicas e governamentais
A última grande área natural do planeta está sendo comida, numa combinação de carne e soja
Doze por cento foi devastada nos últimos 50 anos (cerca de 800 km2 – correspondendo a toda a região Sul e Estado de São Paulo).
Até 1970 menos de 2% havia sido desmatado.
Trinta anos mais tarde, 20% (cerca de 750.000 km2 / 100 milhões de hectares) está desmatado e a população triplicou.
Há 75 milhões de cabeças de gado na Amazônia (no Brasil são 200 a 210 milhões).
Principais implicações
– Queimadas (as melhores madeiras são retiradas e o resto é queimado)
– Conflitos por território (índios e povos tradicionais)
– Perda de biodiversidade
– Mudanças climáticas
– A criação de gado é o uso dominante nas áreas devastadas, representando 77% da área convertida em uso econômico.
Emissões no Brasil
O governo federal tem um inventário produzido em 1994 de acordo com os padrões da ONU (não foi atualizado). São Paulo tem um diagnóstico recente, de 2005. São Paulo produz 14 mil toneladas de lixo por dia. São 15 milhões de toneladas de CO2.
São Paulo e Rio emitem relativamente poucos gases de efeito estufa.
– São Paulo: 1,47 per capita em toneladas de CO2 por ano
– Rio: 2,02 per capita
– Londres, Nova York, Tóquio, Copenhague etc. emitem 4, 5, 6 vezes mais
O total de emissões no Brasil é de 8,2% per capita. As emissões de países mais urbanizados estão concentradas em centros urbanos – não é o caso do Brasil.
Por quê?
Devido às emissões da Amazônia. A queimada da floresta amazônica tornou o Brasil um dos 10 maiores poluidores. A grande maioria dos gases de efeito estufa do Brasil, que contribuem para o aquecimento global, vem da fumaça do desflorestamento da Amazônia, para ceder espaço para a pecuária e a monocultura de soja para alimentar porcos, frangos no Brasil, Europa e EUA, não de combustíveis fósseis que são os principais culpados na maioria dos países.
– Um terço das emissões no Brasil vem da criação de gado e um terço do desflorestamento.
– Quatro quintos das emissões da agricultura vêm da pecuária.
De acordo com a FAO, a produção mundial de carne está projetada para dobrar de 229 milhões de toneladas em 1999/2001 para 465 milhões de toneladas em 2050, e a produção de leite está calculada para aumentar de 580 para 1.043 milhões de toneladas.
O rebanho bovino brasileiro é hoje de 210 milhões de cabeças – mais do que sua população (193 milhões).
As exportações brasileiras de carne bovina cresceram 413,6% entre 1999 e 2007, segundo a Organização Mundial do Comércio (OMC).
O Brasil reflete a situação mundial: o gado usa 40% das terras aráveis do mundo. No Brasil o gado usa 200 milhões de hectares e a agricultura 80 milhões. O gado crescerá para 300 milhões de hectares e 400 milhões de cabeças em 25/30 anos se nada for feito – e isto será o fim da Amazônia e do Cerrado.
Em dezembro de 2008, o governo brasileiro lançou o Plano Nacional sobre Mudanças Climáticas (PNMC).
O objetivo é mitigar as emissões de gases de efeito estufa em 36,1% a 38,9% até 2020
Para alcançar esta meta será necessário um projeto sustentável para a Amazônia que inclua o problema da produção de gado e de soja.
De acordo com a FAO, a pecuária está entre as três principais causas de qualquer problema ambiental significativo, incluindo a degradação da terra, mudanças climáticas e poluição do ar, escassez e contaminação de água e perda de biodiversidade. Comer menos carne (e outros produtos de origem animal) não apenas é saudável para nosso planeta, também é para a nossa saúde. Um estudo da OMS mostrou que um decréscimo em gordura saturada de apenas 1% resultaria em cerca de 13 mil óbitos a menos por doenças cardiovasculares na Europa por ano. Um novo estudo da Lancet indica que uma redução na produção pecuária de 30% pode diminuir o número de mortes prematuras por doenças cardíacas em 17%.
Como ignorar dados tão contundentes? Como é que o governo pretende cumprir suas metas contraditórias de mitigar em 40% as emissões, dobrar a produção de carne e triplicar a de soja, conforme afirmou em Copenhague?