A 15ª Conferência da ONU de Combate à Desertificação (COP15) foi aberta nessa segunda-feira (9) em Abidjan, na Costa do Marfim, com o objetivo de encontrar soluções para combater o avanço de áreas desérticas, o desmatamento, o esgotamento das terras aráveis e a poluição dos solos. Algumas áreas do planeta são particularmente afetadas pelo recrudescimento desse fenômeno, como o Sul e o Nordeste do Brasil.
A Conferência das Partes (COP) da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD) é menos conhecida do que sua “irmã mais velha” sobre a mudança climática, mas aborda questões igualmente fundamentais. O encontro de dez dias, em Abidjan, acontece num momento em que, segundo a ONU, 41% das terras no mundo estão degradadas.
Com o aquecimento global, a desertificação tem aumentado: a cada ano, 12 milhões de hectares de terra são perdidos, ou seja, tornam-se inviáveis para a agricultura, uma área equivalente à de países como o Benin ou a Bélgica. Este déficit potencial de produção de 20 milhões de toneladas de cereais impacta 1,5 bilhão de pessoas já fragilizadas, com perdas de pelo menos US$ 124 bilhões.
A conferência começou com uma reunião de cúpula de chefes de Estado diretamente afetados por esse fenômeno. Nove líderes africanos, entre eles o anfitrião Alassane Ouattara, presidente da Costa do Marfim, Mohamed Bazoum, do Níger, Félix Tshisekedi, da República Democrática do Congo, e Faure Gnassingbé, do Togo, participam dos debates. O líder francês, Emmanuel Macron, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, intervêm por videoconferência.
“Nossa cúpula acontece em um contexto de emergência climática que impacta duramente nossas políticas de gestão de terras e exacerba o fenômeno da seca”, disse o presidente da Costa do Marfim no discurso de abertura da reunião. “Os povos (do planeta) depositam uma grande esperança em nossa ação. Não temos o direito de desapontá-los. Vamos agir rapidamente, vamos agir juntos para dar nova vida à nossa terra!”, ressaltou Ouattara.
A Grande Muralha Verde, um projeto faraônico que visa restaurar 100 milhões de hectares de terras áridas na África até 2030, numa faixa de 8.000 km que vai do Senegal até Djibuti, é um tema relevante na agenda dos países africanos.
Desertificação avança no Brasil
No Brasil, o processo de desertificação é predominante no Nordeste e afeta principalmente a Caatinga, bioma que ocupa, por exemplo, 83% da área do estado de Pernambuco. Esse tipo de vegetação também está presente nos demais estados da região e no norte de Minas Gerais, representando uma parte significativa da biodiversidade do país. Um levantamento realizado no ano passado pelo Mapbiomas, projeto da organização Observatório do Clima, demonstrou que a desertificação persistente na Caatinga acarretou a perda de 40% da superfície de água nos últimos 35 anos. As queimadas associadas à aceleração das mudanças climáticas explicam esse esgotamento da terra.
A desertificação também avança no Rio Grande do Sul, sobretudo em alguns municípios da região sudoeste do estado. Apesar do clima úmido da região, os solos arenosos e pobres em nutrientes de determinadas áreas do estado, utilizadas para a agricultura intensiva e mal controlada durante décadas, tornaram o solo improdutivo.
No Iraque, o deserto está ganhando o território. Por causa desse avanço, as tempestades de areia se multiplicam, a ponto de provocar milhares de hospitalizações. Ambientalistas dizem que se nada for feito contra esse fenômeno, dentro de pouco tempo não haverá mais espaços verdes, áreas habitáveis e água potável para consumo humano. O Iraque está entre os cinco países do mundo mais vulneráveis às mudanças climáticas.
“Chamado à ação”
Até 20 de maio, negociadores de 196 países tentarão chegar a um acordo sobre objetivos comuns para combater a degradação do solo nos próximos dez anos. O tema do evento – “Terra. Vida. Herança: da raridade à prosperidade” – é “um chamado à ação para garantir que a terra, que é nossa fonte de vida neste planeta, continue a beneficiar as gerações presentes e futuras”, diz o comunicado da ONU.
A seca será uma das principais questões abordadas, explica Ibrahim Thiaw, secretário-executivo da convenção da ONU. “As secas estão se tornando mais frequentes e mais letais, e espera-se que a COP tome fortes decisões para reduzir os riscos para a humanidade”, disse.
Os variados tipos de poluição causados pelas atividades humanas também destroem as terras aráveis. A agricultura intensiva e mal controlada é responsável por 80% do desmatamento. O continente africano perde 4 milhões de hectares de floresta por ano. No entanto, 6 milhões de hectares de terras deverão ser introduzidos na produção agrícola a cada ano até 2030 para atender às necessidades alimentares de uma população crescente, se a produtividade permanecer nos níveis atuais. Até 2.050, prevê-se que sejam explorados em escala mundial até 1 bilhão de hectares de terras, caso sejam mantidas as atuais estratégias de intensificação da agricultura nos países em desenvolvimento.
Recuperação do solo
Um dos desafios para a próxima década será aumentar o rendimento das áreas plantadas sem esgotar os solos ou destruir as florestas, e formas de mitigar o avanço das terras áridas. As delegações presentes na conferência irão avaliar alternativas e oportunidades para oferecer às pessoas diretamente afetadas por esses desastres. Cerca de vinte soluções serão debatidas na COP15, com atenção especial à regeneração do solo.
Para determinar as ações a empreender ante múltiplos desafios, sete temas principais estruturarão os painéis de discussão, entre eles uma reflexão sobre “o papel da finança verde na preservação dos ecossistemas”, que preparará o futuro acordo global sobre a biodiversidade. Outro tema central da conferência será a questão da “partilha de dados sobre a biodiversidade”. A proteção da biodiversidade será também tratada sob o ângulo da “proteção dos oceanos”.
“A economia global foi gravemente afetada pela pandemia de Covid-19 e agora pela guerra na Ucrânia, que tem consequências extremamente graves para a produção agrícola e a distribuição de alimentos em todo o mundo”, explica Ibrahim Thiaw. Diante do acúmulo de crises em um período tão curto de tempo, a recuperação de terras degradadas oferece oportunidades para que todos os países produzam melhor.
“A França pretende afirmar, por ocasião desta COP, suas estratégias de investimento para financiar soluções agroecológicas, num espírito social, inclusivo e justo”, diz um comunicado da Agência Francesa para o Desenvolvimento (AFD).
“O objetivo é promover a autonomia alimentar por meio de setores agrícolas sustentáveis, em estreita colaboração com a pesquisa, contribuir para o desenvolvimento das áreas rurais e a gestão dos recursos naturais, apoiar a prática sustentável do pastoralismo – uma atividade econômica essencial para os territórios sahelianos – e promover as energias renováveis na área”, acrescenta a declaração.
Fonte: UOL