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Como se sente um cão de rinha e um boi de fazenda de corte

19 de janeiro de 2011
6 min. de leitura
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1) Gladiadores

Lutava contra todos e contra tudo. Apenas para obter como resultado a constante e alucinante dor de sentir sua carne sendo perfurada sem qualquer piedade. Incapaz de controlar os próprios movimentos, permitia que o corpo agisse involuntariamente, quase como uma forma indomável em uma tentativa fútil para se livrar daquela frustração e agonia. Estava morrendo humilhantemente, como um fracassado gladiador na arena diante do público. Era apenas uma peça. Um elementotemporário de diversão para aquelas pessoas.

Rapidamente os músculos enfraqueciam frente à grande perda de sangue. O que poderia fazer? De que forma deveria impedir aquele líquido viscoso e completamente vital para que não fosse mais jorrado para fora de si? Sabia a resposta. Haviam lhe ensinado a reagir. Desta forma, contra-atacou como um guerreiro em campo de batalha, movido por uma sede insaciável de vitória. Quantas vezes haviam sido ensinadas a ele sobre combates? Quem poderia avaliá-lo, como o ser-vivo sofredor, camuflado na pele daquele valente soldado? Quem seria capaz de entender sua angústia, sem a necessidade de se sentir intimidado?

Temeroso pelas respostas, imaginava se algum dia ainda seria capaz de ser salvo.   Jamais aprendera o significado de “sociedade”, “convívio”, “amor”. O animal de rinha apenas aprendeu a guerrear. Matarem ou serem mortos, comoos antigos gladiadores em arena. Armados com a agressividade, força e dentes, estas vítimas são vistas como assassinos. O público presente não aceita empates, apenas vencedores ou perdedores, mesmo que os dois lutadores percam a vida.

Feridas de batalha se formam nitidamente até que um dos cães-gladiadores alcance a exaustão ou morte. Diante disto, o mais forte dos guerreiros observa seuoponente agonizando humilhantemente sobre as poças ensangüentadas no chão. Após o último suspiro do perdedor, o gladiador vencedor permite-se sentir todas as exaustões mentais e físicas da própria vitória, muitas vezes caindo contra o chão e na esperança em vão de que seu treinador o cumprimente, o elogie.

Sem a possibilidade de se colocar em pé, deixa-se abater, lamentando com um último suspiro agonizado antes que o extremo cansaço o derrotasse. Lentamente, a vista embaça e hesitante, apenas pode ouvir brevemente seu treinador  humano, sendo corrompido ainda mais pela ganância da premiação, resultado daquele combate. Até que por fim, os olhos se tornam pesados, permitindo que o descanso eterno envolva o corpo do forte e abatido do guerreiro.

2)A Porteira

A morte é algo inevitável na existência de todo ser vivo. Mesmo que tudo não esteja a favor da vitória, é possível tentar lutar contra em algumas situações. Cada segundo se torna importante. Poucos minutos parecem longas e eternas horas. E a partir de então, passamos a valorizar o tempo percorrido nesta jornada que chamamos de vida.

Após uma breve e frenética correria, os pesados corpos dos bovinos amontoavam-se uns contra os outros. Os músculos paralisavam diante do medo, enquanto que ao mesmo instante, o forte odor de sangue fresco penetrava sem permissão pelas narinas. A terrível fragrância apenas os deixava mais estressados e aterrorizados. Tudo indicava que uma chacina aparentemente estava ocorrendo bem próximo deles. Algo além daquela porteira.

Sem muito espaço para correr e tentar fugir, afastavam-se da temida porta e juntavam-se em pequenos grupos. O barulho alto das máquinas do abatedouro e o intenso odor de morte eram muito mais insuportáveis para quem ficasse próximo da entrada proibida. De alguma maneira sabiam que precisavam manter distância dali. Uma vez que se atravessasse o caminho daquela porteira, nunca mais voltaria.

Inseguros, o rebanho assistia a porteira se abrir. Em um rápido ato de desespero, disparavam na direção oposta.  Frente à correria e confusão, alguns eram derrubados, pisoteados, feridos ou até mesmo mortos. Como se não bastasse, a tentativa de fuga ainda fora em vão. Estranhas e menores criaturas conhecidas como humanos, cutucavam os robustos bovinos com longos bastões, forçando-os a cruzar a porteira proibida. Os animais gemiam de medo. Relutavam em seguir em frente. Corriam para longe quando e como podiam. Mas no final, aqueles animais que estavam mais perto da temível entrada acabavam cedendo contra a vontade.

A porteira logo se fechava atrás do último gado que atravessou a passagem. Além da passagem, existia um longo e muito estreito corredor, que terminava comoutra porta, fechada e igual à primeira. O cheiro de sangue e morte era extremamente forte. O constante e alto barulho, ainda temido, quase deixava os animais surdos. Tudo estavam muito além do que podiam suportar. Como se não fosse o suficiente, ainda estavam sendo obrigados a ficarem em uma fila indiana, dentro daquele apertado corredor. Os largos e robustos corpos mal podiam se movimentar. Não podiam fugir. Nem se mover. Incapazes de lutar contra o estresse, o pavor da situação começava a dominá-los.

O contido terror era nítido. O temido perfume de sangue somente poderia significar a existência de algum monstro insaciável e devorador de vidas. E a única coisa que os bovinos podiam fazer era permitir que os sentidos os guiassem e dessem informações sobre o que acontecia após a segunda porteira.

Quanto menor à distância com o final do corredor, mais insuportável o som e o cheiro se tornavam. Um a um desaparecia assim que atravessavam a temida porta. E a única opção para o próximo a ser o primeiro da fila era esperar inquietamente naquele apertado caminho, somente para atravessar a temida passagem.

Os batimentos cardíacos aumentavam de forma descontrolada enquanto os olhos alargavam-se diante de quaisquer movimentos ao redor daquele corredor. O barulho alto, o odor intenso, os humanos se movendo próximos à fila de corpos bovinos. Tudo se tornava razão para um pavor insano. Mas nada era mais temido do que a porteira quando se abria.

Hesitante e estressado, a próxima vítima avançou adiante da segunda porta já aberta. Tentou recuar, mas a fila atrás de si o impedia de fugir. De qualquer um fugir. Assim como os demais, estava apavorado. Todos reconheciam que a morte os aguardava. Mais uma vez um dos humanos o tocou com o objeto, fazendo o animal andar para além da segunda porteira. O bovino localizava-se acuado em uma pequena área sem saída. O gado tentou descobrir o que estava acima dele. E a última coisa que ouviu foi o conhecido e terrível som alto das máquinas surgindo, segundos antes de sentir algo lhe golpeando a cabeça. Atordoado, não fora capaz de se manter em pé, rapidamente caindo com força contra o chão.

Em pouco tempo, uma sensação invadiu o pesado corpo daquele animal. Algo estava preso em sua perna. Parecia estar sendo completamente levantado do piso. Ainda um tanto tonto, tentou se movimentar como poderia, no entanto, a única coisa que sentiu fora uma afiada lâmina perfurando e rasgando profundamente a garganta. O sangue de seu corpo jorrava violentamente contra o solo durante minutos. Enfraquecido pelo golpe,  o bovino respirava com dificuldade até a morte chegar. Brutalmente abatido, finalmente pudera descansar em paz, mesmo que estivesse diante do próprio sangue e de seus semelhantes.

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