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A Compaixão

23 de outubro de 2014
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Em sua Retórica, Aristóteles nos dirá que a compaixão é uma forma de aflição provocada por um mal que fere outro indivíduo que não merece ser ferido. Sentimo-nos compadecidos, diz o filósofo, porque imaginamos que o mesmo pode acontecer conosco ou com alguém próximo a nós. Estaríamos aqui diante da empatia.
Aqueles que pensam gozar de uma excessiva felicidade, são propensos ao descomedimento, por terem todos os bens a sua disposição, acreditam não serem suscetíveis de sofrerem mal algum. Não pensam que o estado de vulnerabilidade a todo tipo de dano é inerente a todos os indivíduos, humanos e não-humanos. Do outro lado, temos os indiferentes com o sofrimento alheio por terem sofrido um mal tão intenso que não se comovem mais, são incapazes de se compadecer.
Segundo Aristóteles, para sentir compaixão é preciso encontrar-se num estado intermediário. Logo, dentro se sua proposta da busca do justo meio, seria algo como, nem dominado por uma paixão audaciosa ou por um espirito insolente, que impede de ver que pode a qualquer momento sofrer um dano; nem ser dominado por um temor excessivo, apavorado, vivendo mergulhado por inteiro no próprio sofrimento. O pensador ressalta a importância de recordarmos que, a nós e aos outros, acontecem semelhantes desgraças.
Muitas são as causas da compaixão, dentre elas, podemos citar:
a) Os diversos tipos de morte: compadecemo-nos ao saber e ver cenas de animais mortos após serem abandonados; mortos pelo transporte do seu habitat natural para algum cativeiro público ou particular; mortos após intensa tortura psicofísica, etc.;
b) Maus-tratos e ferimentos: compadecemo-nos ao ver animais sendo espancados, torturados, feridos com os mais diversos tipos de objetos, queimados, esquartejados vivos, etc.;
c) Doenças e falta de alimentação: compadecemo-nos ao ver cenas de métodos experimentais que inoculam doenças em animais humanos e não-humanos para aquisição de uma suposta cura de males humanos; ao ver animais doentes por negligência humana; sofrendo e extremamente debilitados por serem privados de alimento e bebida.
d) Carência de amigos e familiares: compadecemo-nos ao ver cenas de animais gregários sendo sequestrados, sendo tirados do convívio com seus amigos e parentes no seu habitat, para viverem o resto de uma miserável e degradante vida numa jaula ou aquário para satisfazer um frio e insano prazer humano (para Aristóteles, o ser arrancado de seus amigos e familiares constitui uma situação lastimável e é um dos males que gera a compaixão).
Podemos acrescentar aqui o dano/sofrimento que chega quando se espera um bem, sobretudo quando esse dano/sofrimento se repete muitas e muitas vezes. Outra situação que gera em nós compaixão é vermos o outro obtendo uma vantagem somente depois de ter sofrido demasiado dano. Para ilustrar esse exemplo, Aristóteles conta o caso dos presentes enviados pelo Grande Rei, a Diopites, no entanto esse último já estava morto quando da chegada dos presentes. Na causa animal, situação semelhante ocorre constantemente. Quando um grupo de ativistas prepara um resgate, mas chegar o momento efetivo do resgate, ou seja, da libertação daquele animal de uma situação de opressão, o mesmo já se encontra morto. Quantos resgatados nas ruas, extremamente debilitados, falecem ao chegar no consultório veterinário. O não conseguir desfrutar de um bem que estava próximo, gera compaixão.
Uma outra causa da compaixão é ver os animais não-humanos não desfrutando de bem algum ou não podendo gozar dos bens que possuem naturalmente. Essa é justamente a função do especismo, impedir que os animais não-humanos desfrutem do bem próprio de sua espécie. A principal causa da compaixão como uma excelência, é o sentimento de injustiça. Compadeço-me porque não é justo todo esse mal feito cotidianamente como algo natural. Dor é dor independente da espécie. Simples assim.
Com Aristóteles vemos que a compaixão vem da semelhança, da igualdade. Nos vemos no sofrimento do outro. Com kant, séculos depois, aprendemos que devemos desenvolver a capacidade de sentir compaixão. Isso faz dela uma virtude, pois se torna um esforço, um poder e uma excelência. Hoje sabemos que essa virtude teve grandes opositores, como os Estoicos, Spinoza, Nietzsche e Arendt; mas teve grandes defensores, dentre eles, Schopenhauer.
Schopenhauer via a compaixão como o motor por excelência da moralidade e a gênese – insuperável e não suscetível de ser abatida – de seu valor. A compaixão como virtude é antagônica à crueldade (que é vista como o mal maior) e ao egoísmo (como algo que está na origem de todos os males). O compadecer com todo o individuo que sofre, seja humanos ou não-humanos, faz da compaixão uma das mais universais de nossas virtudes.
É nossa condição de senciente, de sofrer e saber que sofre, que só aumenta a angustia, o pavor, o desespero; que nos iguala aos outros animais. Somos semelhantes como seres dorentes e sofrentes, por isso, aquele que compadece se vê no sofrimento do outro. A compaixão só tem sentido, ou melhor, só se realiza numa relação de igualdade entre aquele que sofre e aquele que compartilha do mesmo sentimento. Só nos compadecemos por aquele que respeitamos.
Nessa altura poderíamos indagar, é possível ensinar a ser compassivo? Sim. Tanto quanto é possível ensinar a ser frio e a banalizar a dor e o sofrimento que o outro está sentindo. É possível ensinar que dor é dor, independente da espécie que a sente.
As artes, que em toda sua historia sempre nos educou, pode ajudar no processo de despertar essa virtude. Na poética, ao dissertar sobre que fins os poetas devem ter em vista ao organizarem suas fábulas e que meios deveriam utilizar para que a tragédia surta efeito máximo, que é excitar o temor e a compaixão, Aristóteles nos diz que a compaixão nasce do vermos o outro sofrendo injustamente infortúnios. Podemos ler na obra:
“O temor e a compaixão podem nascer do espetáculo cênico, mas podem igualmente derivar do arranjo dos fatos, o que é preferível e mostra maior habilidade no poeta”.
Mais adiante o pensador assevera:
“Como o poeta deve proporcionarmos o prazer de sentir compaixão ou temor por meio de sua imitação, é evidente que estas emoções devem ser suscitadas nos ânimos pelos fatos”.
Na prática educativa vegana, é comum o uso de filmes e documentários, dentre eles, o mais famoso é o Terráqueos. Mais fiel aos fatos impossível. Mais realista na exibição do sofrimento animal impossível. Por mais que Aristóteles destaque que é o sofrimento do mais próximo que nos leva comumente a compaixão, o resultado da exibição do documentário Terráqueos é uma demonstração clara – não em 100% das vezes – que as distancias geográfica e biológica podem, se não somos especistas, praticamente desaparecer. Sentimos compaixão e angustia ao ver as torturas de outras espécies no outro lado do planeta.
Seja por uma peça teatral que imita o sofrimento animal, seja vendo o literal sofrimento num documentário, é importante enriquecer esse processo educativo com a consciência da senciência, ela contribui na formação de seres mais compassivos e empáticos.
Ser virtuoso é praticar cotidianamente pensamentos e ações virtuosas. Para tal, precisamos aprender com alguém, precisamos nos espelhar em alguém. E em geral os educadores são vistos como modelos, como exemplos; logo, que os educadores veganos sejam exemplos de indivíduos guiados pelo princípio da não-violência. Que a não-violência seja o telos a ser alcançado com uma vida dedicada ao exercício da prudência, da coragem, da temperança, da compaixão, sem os quais, não se faz justiça.
Assim como todas as outras virtudes, a compaixão como justo meio, o compadecer com as injustiças impostas aos animais humanos e não-humanos, deve ser algo a ser buscado. É algo que pode ser ensinado assim como aprendido. É uma virtude não só enriquecedora de nossa humanidade, mas muito além, é uma excelência da animalidade.
Referência
 
ARISTÓTELES. Retórica das paixões. São Paulo: Martins Fontes, 2000. (edição bilíngue: grego-português).
_____________. Arte Retórica e Arte Poética. São Paulo: Difel, 1964.
_____________. Poética. São Paulo: Abril Cultural, 1977 (Os pensadores).

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