O Conselho Regional de Medicina Veterinária de Mato Grosso (CRMV-MT) vai apurar se houve falha técnica em um procedimento realizado na última semana em uma propriedade rural próxima a Cuiabá para morte induzida de um cavalo diagnosticado com o mormo, uma grave doença infecto-contagiosa.
Um vídeo feito pelo tutor do animal e que circulou em redes sociais mostra um policial militar atirando pelo menos três vezes contra o animal, sem conseguir matá-lo. A ação foi acompanhada por médicos veterinários.
O uso de arma de fogo é permitido para a realização de morte induzida, mas deve seguir uma série de critérios estabelecidos para evitar, por exemplo, a crueldade ou mesmo o sofrimento do animal. Ao G1, o presidente da entidade, Verton Silva Marques, não descarta a possibilidade de erros na condução do procedimento pelos profissionais do Instituto de Defesa Agropecuária (Indea).
“A arma de fogo deve ser empregada somente na hipótese de não existir possibilidade de ser adotado outro método, como a anestesia geral. Outra falha: o animal deve estar contido, imobilizado, e, neste caso, não estava. Infelizmente, quem errou foi o médico veterinário porque o policial não tem culpa, já que não foi orientado”, afirmou Silva Marques.
O Conselho não descartou a abertura de processo ético contra os veterinários. Entre as punições possíveis está a perda do registro profissional, por meio da cassação. “O conselho aguarda a denúncia formal pelo tutor do animal”, disse ainda.
A presidente do Indea, Maria Auxiliadora Diniz, disse nesta segunda-feira (25) que o órgão deve apurar o caso. “O acesso que tivemos foi ao vídeo e os servidores que nos comunicaram. Mas não entramos em detalhe e vamos levantar”, disse a gestora.
A morte induzida em caso de confirmação do mormo está previsto na Instrução Normativa 24 do Ministério da Agricultura (Mapa), de 05 de abril de 2004. O procedimento é realizado após confirmação da doença pelo Laboratório Agropecuário Nacional (Lanagro). O protocolo estabelece dois exames.
A realização de mais de um teste ocorre quando o primeiro exame, chamado de “fixação de complemento”, apresenta resultado positivo. Ele é um dos recomendados pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) para identificar a doença, mas, sozinho, não tem caráter conclusivo. E, em muitos casos, a precisão deste teste é questionada.
A combinação de exame laboratorial mais os sintomas clássicos da doença no animal é suficiente para comprovar o mormo. Mas apenas o teste de fixação positivo, sem a ocorrência de febre alta, tosse e secreção nasal, nódulos no nariz e pulmões ou mesmo feridas nos membros, exige uma contraprova.
Ouvido pelo G1, o tutor do animal, Frederico Guilherme Correia de Paula, disse que o cavalo de 7 anos apresentou a suspeita para o mormo em julho em exames de rotina. Mas os sintomas clínicos não se manifestaram. Exames de contra-prova, realizados paralelamente aos do Indea, não confirmaram o mormo, argumentou o criador.
O garanhão puro de origem, Quarto-de-Milha, era usado em provas de laço. “Não questionamos os exames, mas a forma como o animal foi morto. Que fosse sem crueldade, sem sofrimento. No terceiro tiro o cavalo saiu correndo, bateu em uma árvore e quebrou o pescoço”, disse Frederico.
Em Mato Grosso, até o momento cinco casos de mormo em animais foram confirmados.
Polícia Militar
Quanto aos disparos efetuados por um PM durante a ação, a assessoria de imprensa da Polícia Militar informou que os militares foram acionados pelo Indea “para colaboração ao trabalho de controle sanitário”. A ação no trabalho de morte induzida de animais está prevista na Instrução Normativa 17, de maio de 2008, complementada pela IN 45, de 15 de junho de 2004 e a resolução número 1.000, de maio de 2012.
“Para essa atuação, a polícia deve ter explicadas as causas do surto epidêmico em que o animal está relacionado e também as devidas orientações quanto ao procedimento do ato”, informou a assessoria.
“Nesses casos, a Polícia Militar, bem como o órgão sanitário, não precisa, necessariamente, da permissão do particular, por tratar-se de saúde pública”, concluiu ainda a PM, em nota.
A morte induzida de animais, segundo o CFMV
De acordo com o “Guia Brasileiro de Boas Práticas para a Eutanásia em animais”, do Conselho Federal de Medicina Veterinária, a arma de fogo pode ser utilizada para a morte de animais. Na lista dos métodos para indução à morte estão o uso de pistola de ar comprimido, deslocamento cervical, decapitação, eletrocussão (choque), maceração (esmagamento de massa encefálica) e exsanguinação (perda de sangue).
Segundo o CFMV, “o uso de armas só deve ser aplicado por pessoas altamente treinadas, devido ao risco inerente para o agente que realiza e para possíveis observadores”. O manual produzido discrimina ainda que, sempre que possível, “deve ser executado por agente da força policial ou pessoa qualificada para uso de arma de fogo”.
O texto que trata das recomendações enfatiza que “quando esse método é corretamente aplicado, garante morte imediata e ausência de sofrimento no animal”.
“O projétil deve ser desferido em direção à cabeça do animal para produzir lesão encefálica irreversível e morte, já que lesões no tórax ou abdômen podem não produzir morte imediata e, consequentemente, sofrimento e dor aos animais”.
A contenção dos animais também é discriminada aos profissionais. “Seu uso deve ser evitado em situações em que os animais não estejam adequadamente contidos, pois aumenta o risco de acidentes ou a necessidade de mais de um projétil”.
O manual diz ainda que a morte induzida deve ser comunicada ao proprietário do animal, que deve acompanhar todo o processo. Já o tutor do cavalo morto, no entanto, afirma que não recebeu comunicado oficial do Indea da programação da morte.
Fonte: G1