Cães tratados e com todos os cuidados necessários do tutor, definitivamente, não tornam-se reservatório para a transmissão da leishmaniose, ou calazar. O Brasil é o único país no mundo que a eutanásia é obrigatória no caso do animal ter o exame positivo para a doença. O alerta é feito pelo médico veterinário Ricardo Henz, da Clínica São Francisco, na Capital. Ele faz coro com número cada vez mais crescente de profissionais e pesquisadores que aprofundam os conhecimentos sobre a doença, especialmente nos cães, as principais vítimas no atual contexto. Muitos deles são sacrificados quando acometidos pela enfermidade.
Para transformar este contexto, foi criado em junho passado o Brasileish, uma associação científica que reúne médicos veterinários para o estudo da leishmaniose em animais. Nos próximos dias 29 e 30, a instituição promoverá no plenário da Câmara Municipal de Belo Horizonte (MG) o VIII Simpósio Internacional de leishmaniose visceral canina, com a participação de nomes expoentes no assunto no Brasil e na Europa.
Ricardo Henz pretende formar no Ceará um núcleo da Brasileish. Ele explica que duas perguntas são essenciais diante das zoonoses: é seguro tratar? O animal continua sendo um risco para o ambiente? No caso da leishmaniose visceral, a avaliação é a mesma tanto para cães como para seres humanos.
Cura clínica
Não existe a cura parasitológica, ou seja, a eliminação total do parasita da doença, a leishmânia, nos organismos. Mas existe a cura clínica, com o tratamento tanto nos cães como nos seres humanos. Nestes casos, elimina-se a doença ativa. O organismo pode até continuar com a leishmânia na corrente sanguínea, mas não é mais reservatório da doença, ao ponto do vetor, o mosquito flebótomo, se contaminar e levar o parasita para o ambiente.
Sem tratamento, tanto cães como pessoas são reservatórios da doença no ambiente. Ricardo Henz diz que pesquisas científicas demonstram ser seguro tratar o cão, assim como é feito nos seres humanos. O animal não continua sendo um risco para a sociedade. Palestra proferida pelo veterinário Leonardo Maciel de Andrade, com dados de 2009, aponta que cães infectados em Belo Horizonte, cerca de 80% foram positivos para a doença. Destes, 50% não se sabiam que estavam com a doença. 40% foram eutanasiados e 10% tratados, deixando de ser reservatórios no ambiente. Em relação aos seres humanos, estimou-se que mais de 50% da população estava infectada. Desta, apenas 10% manifestaram a doença, mas todos passaram a ser reservatórios da enfermidade no ambiente.
Leonardo Maciel também mostrou que a vacina Leishmune, descoberta em 1981 para outros fins pela dra. Clarisa Palatrik, e hoje comercializada pela Fort Dodge, apresenta uma eficácia de 98,7% até o segundo ano de aplicação. Depois deste período, o percentual cai para 97,2%. Totalizando, mostra uma eficácia de 92%. O cão fica positivo nos exames, mas não é portador e muito menos reservatório da doença, conforme o veterinário atestou. São apenas anti-corpos que deixam o animal positivo. Outra vacina, Leis-Tec, tem as mesmas eficácia da pioneira e com os mesmos percentuais de eficácia. A portaria interministerial 1429/2008, que proíbe o tratamento do cão infectado com medicamento de uso específico para tratar a Leishmaniose em humanos, inibiu muitos veterinários de continuarem fazendo o tratamento dos animais.
Em recente entrevista, o sócio-fundador da Basileish, André Luis da Fonseca, médico veterinário e advogado, também membro do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Mato Grosso do Sul e da Comissão de Meio Ambiente da OAB naquele Estado, disse que, na verdade, a portaria não proíbe o tratamento do animal. E, ao vetar o uso de medicamentos humanos específicos para a doença, denota uma falta de visão técnica clara dos responsáveis pela decisão.
“Na verdade, não existe remédio veterinário, remédio humano. O remédio existe para tratar uma doença. Age, por exemplo, sobre o DNA do parasita e não sobre o DNA do ser humano. Então não tem lógica querer proibir. A portaria veta, simplesmente, em termos do uso dos medicamentos tradicionais para uso no controle da Leishmaniose, que, na verdade, é um grande engano”, declarou.
Para Ricardo Henz, há muita desinformação sobre a doença. Ele defende que é seguro tratar o animal, assim como no ser humano. Como em qualquer tratamento, a decisão vai depender das condições em que o cão se apresenta. A vacina Leishmune serve como bloqueadora da transmissão do calazar e pode ser usada como uma das estratégias de controle para enfermidades causadas por protozoários e transmitidas por vetores. Há 28 anos, ele vinha tratando animais com calazar.
Após a portaria federal, decidiu suspender. Porém, quer ampliar no Estado o debate sobre a doença e contribuir para ações responsáveis, com respeito aos direitos tanto dos cães como dos seres humanos.
O Simpósio Internacional do Brasileish terá a participação dos pesquisadores Javier Encinas Aragon, Carlos Henrique Nery Costa, Nordman Wall B. Carvalho Filho, Maria Del Mar Ferrer Jordá, Fábio Nogueira, Paulo Tabanez, Luiz Eduardo Ristow, Vitor Márcio Ribeiro, entre outros.
Mais informações
Clínica Veterinária São Francisco, Av. Barão de Studart, 900
Aldeota – Fortaleza (CE)
Telefone: (85) 3261.2503
Fonte: Diário do Nordeste