Para atender aos desejos mais bizarros dos humanos, cães sofrem com doenças e anomalias ocasionadas por alterações genéticas
Uma tradicional competição de cães de raça e com pedigree, a “Friends for Life at Crufts” (Amigos para a Vida da Crufts), que acontece de 5 a 8 de março no Reino Unido, exibe animais de diferentes formas físicas, tamanhos e pelagens que, ao receberem os mais sofisticados tratamentos estéticos encantam as pessoas com sua beleza exuberante. O problema é que, por detrás dessas “obras de arte vivas”, existe uma ciência obscura que cria admiradas raças de cães sem levar em conta o sofrimento desses animais com defeitos e doenças advindas de alterações genéticas.
O evento foi descrito como “As artes das trevas” por Rosanna McLaughlin, autora de estudos relacionados a experimentações científicas. Em seu artigo no portal The Guardian, ela alerta para as anomalias aos quais os animais são submetidos para produzir uma “beleza tão admirada”:
“Cada animal na competição é um descendente direto de um lobo. Estamos mexendo na anatomia canina há mais de 15 mil anos. Os olhos foram desviados para a frente dos crânios em uma imitação assustadora do rosto humano. Focinhos foram removidos e o casaco felpudo do lobo transformado em uma variedade pelos bufantes. Não é apenas no corpo que estamos mexendo, mas na mente também. Ao longo de milênios, descartamos animais com personalidades indesejáveis e criamos seletivamente aqueles que mostram dependência, devoção e flexibilidade, garantindo efetivamente que o cão doméstico de hoje exista em um estado permanente de filhote”.
Ela ressalta ainda que: “A competição revela nosso relacionamento muito estranho com os cães que criamos das raças mais bizarras. Algumas pessoas consideram a arte a melhor maneira de julgar o estado de uma civilização. Aposto que os cães são um diagnóstico mais preciso. Eles têm sido há muito tempo um ponto de partida para a psique humana, um lugar onde nossas políticas, pretensões e perversidades se acumulam e crescem. E o que eles nos dizem é absolutamente macabro”.
A competição do Reino Unido é uma criação do Kennel Club, uma organização estabelecida na Inglaterra vitoriana: “Os ricos entusiastas começaram a dividir cães em tipos, criando linhagens de elite e geralmente produzindo uma imitação canina e distorcida das classes altas britânicas. Em 1883, 10 anos após a fundação do Kennel Club, Francis Galton surgiu com a teoria da eugenia sugerindo que os humanos podem ser criados de maneira seletiva – isso inspirou a criação de cães”, conta a pesquisadora.
Problemas sérios de saúde
Segundo Rosanna, a pior coisa sobre cães com pedigree, e a mais prejudicial para seus tutores, é o fato de que sua forma física bizarra costuma andar de mãos dadas com terríveis problemas de saúde: “Há cães que sofrem de uma série de condições neurológicas, incluindo paralisia, como resultado de ser criado com um crânio pequeno demais para caber em seu cérebro”.
“Cães criados com faces planas e vias aéreas contraídas podem sofrer com distúrbios respiratórios pelo resto da vida. Eles também são particularmente propensos a infecções de pele, displasia da anca e surdez. O buldogue francês, que nos últimos anos se tornou um dos cães mais populares do Reino Unido, é um exemplo de feio e, ao mesmo tempo, fofo. Um animal doméstico cuja aparência infeliz inspira uma forma de amor enraizada na piedade”, diz.
Rosanna acrescenta que o Kennel Club alega que esses problemas de saúde são efeito colateral causado por criadores irresponsáveis: “Peço desculpa, mas não concordo. Somente os humanos são responsáveis pelo estado atual do animal que antes era conhecido como lobo. Já é hora de perguntarmos o que nossos relacionamentos com nossos companheiros caninos revelam sobre nossos desejos e necessidades – e até que ponto estamos dispostos a ir em nome do amor”. Leia o artigo completo AQUI