O dia 27 de maio é reservado para homenagear um dos principais biomas brasileiros: a Mata Atlântica. A data, inicialmente motivo de festa e orgulho, hoje atua como um lembrete à reflexão social, já que a potência, responsável por concentrar quase 2 mil espécies diferentes de animais e plantas, é a mais ameaçada do país, segundo dados do IBGE.
Não é difícil listar os motivos para que este cenário exista, sendo um dos principais a caça e, consequentemente, o tráfico de animais silvestres. Estima-se uma movimentação de 10 a 20 bilhões de dólares por ano em todo o globo em razão deste mercado – sendo 10% dos animais (cerca de 38 milhões) provenientes da floresta brasileira.
Jorge Salomão, médico-veterinário do Instituto Raquel Machado, conhecido por acolher e cuidar de silvestres vítimas do tráfico e maus-tratos, enxerga o problema como algo maior do que parece à primeira vista, pois a retirada de um animal de seu habitat provoca danos em todo o sistema.
“A fauna e a flora estão totalmente ligados, um necessita do outro para sobreviver. Nós temos uma variedade enorme de espécies responsáveis pela dispersão e carregamento de sementes, função expressiva na continuidade do bioma. Este é o caso de tucanos e araras, aves visadas pelo mercado e, por consequência, sofrem com a diminuição populacional ao longo dos anos”, relata.
Na Mata Atlântica, as principais vítimas são papagaios, jabutis, passarinhos que cantam, periquitos, maritacas, macacos saguis e araras. “Eles seriam naturalmente encontrados a partir do Estado do Rio de Janeiro, mas não é difícil esbarrar com tutores de algumas dessas espécies em São Paulo, por exemplo, onde eles não viveriam em vida livre. Esta naturalidade é capaz de evidenciar como o tráfico é intenso na área”, alerta o biólogo Ronaldo Moraes, do BioParque Macuco, Mantenedouro de Fauna Silveste da capital paulista.
Os impactos da retirada dos animais sem controle e adaptação correta não interferem apenas na natureza. Apesar de parecer uma questão distante da realidade, estes problemas estão mais perto do que se imagina.
“Grande parte dos animais silvestres podem gerar patógenos virais, bacterianos ou fúngicos. Fora isso, para conseguir atingir seu objetivo, caçadores utilizam de técnicas cruéis. Por conta da violência, estimamos a perda de 9 a cada 10 animal capturados. O prejuízo é enorme”, afirma Jorge.
Os 10% de animais sobreviventes capturados ainda sofrem com os traumas de serem afastados de suas mães quando filhotes e com possíveis sequelas deixadas pelo uso de armas.
“Eles ficam em locais pequenos e apertados, sem alimentação, são imobilizados de forma errônea e diversos ainda são multilados. Não é incomum recebermos animais com garras, dentes e chifres arrancados à força. No Instituto, já chegaram araras com olhos queimados e papagaios com bicos cortados. Estes artifícios são usados para deixá-los mais mansos”, completa Jorge.
No Brasil, retirar um animal da natureza configura crime ambiental. O artigo 29 da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 define como proibido “matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente”.
Porém, infelizmente, as leis ainda são brandas e pouco punitivas. “O tráfico de animais tem se tornado uma indústria global maciça, atraindo grupos de criminosos movidos especialmente pelos baixos riscos, altos lucros e fracas punições. A pena é a detenção de seis meses a um ano, mais uma multa. O criminoso, geralmente, paga uma fiança e sai ileso. É um absurdo”, opina Daniela Gianni, coordenadora de projetos e atividades do projeto do Instituto NEX.
Muitos dos criadouros legalizados funcionam como centros de reabilitação para as vítimas sobreviventes da violência. A ideia é tratá-los para voltarem para a natureza, porém, com as sequelas, esta tarefa se torna quase impossível.
“O trâmite natural, segundo a legislação, começa pela triagem de animais selvagens. Ali iniciam os processos de destinação. Os mortos são catalogados, os vivos, em estados preocupantes, vão para a recuperação médica e, aqueles que podem ser reintegrados à natureza, são enviados para os centros temporários”, conta Ronaldo.
Infelizmente, muitos dos animais não conseguem nem ao menos acessar estes centros. “Somos um instituto especializado em onça-pintada, mas não temos nenhum indíviduo da Mata Atlântica. Isso porque a devastação da região quase exterminou a população da espécie. Hoje, só existem de 230 a 300 onças nativas confinadas em 20 fragmentos florestais para proteção”, lamenta Daniela.
Fonte: Revista Casa e Jardim