Quase ninguém gostou da nova definição de família, uma definição normótica, que apenas agrada aos neuróticos que buscam a todo custo encaixar suas crenças, frágeis, que se sustentam no ar de suas ilusões. Mas parece que alguns dos mesmos que estão descontentes com isso também querem impor ordem em outras instâncias, ou seja, o autoritarismo apenas obedece escadas. Mudam as caras, mudam as fardas, ele nunca sai de cena. Vamos ao assunto, que é disso que eu gosto.
A definição de ser mãe, no conceito de algumas feministas, está bastante reduzido ao ato cesário, e isso é um preconceito terrível contra todas as mulheres. As mulheres se libertaram da necessidade imposta, até mesmo pelas próprias, de serem mães. Ainda hoje, quando andei por um estado de amamentação, para apoiar a iniciativa, ao afirmar que não teria filhos, as mulheres me olham com cara feia. Ainda há muito preconceito.
Esta crônica trata de quem que se intitula mãe de animais e é rechaçada por feministas preconceituosas, que acreditam que só vale o título de ‘mãe’ quem tem o parto. Os boatos-argumentos que se espalham como leis pelas redes sociais, bastante curtos intelectualmente, deixam de fora mulheres: as que adotam, as que não querem ter filhos mas têm instinto materno – como eu, os homens que adotam, as que possuem animais de estimação e se intitulam mães.
Ora, hoje nos damos o direito de nos chamarmos do que bem entendermos: homem, mulher, lésbica, seja lá o que for. Mas elas ainda querem sacralizar esse termo, um ato bastante infantil e carola. Porque sacralizar é coisa religiosa. Herdado lá do patriarcado que tanto querem se livrar. São feministas que têm preconceitos contra travestis, ou que jamais podem admitir dois homens adotando um bebê. Querem deixar claro que o nome ‘mãe’ pertence ao que chamam de ‘obstetrícia’, querem sacralizar o ventre, de modo a sectarizar, como os homens fizeram por todos os séculos.
Esses usos de jargões me irritam sobremaneira, porque sempre é essa coisa de querer separar as mulheres: “você não pode se dizer mãe porque _____” – preencha a lacuna com os termos ‘libertários’ que achar mais políticos e interessantes. As mulheres veganas, sem filhos, são discriminadas.
Por que essas feministas precisam avaliar o tempo todo as denominações e títulos que as mulheres se permitem? Sou naturalmente feminista, sou mulher, sou vegana por acreditar que, se não for, nada do que disse nessa frase anterior faz sentido. Portanto, cada mulher tem direito de se chamar mãe, se seu instinto materno aflorar, de um animal de estimação, cujo trabalho materno lhe custou, e amor surgiu. O significado de mãe tem a ver com materno, e vem deste instinto, nada mais do que isso.
Aliás, o instinto materno é algo pertencente a todas as mulheres, algo que as mães cujos filhos saíram de suas barrigas têm muita relutância em aceitar. Essa afirmação provoca raiva e até mesmo inveja, pois uma mulher livre, que decide não ter filhos, porém investe seu instinto materno em outras atividades, na sua carreira, animais, pessoas, caridade ou ativismo, logicamente provoca sentimentos de ameaça em pessoas mal resolvidas. Mas as mulheres todas nascem e podem desenvolver, sim, esse instinto latente biológico presente em todas nós. Agora é decisão de cada uma ter filhos ou não, ser maternal ou não. Não precisamos ser cobradas, cerceadas, policiadas.
O resto é jargão de quem não tem o que fazer, na prática, pelas mulheres reais.
Um dos ataques que as mulheres vêm sofrendo, de maneira especista, é ter que ouvir de ditas feministas que não é a mesma coisa ter um bebê e ter um cachorro. É o mesmo velho jogo falacioso: “você nunca teve um filho, por isso não pode saber”. Bom, amiga, nunca morri, por isso jamais poderei falar sobre a morte. Só que os melhores livros que li na minha vida falam sobre a morte e foram escritos por vivos. Essa estupidez gera discussões preconceituosas, pois há quem saiba como é difícil ter de abdicar de seu trabalho para cuidar de um animal de estimação – se realmente cuida, coisa que uma pessoa limitada em seus conceitos não pode conceber, literalmente e moralmente.
Lembrando sempre que, para veganas abolicionistas, ‘ter’ um animal significa ser tutor em benefício dele próprio, e não por carência afetiva. O mesmo deveria valer para as mães de bebês humanos, mas não é o que vemos por aí, não é mesmo?
Talvez seja por isso que feministas e por vezes outras mulheres se apeguem tanto a este termo. Será que não têm medo de que se descubra que, por trás do termo, não exista tanto instinto e tanto amor assim? Que não seja apenas uma definição, e apenas um compromisso? Será que ao ver outras mulheres, decididas a não terem filhos, felizes por sua própria escolha, a escolherem animais, ou ter filhos e animais e distribuir o amor de igual forma a todos, ou quem sabe ter preferência a mais por um, não lhes dão uma pontinha de inveja, perante sua condição? Ou um tantinho de arrependimento? Por isso essa histeria de importunar quem não está nem aí para essa palhaçada e chama seu gatinho de filho?
Não sei, mas porque incomoda tanto essa questão de nomenclatura?
Esse Clube de Luluzinhas que adora separar mulheres, as gordas das magras, as pseudo-esquerdas das outras, as lésbicas das comuns que simplesmente gostariam de se interessar pelo conhecimento feminino, apenas cumpre o papel do machismo institucionalizado, que até mesmo alguns homens já esqueceram de cumprir, na boa. E eu, que não estou nem aí para o Português, os nomes, não me chamo mãe, embora tenha gatos, tenha instinto materno, não quero ter filhos e nem chamo meus gatos de filhos pois cada um tem seu nome e não pertenço a eles, e eles não pertencem a mim, mas prefiro ser solidária com mulheres que querem se chamar ‘mãe de animais’, não vejo problema em ser mãe pois esse ato é universal e livre, assim como ser família.
Ou não ser. Também é uma opção.