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POLUIÇÃO

Confinamento de porcos em fazendas é responsável por mortes em massa de peixes

31 de outubro de 2021
Kaique Pettini | Redação ANDA
6 min. de leitura
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Foto: Ilustração | Pixabay

Poluição de centenas de fazendas de porcos pode ter tido um papel maior do que reconhecido publicamente no colapso de uma das maiores lagoas de água salgada da Europa, de acordo com uma nova investigação.

Residentes da região sudeste de Múrcia, na Espanha, soaram o alarme em agosto após encontrarem dezenas de peixes mortos nas margens da lagoa Mar Menor. Dentro de dias, o número de peixes mortos aumentou para mais de cinco toneladas de cadáveres podres sujando praias que já foram uma grande atração turística.

Imagens das águas turvas da lagoa e reclamações sobre seu mau cheiro dominaram a cobertura da imprensa ao redor da Espanha por dias, enquanto cientistas culpam décadas de enxurradas carregadas por nitrato por desencadear proliferação de algas, privando a água de oxigênio e sufocando os peixes embaixo d’água.

Uma investigação de quatro meses da Lighthouse Reports (“Relatórios do Farol”) e repórteres do elDiario.es e La Marea examinaram como fazendas intensivas suínas podem ter contribuído para um dos piores desastres naturais na Espanha em anos.

Esse verão, enquanto peixes mortos continuam a aparecer nas margens do Mar Menor, o governo regional baniu o uso de fertilizantes num raio de 1.5km da lagoa, insinuando que a culpa pela crise vem unicamente da expansão de campos agrícolas que fazem fronteira com a lagoa. O governo central foi mais direto, acusando oficiais locais de supervisão negligente se tratando de irrigação rural.

Mas nenhum deles mencionaram as fazendas suínas que se proliferaram na década passada dentro da bacia do Mar Menor.

Em 2019, um relatório pelo ministro do meio-ambiente da Espanha estimou que essas fazendas de porcos- que na época possuíam 800 mil animais- poderiam ser responsáveis por 17% do nitrogênio no aquífero do Mar Menor.

Fotografias feitas por drones e imagens de satélite da área coletadas em setembro por repórteres trabalhando na nova investigação, mostraram dejetos suínos sendo espalhados por poças de lama, sendo despejados em terrenos próximos ou sendo armazenados em grandes buracos no solo.

Os achados da investigação ecoam o relatório de 2019 pelo ministério do meio ambiente. Em visitas a 10% das poças de lama na bacia do Mar Menor, mais de 90% não cumpriram as regulações de que dejetos suínos devem ser armazenados em poças “impermeáveis”, o relatório percebeu.

“Grandes deficiências foram detectadas nas facilidades que armazenam dejetos pecuários… a impermeabilização é quase inexistente, permitindo que dejetos escapem diretamente para o solo, resultando na contaminação do aquífero”, ele adicionou.

“É óbvio que a fonte principal da poluição é a agricultura intensiva na bacia do Mar Menor, mas há aproximadamente 450 fazendas suínas na área de captação que ninguém está falando sobre,” disse María Giménez Casalduero, professora na Universidade de Múrcia e coordenadora regional do partido político Más País. “É como se estivéssemos dando anistia à indústria de porcos.”

Exportações crescentes de carne suína na Espanha

O número de porcos na região de Múrcia subiu para níveis recordes, espelhando o crescimento em fazendas e matadouros ao redor da Espanha. Mais de 56 milhões de porcos foram mortos ao redor da Espanha no último ano, 3 milhões a mais do que em 2019, e disparando a demanda por exportações, já que o país está preparada para ultrapassar a Alemanha como maior produtor suíno da União Europeia.

Quase metade da demanda do chouriço espanhol, tender de porco e banha vieram da China, que perdeu cerca de 40% de seus porcos devido à uma epidemia de peste suína africana.

O colapso do Mar Menor é um lembrete das consequências ambientais vindas de estrume carregados por nitrogênio e amônia às emissões de metano- sendo usado para abastecer uma indústria cuja renda ultrapassou 15 bilhões de euros (100 bilhões de reais), disse Giménez Casalduero.

“Mar Menor é um chamado para nos acordar”, ela disse. “Se você quiser fornecer a China com presunto, você o faz através da destruição do seu território, se tornando um lixão para dejetos do mercado internacional de carne de porco”.

Foto: Ilustração | Pixabay

É um custo que raramente é discutido em conversas sobre exportações, ela adicionou.

“Nós temos que decidir: até qual limite podemos usar nossos recursos naturais e impactar nosso meio ambiente para satisfazer os mercados internacionais? A região de Múrcia não pode se tornar o banheiro da Europa.”

O número de peixes mortos nas margens do Mar Menor foi o último capítulo de um colapso que vem se desenrolando há décadas. Em 2016, o florescimento de algas tornou as águas do Mar Menor numa densa sopa verde, já em 2019, milhares de peixes e crustáceos mortos preencheram as margens.

Enquanto estudos sobre os campos de agricultura intensiva que fazem fronteira com a lagoa aumentaram, grupos representando os fazendeiros argumentaram que eles estão em conformidade total com a legislação ambiental.

Há 45 km das margens da lagoa, o município de Fuente Álamo abriga ao menos 289 fazendas que produzem 80% da pecuária intensiva na bacia do Mar Menor. A bacia tem 1055 poças de lama preenchidas com dejetos que incluem fezes, urina e sangue, de acordo com dados do governo regional de 2018.

O governo regional refutou o ministério do meio ambiente no relatório de 2019, falando em e-mail, que “não corresponde à realidade da área”.

“As poças são naturalmente ‘impermeabilizadas’, um método que é reconhecido pela legislação nacional, atual e antecessora”, ele disse, adicionando que esse método de isolamento foi permitido quando o solo foi considerado a ter uma baixa permeabilidade, com pouco risco de contaminar o aquífero.

Desde 2019, o governo regional disse que realizou 40 inspeções, resultando em três casos que está considerando tomar uma atitude.

Oficiais da região, junto com municípios da bacia do Mar Menor, têm sido relutantes à repressão ao crescimento da indústria de suínos, disse Andrés Pedreño Cánovas, um professor de sociologia da Universidade de Múrcia.

“Fazendas de porcos cresceram sem nenhum controle, criando uma bolha conduzida pelo mercado internacional, especificamente por exportações à China”, ele disse. “Mas bolhas sempre estouram, e essa deixará para trás um território poluído e devastado em crise.”

A Interporc Espanha, uma empresa que representa o setor de “porcos brancos” – a raça que é amplamente usada em pecuária intensiva – disse que a indústria na Espanha está fazendo “grandes esforços” por anos para proteger o meio ambiente. “Na Espanha, mais de 90% dos dejetos suínos são re-usados para substituir fertilizantes, mas também pode ser tratado e transformado em energia elétrica”, ela afirmou.

O órgão comercial também abordou o relatório de 2019 do ministério do meio ambiente. “Se quaisquer deficiências forem encontradas, é óbvio que a fazenda deve corrigi-las e a administração deve assegurar que isso foi feito,” disse o órgão. “Mas afirmações não podem ser feitas sobre o setor inteiro devido ao fato que erros foram detectados em alguns casos.”

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