No coração da Amazônia peruana, uma austríaca encontrou seu propósito ao transformar uma pequena área de floresta em lar para centenas de borboletas e animais resgatados. Fundado por Gudrun Sperrer, o Pilpintuwasi — “Casa das Borboletas” em quéchua — não é apenas um borboletário, mas um refúgio para espécies vítimas do tráfico e de maus-tratos. Há 20 anos, o espaço vem cuidando de jaguares, primatas e aves, enquanto luta para preservar o equilíbrio natural da região.
“Veja, uma está nascendo, com a asa ainda enrugada”, comenta Gudrun Sperrer, assistente social austríaca. O inseto da espécie “Greta oto”, conhecido como borboleta de “asa de vidro”, começa a sair de sua crisálida. A cena ocorre na “Casa das Borboletas” em quéchua, um espaço de 20 hectares próximo à vila de Padre Cocha, a cerca de 20 minutos de barco pelo rio Nanay. “É um momento difícil, porque ainda está inchada, precisa defecar para perder peso e poder voar”, ela explica.
Preservar e viver
Sperrer recorda que a ideia de fundar o local em um dos países com maior diversidade de borboletas (ao menos 3.700 espécies, 20% do total mundial) surgiu em 1985, após visitar o zoológico de Schonbrunn em Viena, onde nova atração era um borboletário. Em 1995, após retornar a Iquitos e deixar o cargo de professora de inglês na Universidade Nacional da Amazônia Peruana (UNAP), decidiu dedicar-se exclusivamente às borboletas.
“Pensei que seria bom criar um animal que eu não me apegasse tanto, pois o problema com mamíferos é que o vínculo é forte”, diz ela. No espaço cheio de pupas e larvas, onde trabalha junto a sua equipe para que as borboletas se reproduzam, a distância emocional parece questionável: Sperrer tem conhecimento detalhado sobre o desenvolvimento de cada espécie.
A borboleta azul “morpho”, por exemplo, leva seis meses para se desenvolver em suas fases, mas vive apenas dez dias. Já a asa de vidro enfrenta múltiplas ameaças, incluindo a humana, pois muitos veem as larvas e as matam, achando que são vermes.
Em 2002, Pilpintuwasi tornou-se oficialmente o criadouro “Casa das Borboletas”, após Sperrer enfrentar vários trâmites estatais. Desde então, o espaço passou a acolher também animais resgatados do tráfico e maus-tratos. Em 2000, chegou o primeiro primata, um huapo vermelho (Cacajao calvus), uma espécie vulnerável segundo a União Internacional para Conservação da Natureza (UICN). Hoje, Pilpintuwasi abriga quatro desses primatas, que circulam livremente entre os visitantes.
Longe da crueldade
O centro acolhe atualmente 93 animais resgatados, entre eles macacos, jaguares, antas e tucanos. De acordo com o Serviço Nacional Florestal e de Fauna Silvestre (Serfor), entre 2022 e 2024, mais de 8.300 animais silvestres foram resgatados, dos quais 3.105 foram encaminhados para centros de conservação como o Pilpintuwasi.
Entre os resgatados, alguns sofreram maus-tratos extremos. Prince, um jaguar que viveu 15 anos preso em uma pequena jaula de concreto e chegou ao centro fraco, teve as orelhas e a ponta dos caninos cortados. Hoje, já mais forte, Prince não pode ser reintroduzido em seu habitat, uma vez que perdeu habilidades essenciais para sobreviver na natureza.
O centro já reintroduziu 20 animais à natureza, entre eles preguiças, pequenos macacos e uma anaconda, sempre com autorização oficial. Durante a pandemia, o funcionamento do santuário enfrentou desafios, com falta de visitantes e recursos. Sperrer, que conheceu Jane Goodall pessoalmente, defende que cada espécie é importante, pois todas estão interconectadas.
Fonte: O Globo