Ficou no passado o tempo em que falar com crianças sobre meio ambiente envolvia apenas um punhado de prescrições simples. “Jogue o lixo no lixo”, “não polua rios e mares”, “feche a torneira ao escovar os dentes”. Se a ideia é educar para uma compreensão menos ingênua, expressões como essas precisam dar lugar a outras, sem dúvida mais complicadas.
Adaptação climática, transição energética, mitigação dos gases de efeito estufa, regulamentação do mercado de carbono, justiça e racismo ambiental. Pois é: a COP 27, mais recente edição da Conferência do Clima da ONU, tem mostrado que a chapa (literalmente) esquentou e que o buraco (de ozônio) é mais embaixo.
Os trocadilhos são ruins, mas a situação do planeta é pior: é urgente o desafio de combater a elevação da temperatura global e suas consequências. Com a COP na ordem do dia, é natural que crianças e adolescentes proponham dúvidas ao ouvir notícias sobre a conferência. Não é fácil explicar toda essa complexidade. Mas vale tentar.
“A ideia é evitar focar apenas nas questões mais imediatas. Mesmo com os pequenos, podemos mexer com compreensões profundas, que estão na base do problema.” Filho de cientista, professor e assessor pedagógico, André Reinach se especializou em discutir educação ambiental com os professores das escolas em que atua. Sob seu auxílio, a coluna preparou sete pontos para conversar com crianças e adolescentes sobre a crise climática.
- Não é o fim do mundo
Crise climática é coisa séria, mas é preciso abordar a questão sem cair em um catastrofismo paralisante. Ideias como “já destruímos o mundo” e “é melhor que a raça humana desapareça” não encontram amparo científico, além de gerarem desespero e desamparo. Na questão do aquecimento global, a ideia de mitigar efeitos faz todo o sentido: teremos problemas – já os estamos sentindo – mas faz muita diferença reduzir o quanto a temperatura vai subir neste século. Para muitas regiões do planeta, poucos décimos de graus a mais já podem definir se um determinado local permanecerá habitável ou não.
- É o fim de UM mundo
O ser humano está na Terra há milênios. No entanto, as emissões de gases estufa só passaram a ser uma ameaça séria do século 19 para cá. Ou seja: o que precisa acabar é uma parte do mundo padrão da modernidade. Mais especificamente, o modelo de consumo das classes alta e média-alta dos países centrais, baseado no uso intensivo dos recursos naturais e na queima de combustíveis fósseis. Se os 8 bilhões de habitantes do mundo decidirem seguir por esse caminho, não haverá planeta. Mas há outras rotas possíveis.
- Homem e natureza são uma coisa só
A concepção tradicional de natureza é alicerçada na ideia de que se trata de algo puro, harmônico, imaculado e, sobretudo, separada dos seres humanos. Mas ela não fica “em outro lugar”. É preciso construir uma outra maneira de entender a natureza – mais relacional, que nos inclua dentro dela e de sua rede de causalidades e efeitos. Reagimos ao meio ambiente e vice-versa. Em outras palavras, nós também somos o clima.
- Como numa horta malcuidada, a ação humana pode trazer problemas
A comparação é especialmente válida para crianças pequenas. Recurso para a compreensão do ciclo de crescimento e cuidado, a horta também pode exemplificar o funcionamento de um ecossistema. Se rego uma planta demais, posso produzir efeitos inesperados e elementos novos. Também a crise climática sofre a influência da ação humana, só que em escala planetária.
- O indivíduo tem responsabilidade, mas o coletivo tem bem mais
Pensar nas escalas de ação é fundamental. Enfatizar a necessidade de repensar o consumo individual é válido, mas insuficiente. É importante mostrar que as grandes cadeias produtivas e o avanço de determinadas atividades humanas, como o desmatamento e a pecuária extensiva, são muito mais determinantes para o problema. A linha é tênue, pois indicar que há uma dimensão planetária na crise climática pode dar a entender que a mudança individual não tem efeito algum.
Para evitar essa compreensão equivocada, pode-se lembrar o exemplo da quantidade de litros d’água usada na fabricação de um jeans ou para produzir um quilo de carne – e de como alterar o jeito de se vestir ou de comer pode ter impacto positivo. Outra possibilidade é ressaltar a dimensão política do combate à crise climática, mostrando que iniciativas coletivas têm mais chances de prosperar do que atuações solitárias.
- Povos originários podem ensinar – e muito
Num certo sentido, povos originários como os indígenas brasileiros vivem num mundo que acabou 500 anos atrás. O exemplo serve para ilustrar um processo contínuo de precarização da existência, mas também de adaptação e resiliência. Não se trata de viver como indígenas, mas de observar com interesse como eles foram se virando em meio a um mundo em colapso. Também é um caminho interessante para apresentar os conceitos de racismo ambiental e justiça climática. Eles devem ser mobilizados para evitar que quem emite mais gases estufa arque menos com os custos, e quem impacta menos – povos originários, periféricos e de nações do Sul global – sofra mais.
- Mais que alertar, educar pelo exemplo
Voltamos às prescrições simples que abrem este texto. De nada adianta despejar listas de boas práticas sobre os pequenos se no dia a dia não agimos da mesma forma. Educa-se basicamente pelo exemplo. Em termos de mudança de hábitos para conter a crise climática, quem não faz aquilo que fala estará, no máximo, ajudando os pequenos a entender uma lição sobre hipocrisia.
Fonte: Ecoa