Inundações, ondas de calor, piora na fome, migração forçada pela desertificação: de Serra Leoa à Somália, da Zâmbia ao Chade, países africanos são os mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas. A crise que atinge o planeta recai com toda força sobre o continente, impactando a vida das pessoas e a biodiversidade, sendo entrave para o desenvolvimento econômico.
Segundo o IPCC, painel do clima das Nações Unidas, a vulnerabilidade humana frente às alterações climáticas varia de acordo com a localização no globo. Enquanto países ricos são mais resistentes, os africanos são os mais sensíveis, o que, para especialistas, está em linha com o histórico de desigualdades socioeconômicas que assola o continente. Em contrapartida, a África é a região que menos emite gases do efeito estufa.
– A questão climática não vem dissociada do contexto social, ambiental e econômico. A discrepância entre os países que mais contribuem para a emissão de gases do efeito estufa e aqueles mais vulneráveis é um quadro que remete a um contexto geopolítico de desigualdades, de poder e tomada de decisões na esfera internacional – analisa Danielle de Andrade Moreira, coordenadora do grupo de pesquisa Direito, Ambiente e Justiça no Antropoceno (Juma), da PUC-Rio.
Diretor de Inovação e cofundador do Instituto Igarapé, Robert Muggah aponta alguns caminhos para reduzir a vulnerabilidade dos países africanos aos impactos das mudanças climáticas. Entre as prioridades mais urgentes estão investimentos na preparação e alerta de desastres, agricultura e infraestrutura resiliente ao clima, expansão de energias renováveis e sistemas de proteção social aprimorados.
Para isso, porém, é preciso de fontes robustas de financiamento. Ele cita que, de acordo com o Banco Africano de Desenvolvimento, o continente recebeu apenas US$ 30 bilhões para adaptação climática em 2023, enquanto o patamar necessário chega a US$ 250 bilhões.
– Os países africanos precisam de mais acesso ao financiamento climático internacional. Existem oportunidades para obter acesso ao financiamento público, incluindo de bancos de desenvolvimento multilaterais. No entanto, é insuficiente. O urgente é mais capital privado e misto.
Relatório divulgado no mês passado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), da ONU, apontou que o continente tem custos “desproporcionalmente altos” e “meios escassos de financiamento” contra o caos climático. O documento calcula que as nações africanas perdem de 2% a 5% de seu PIB anual por causa do clima extremo. Ainda segundo a OMM, na África Subsaariana, o custo da adaptação à crise climática é estimado entre US$ 30 e 50 bilhões anualmente na próxima década, o que representa de 2% a 3% do PIB da região.
O financiamento de políticas de mitigação das consequências do clima são entrave. Nas mesas de discussão multilaterais, nações africanas têm pouca representatividade e ficam com a menor fatia dos recursos.
– Já estive em três COPs, e é impressionante como esses espaços são desiguais. Países mais ricos acabam levando uma delegação com 30, 40 pessoas, enquanto países menos desenvolvidos levam uma delegação de cinco, seis, principalmente países africanos —relata a assessora de engajamento e mobilização do Observatório do Clima, Isvilaine da Silva.
Muggah, do Igarapé, enfatiza outro fator: a divergência de líderes africanos sobre as prioridades ambientais.
– Alguns países estão expandindo agressivamente a energia renovável e liderando esforços de transição em todo o continente, enquanto outros, com grandes reservas de petróleo e gás, estão determinados a usar esses recursos. .
Em discurso na Conferência Ministerial Africana sobre o Ambiente, na Costa do Marfim, no último mês, o secretário executivo da ONU para as Alterações Climáticas, Simon Stiell, ressaltou que são enormes os custos do aquecimento global descontrolado para as nações africanas.
– Seria totalmente incorreto qualquer líder mundial, especialmente no G20, pensar que, embora tudo isso seja incrivelmente triste, em última análise o problema não é dele. O vasto potencial das nações africanas para impulsionar soluções climáticas está limitado por uma epidemia de subinvestimento.
Fonte: O Globo