A 30ª Conferência das Partes, a COP30, reuniu pouco mais de 56 mil pessoas inscritas, o segundo maior número de participantes de sua história, e terminou um dia depois do previsto. Impasses nas negociações estenderam a conferência, que se iniciara em 10 de novembro, até o final da tarde do sábado, 22 de novembro. A despeito dos esforços da presidência brasileira à frente do processo de negociação entre os quase 200 países que assinam a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), o pacote de textos finais da COP30 não registrou avanços significativos nos grandes temas que pautaram boa parte das discussões.
Não houve progressos concretos no sentido de abandonar progressivamente os combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural), principal causa do aquecimento global, nem de elevar as metas de redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) assumidas pelos países. Um ganho, ao menos no papel, foi o chamamento para se fazer esforços para triplicar o valor destinado especificamente à adaptação climática dos países em desenvolvimento dos atuais US$ 40 bilhões anuais para US$ 120 bilhões em 2035. “Não demos todos os passos que queríamos, mas demos passos firmes” disse Ana Toni, diretora executiva da COP30, em entrevista coletiva, após o final da conferência.
Esse tipo de final, sem avanços estrondosos, é o padrão usual das COP, que só incluem decisões em seus documentos oficiais quando há consenso entre todos os seus signatários. Historicamente o maior emissor de GEE, os Estados Unidos não participaram da conferência por decisão do presidente Donald Trump, que anunciara em janeiro deste ano a saída do país do Acordo de Paris, o principal tratado climático no âmbito da UNFCCC.
Uma das expressões mais ouvidas nos corredores da conferência na capital paraense foi mapa do caminho, uma espécie de plano estratégico, de roteiro mais detalhado, sobre como enfrentar, com ações e prazos definidos, as questões mais prementes da crise climática. O mapa do caminho mais comentado foi o do abandono progressivo dos combustíveis fósseis, que emitem cerca de 70% dos GEE que aquecem o planeta, e sua substituição por formas de energia mais limpas, como a solar e a eólica. Também muito citado foi um mapa do caminho para a preservação das florestas.
Ambas as inciativas foram fortemente patrocinadas no início da COP30 pelo governo brasileiro, ganharam apoios (mais de 80 países deram aval às duas propostas), mas não prevaleceram devido a resistências de um grupo de países, em especial das nações cuja economia depende largamente da produção de petróleo. Nenhum dos dois mapas do caminho aparece nos textos finais da conferência, que nem mesmo cita os combustíveis fósseis.
Por conta própria, o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, comprometeu-se a tentar organizar os dois mapas do caminho, o da saída dos combustíveis fósseis e o da preservação das florestas, para levá-los à próxima conferência. A Turquia será a sede da COP31, mas a presidência e as negociações estarão a cargo da Austrália. Por uma iniciativa da Colômbia e dos Países Baixos, foi anunciada a criação de uma conferência, fora da Convenção do Clima das Nações Unidas, para discutir especificamente a questão do uso do carvão, petróleo e gás natural. O encontro, apoiado pelo Brasil, será na Colômbia, em abril de 2026.
Em linhas gerais, cientistas não se mostraram animados com os resultados da COP30. “A verdade é que não há como evitar um perigoso aumento da temperatura global sem acabarmos com a dependência de combustíveis fósseis até 2040, ou no mais tardar até 2045. Não cumprir isso empurrará o mundo para uma perigosa mudança climática dentro de 5 a 10 anos, causando extremos climáticos cada vez mais intensos que afetarão bilhões de pessoas. Apesar dos melhores esforços do Brasil e de muitos países que trabalharam para unir o mundo em torno de um roteiro para acabar com nossa dependência de combustíveis fósseis, forças contrárias bloquearam o acordo.”
O trecho faz parte de um comunicado distribuído à imprensa, após o fim da conferência, por um grupo de sete pesquisadores. Os signatários do documento foram o climatologista Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP); Johan Rockström, diretor do Instituto Potsdam para Pesquisa de Impacto Climático, na Alemanha; a matemática Thelma Krug, coordenadora da parte científica da COP30 e integrante do Conselho Superior da FAPESP; o físico Paulo Artaxo, do Instituto de Física da USP; a matemática Marina Hirota, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e do Instituto Serrapilheira; a climatologista anglo-gambiana Fatima Denton, da Universidade das Nações Unidas; e o físico britânico Piers Forster, da Universidade de Leeds, do Reino Unido.
Mesmo sem um mapa do caminho ratificado pela conferência deste ano, a questão da preservação das florestas tropicais, que têm grande capacidade de retirar carbono da atmosfera e contribuir para reduzir o aquecimento global, foi um dos temas dominantes do encontro. No final de setembro, o Brasil lançou a proposta de criar um fundo de investimentos destinado a financiar a preservação das florestas tropicais (TFFF), como a Amazônia e a Mata Atlântica na América do Sul e as densas formações vegetais do Congo e do Sudeste Asiático. O país se comprometeu a depositar cerca de US$ 1 bilhão no TFFF.
Durante a COP30, ao menos 61 países apoiaram a ideia do fundo e alguns, como Indonésia, Noruega, França, Alemanha, Portugal e Países Baixos, anunciaram aportes nesse mecanismo, totalizando US$ 6,5 bilhões de dólares. “Em poucos dias, o fundo conseguiu levantar bilhões, o que parece promissor”, comentou Artaxo, que esteve em Belém. A meta é conseguir US$ 25 bilhões nos próximos anos para o TFFF. Cerca de 20% do dinheiro captado pelo fundo deverá ser direcionado para populações indígenas e comunidades locais que moram nas florestas.
Embora não tenham assento nas mesas de negociação, algo reservado apenas para os representantes dos países signatários da UNFCCC, pesquisadores estiveram em vários debates e apresentações em diferentes pavilhões. Coordenado por Nobre e Rockström, o Pavilhão das Ciências Planetárias foi um ponto de encontro e troca de experiências e informações entre os pesquisadores.
Manifestações da sociedade civil ocorreram dentro e fora da COP30. Gritos contra os combustíveis fósseis, a favor da preservação das florestas, por mais dinheiro para financiamento climático foram ouvidos em Belém. Temas mais locais, como pedidos de demarcação de terras indígenas e proteção das áreas de quilombolas, também ecoaram pela capital paraense. “A participação da população nesta COP realmente é impressionante”, disse o economista Francisco de Assis Costa, do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (Naea-UFPA).
Na primeira semana da conferência, alguns participantes de uma passeata furaram o bloqueio e entraram no setor mais fechado da COP30. O incidente gerou estresse, mas foi um caso isolado. Outro momento de tensão foi um incêndio ocorrido em um setor da conferência em seu penúltimo dia. O incidente não feriu gravemente ninguém, mas levou à evacuação do local e paralisou os trabalhos naquele dia. Apesar do fogo, a COP30 seguiu em frente e chegou ao final.
Fonte: Revista Pesquisa FAPESP