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Considerações sobre invasão de privacidade

20 de dezembro de 2011
3 min. de leitura
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Por Laerte Levai* (da Redação)
O tema da invasão da privacidade adquiriu, com o advento da era tecnológica, contornos nunca dantes imaginados. Atualmente tudo é vigiado, seja pelo poder público, seja pelo particular. Basta mencionar o sucesso do programa Big Brother, a instalação das câmeras de segurança nas ruas ou nas lojas e a proliferação das máquinas fotográficas, que hoje em dia estão instaladas até nos telefones celulares. Pessoas são fotografadas em qualquer lugar e a difusão de suas imagens pessoais tornou-se, de certa forma, um fato banal. Mesmo nas propriedades particulares a privacidade é relativa, porque nos prédios e condomínios há câmeras por todos os lados, até dentro do elevador. O uso dessa parafernália, todavia, se justifica em função da segurança pública, como que advertindo os possíveis infratores de que eles podem ser responsabilizados por eventuais abusos.
Não se nega, porém, que a Constituição Federal garante ao cidadão o direito à privacidade e à intimidade, com a possibilidade de ele ser ressarcido do dano decorrente da violação. O que ocorre, porém, é que o direito brasileiro não compactua com o crime que se dá longe dos olhos de testemunhas. Deste modo, o estupro entre quatro paredes continuará sendo estupro. O furto à residência ocorrido na clandestinidade permanece sendo um furto. Uma agressão física, mesmo em um recinto fechado, ainda é uma agressão. E se existir um meio hábil a registrar a ação criminosa, mediante a captação de imagens da casa alheia, por que impedi-lo? Daí a conclusão de que a prática de um ilícito penal autoriza o particular a agir ou a pedir ajuda à autoridade pública, mesmo que o delito esteja sendo cometido na casa vizinha.
Dando continuidade a tais conjecturas, mais alguns exemplos. Se no âmbito privado um cidadão tem o direito de fazer o que bem entende, é evidente que tal liberdade soa apenas relativa, sabido que o direito de alguém cessa quando se viola o direito de outro. Ninguém pode espancar os filhos ou a mulher apenas porque se encontra resguardado dentro de casa, da mesma forma que não se pode ligar um aparelho de som em alto volume após as 22 horas, em desrespeito à lei do silêncio. Se isso ocorre, passa a ser legítima a intervenção de terceiro ou o uso de equipamento de gravação capaz de registrar – para eventualmente servir de prova – o fato em questão.
No tocante à odiosa prática de crueldade aos animais, o raciocínio é o mesmo. Partindo do princípio de que os animais são protegidos pela lei (artigo 225 par. 1º, inciso VII da Constituição Federal) e que sua submissão a maus-tratos é crime ambiental (artigo 32 da Lei 9.605/98), nada impede que ações de salvaguarda a eles sejam válidas juridicamente, ainda que se tenha de adentrar na casa alheia ou fotografar/filmar a prática delituosa que servirá de prova judicial. Até porque, em ultima análise, quem assim age não quer violar a privacidade ou a intimidade de ninguém, mas ajudar na investigação ou fornecer elementos capazes de responsabilizar criminalmente o infrator. Enxergar isso é uma questão de bom senso.
*Laerte Levai é integrante do Ministério Público do Estado de São Paulo, atua como promotor de justiça em São José dos Campos. Especialista em bioética e mestre em direito ambiental, é pesquisador do Laboratório de Estudos sobre a Intolerância (LEI-USP).

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