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MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Como o efeito do CO₂ nas plantas afeta o aquecimento global?

Pesquisadores correm para entender comportamento da vegetação brasileira frente às mudanças ambientais, que afetará futuro da segurança alimentar e da prevenção de desastres naturais no mundo

20 de setembro de 2023
Ivan Conterno
11 min. de leitura
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Foto: Ilustração | Freepik

Nos últimos 270 anos, a humanidade liberou 1,5 trilhão de toneladas de gás carbônico (CO₂) na atmosfera, de acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). O gás funciona como um cobertor que segura o calor do planeta. A aceleração do aquecimento global causa enormes desastres ambientais, pois altera o movimento das correntes de vento, das correntes oceânicas e os padrões de chuva.

Ao capturar carbono, as plantas têm papel fundamental na redução destes danos. Ao mesmo tempo, elas também são afetadas por mudanças na quantidade de CO₂ atmosférico. Jogando luz sobre essa questão, pesquisadores da USP e da Unifesp reuniram em uma análise estatística os dados de experimentos de mais de 2 mil trabalhos, incluindo teses, de universidades brasileiras. Os resultados vão ajudar a construir modelos mais precisos para prever a resposta de plantações e florestas aos futuros níveis de CO₂.

A análise realizada no Instituto de Biociências (IB) da USP foi publicada no artigo Meta-analysis of the responses of Brazilian trees and herbs to elevated CO₂, na revista Scientific Reports. Essa informação será essencial para futuros relatórios ambientais, uma vez que a América do Sul possui cerca de 43% de todas as espécies de árvores da Terra.

Segurança alimentar

Uma das grandes preocupações mundiais é a qualidade dos produtos agrícolas brasileiros. Como o Brasil é um dos maiores exportadores mundiais de alimentos, o aumento na concentração de CO₂, que altera a fotossíntese das plantas, poderá afetar diretamente a segurança alimentar mundial.

Pesquisadores do Laboratório de Fisiologia Ecológica de Plantas (Lafieco) já observaram que, sob altas concentrações de CO₂, as plantas cultivadas tendem a produzir menos proteínas e lipídeos e mais açúcares, alterando a qualidade de produtos como a soja, o sorgo e a cana-de-açúcar.

A curto prazo, isso pode trazer benefícios, como a melhora na qualidade do óleo de soja para a produção de biodiesel e o aumento da produção de açúcar da cana. No entanto, a previsão é que os efeitos serão benéficos para a vegetação como um todo apenas até a metade do século. O grupo do Lafieco verificou que, com o aumento de temperatura nos trópicos acima de 24,5 graus Celsius, as plantas das regiões tropicais já estão perdendo longevidade. Nessa etapa, as respostas ao CO₂ elevado tendem a acelerar os efeitos negativos das altas temperaturas.

Estocando carbono

As plantas utilizam o dióxido de carbono para formar carboidratos, como açúcares solúveis, amido e as fibras que são chamadas de paredes celulares (celulose).

A parede celular é a forma mais eficiente nas plantas de armazenar o carbono por um longo período de tempo, removendo-o da atmosfera.

O amido é um carboidrato de reserva transitório, que é estocado em folhas e troncos na limitação da planta em crescer. Ele é usado posteriormente quando a planta precisa de energia. Diante da elevação do CO₂, muitas dessas plantas estocam grandes quantidades de amido.

Nos seres humanos e em outros animais, esse estoque é feito com glicogênio e gordura, como explica ao Jornal da USP Adriana Grandis, pesquisadora envolvida no projeto. “Se gastamos menos e comemos mais, nós engordamos. Da mesma forma, quando a planta não está crescendo ou não tem nutrientes e água suficientes para crescer, ela guarda carbono em amido para quando puder usar para crescer ou para outros processos do metabolismo.”

Os dados mostram que as árvores jovens capturam o dobro de CO₂ se comparadas às mais velhas. Sendo assim, estima-se que o reflorestamento pode aumentar o estoque de carbono total das florestas maduras em aproximadamente 10%.

Entretanto, a viabilidade dessa estratégia é uma corrida contra o tempo, pois a vegetação tropical pode diminuir drasticamente diante das mudanças climáticas previstas para até o final deste século. “Eventos extremos com períodos de muita chuva ou de muita seca em grandes períodos podem dizimar muitas árvores”, conta Adriana.

Diferenças entre árvores e plantas herbáceas

Em geral, a alta concentração de CO₂ aumenta as taxas de fotossíntese, o processo de captura do carbono disperso no ar. Há, porém, uma variação significativa entre as respostas das árvores e das herbáceas (ervas, gramíneas e outras plantas sem tronco lenhoso, como o tomate, o milho, a cana-de-açúcar e a soja).

Por terem ciclos de vida extremamente curtos, o crescimento das herbáceas é mais rápido do que o das árvores. Essas plantas priorizam a reprodução em curto espaço de tempo, usando o CO₂ extra para guardar mais amido nas sementes.

Em altas concentrações de gás carbônico, os estômatos (poros responsáveis pelas trocas gasosas) das herbáceas se fecham, reduzindo também a transpiração. Consequentemente, elas precisam de menos água para crescer. A otimização no uso de água é, em média, de 117%. Segundo Marcos Buckeridge, professor do IB e orientador da análise, é possível observar um ajuste estrutural. “Conforme o CO₂ vai aumentando, a folha desenvolve menos estômatos.”

Já as árvores, que têm uma expectativa de vida mais longa do que as herbáceas, podem usar o CO₂ adicional para armazenar mais recursos em seus troncos.

A madeira de árvores jovens tem capacidade maior de estoque, segundo Janaina Fortirer. “Nas árvores, há um aumento médio de 230% na biomassa. Elas fazem uma assimilação 40% maior do que na concentração de CO₂ no ambiente atual.”

Isso não significa que a vegetação vá crescer na mesma proporção que o aumento de CO₂ na atmosfera, pois há outros limitadores, como a disponibilidade de nutrientes no solo, a água e a competição entre as próprias plantas por recursos. No entanto, o trabalho é o primeiro passo para investigar como essa dinâmica se manifesta nas florestas.

Algumas dessas adequações às mudanças atmosféricas já são percebidos nas plantas atualmente. “Podemos dizer que as plantas podem se aclimatar a essa condição”, conta Janaina ao Jornal da USP.

O Brasil é o terceiro maior produtor de alimentos do planeta, de acordo com a Embrapa, e possui 12% da área florestal do mundo, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês).

Experimentos em estufas

Todos os experimentos recolhidos foram feitos em estufas com altas concentrações de CO₂, conhecidas como câmaras de topo aberto (OTCs, do inglês open-top chambers). Buckeridge conta ao Jornal da USP que começou a construir câmaras de topo aberto em 1999 no Instituto de Botânica da Secretaria de Estado do Meio Ambiente. Em 2005, com sua transferência para a USP, renovou o desenho e instalou o Lafieco no Departamento de Botânica.

“Considerando que o Brasil tem a maior floresta tropical do mundo, a Amazônia, e vários biomas importantes tropicais e subtropicais, não tínhamos praticamente nada feito sobre o que acontece com a fisiologia das plantas com a elevação do gás carbônico. Então nós começamos a trabalhar com isso e fomos convencendo colegas em outras universidades brasileiras a usar câmaras com o mesmo desenho.”

Os primeiros estudos com plantas de batata em OTCs ocorreram na Universidade Federal de Viçosa, por Carlos Alberto Martinez y Huaman, hoje professor da  Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP. Em 1998, Huaman e Buckeridge uniram esforços e foi realizado o primeiro experimento em câmaras com árvores jovens de jatobá, ainda em Viçosa.

Embora as universidades brasileiras já produzam experimentos desse tipo desde 1998, os dados estavam predominantemente em documentos de difícil acesso. Isso porque alguns trabalhos não estavam publicados como artigo, outros estavam em língua portuguesa, como explica Janaina da Silva Fortirer, primeira autora do trabalho. “O IPCC tem poucos dados sobre regiões tropicais. Com esse trabalho, a organização agora poderá alimentar melhor os modelos matemáticos que fazem projeções sobre como poderá ser o comportamento de plantações ou de florestas.”

Ambientes não controlados

Para estudar as árvores no ambiente natural, um grande enriquecimento de carbono precisa ser testado diretamente na floresta. Para isso, os pesquisadores do Brasil utilizam o mesmo desenho de OTCs desenvolvido no Lafieco para avaliar as respostas ao alto CO₂ diretamente em plantas da floresta amazônica em um programa chamado AmazonFace.

Uma questão importante para as pesquisas em campo será compreender como as árvores mais velhas se comportam diante de quantidades maiores de CO₂, uma vez que elas não podem ser estudadas em laboratório. A estratégia de reflorestamento captura rapidamente muito carbono nos primeiros anos. No entanto, essas taxas diminuem nos períodos seguintes, quando as árvores já estão grandes.

As árvores mais jovens e menores tendem a alocar mais carbono, pois respiram menos no escuro e ainda precisam crescer em busca dos raios solares. Nesses casos, o gás carbônico extra é usado para aumentar o tamanho das folhas, das raízes e dos caules. Nas árvores maiores, porém, essa captura de carbono talvez não ocorra com tanta intensidade.

Ao fazerem mais trocas gasosas, as plantas também envelhecem mais rapidamente. Mas o aumento de CO₂ é apenas um dos fatores das mudanças ambientais que afetam as plantas. Os choques de temperatura, de disponibilidade de água e de nutrientes também alteram o comportamento da vegetação.

Catástrofe global

Normalmente, as mudanças climáticas levam milhões de anos para ocorrer, o que permite que a adaptação dos seres vivos ocorra sem muitos sobressaltos. Porém, as secas e inundações repentinas, como ocorrem hoje, podem tornar a vida como conhecemos inviável em algumas regiões.

Caso os desastres naturais impeçam a manutenção das florestas e da agricultura atuais, haverá um efeito dominó. Animais e seres humanos não conseguiriam alimentos, por exemplo.

De acordo com a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA, na sigla em inglês), os níveis de gás carbônico atuais são comparáveis aos de 4 milhões de anos atrás, quando as temperaturas eram em média 4 graus Celsius mais altas do que nos tempos pré-industriais. Nessa época, o nível do mar era de 5 a 25 metros mais alto do que hoje, o que seria suficiente para afogar cidades como Rio de Janeiro, Xangai (China), Cairo (Egito), Bombaim (Índia) e Nova Iorque (Estados Unidos).

Se os combustíveis fósseis, como o petróleo, continuarem a ser queimados, as emissões de gás carbônico poderão atingir 75 bilhões de toneladas por ano até 2100, segundo a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos. Quase metade das emissões por ação humana ocorreu nos últimos 30 anos e cerca de 20% apenas na década passada, de acordo com o IPCC.

A concentração de CO₂ na atmosfera, que hoje é de 425 partes por milhão (ppm), pode dobrar até o final do século e atingir níveis não vistos na Terra há quase 50 milhões de anos. Antes da industrialização, os níveis de gás carbônico ficaram em torno de 280 partes por milhão (ppm) ao longo de quase 6.000 anos de civilização humana.

Como alternativa, alguns países já investem em usinas de captura de CO₂. Embora preocupado, Buckeridge tem esperanças. “Não subestime a capacidade do Homo sapiens de produzir tecnologia. Nós já tivemos situações críticas antes.”

Fonte: Jornal da USP

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