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Como o açude mais antigo do Brasil virou um 'cemitério de cágados'

27 de janeiro de 2017
3 min. de leitura
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Foto: Hugo Fernandes-Ferreira

O açude do Cedro é resultado de uma das maiores secas que o Brasil e o Nordeste já enfrentaram.

Em 1877, uma estiagem que se estenderia por três anos motivou, apenas no Ceará, a retirada de 100 mil sertanejos do interior rumo a Fortaleza. O imperador d. Pedro 2º pediu então um estudo das melhores áreas para construção de açudes.

Iniciado em 1890, o açude do Cedro, em Quixadá (a 160 km de Fortaleza), seria concluído 16 anos depois, já no período republicano, com cinco barragens que represam o rio Sitiá. Foi a primeira grande construção no Brasil envolvendo canais de irrigação.

Com capacidade para 125 milhões de m³ de água (ou 50 mil piscinas olímpicas), o açude se integrou à paisagem local, em que se destaca a Pedra da Galinha Choca. Ponto turístico tombado pelo patrimônio histórico nacional, é usado nos dias atuais sobretudo para lazer.

Cento e quarenta anos (e uma seca de cinco anos consecutivos) depois, o açude do Cedro secou em setembro de 2016 – o que tinha ocorrido apenas quatro vezes, em 1930, 1932, 1950 e 1999.

Caminhando pelo local no mês passado, uma equipe de biólogos e estudantes registrou uma amostra do tamanho do impacto ambiental: contou 439 carcaças de cágados – o réptil de carapaça muito parecido com as tartarugas e os jabutis.

“O número ainda está subestimado, pois muitos levaram carcaças para casa. É alarmante, pois encontramos apenas uma espécie de cágado (Phrynops geoffroanus), justamente a mais resistente, quando esperávamos pelo menos outras duas”, afirmou à BBC Brasil o biólogo Hugo Fernandes-Ferreira, professor de Zoologia da Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Dimensão da seca

O Ceará entrou no quinto ano seguido com chuvas abaixo da média – é a pior seca em cem anos, segundo a Fundação Cearense de Meteorologia.

O resultado se vê no mapa dos açudes do Estado – todos os 136 estão com volume inferior a 30% da capacidade, e quase cem estão vazios.

Populações, animais e indústrias já sofrem com restrições no abastecimento e taxas extras sobre o consumo.

Foto: Hugo Fernandes-Ferreira

Para o climatologista Alexandre Araújo Costa, da UECE, a situação combina fatores naturais e ação humana.

A seca recorde, afirma, possivelmente está associada ao aquecimento global, mas também teve a influência do El Niño, fenômeno climático que costuma agravar o quadro no Nordeste por impedir a chegada de frentes frias à região.
Costa também critica a política de recursos hídricos do Estado, que para ele favorece grandes empreendimentos como termelétricas em detrimento do uso sustentável.

“Há negócios com outorgas indecentes, com algumas empresas autorizadas a usar água que abasteceria quase dois milhões de pessoas.”

Visão do governo

Procurado pela BBC Brasil, o governo do Ceará rebate e afirma que a “gestão eficiente e eficaz” da água permitiu, por exemplo, que a região de Fortaleza “não sofra problemas de abastecimento”.

Em nota, a Secretaria de Recursos Hídricos disse ainda que a gestão conta com participação da sociedade e permitiu reduzir de 75% a 100% o uso de água nos principais vales irrigados do Estado.

Sobre as críticas às outorgas, a pasta da gestão Camilo Santana (PT) diz que são autorizações de uso e que em “nenhum dos casos o valor outorgado é plenamente usado”. Afirma que a indústria usa apenas 2% da “disponibilidade hídrica” do Estado.

O açude do Cedro secou, avalia o governo, “pela falta de chuvas X evaporação”. A gestão também afirmou que, “em que pese sua inegável importância histórica”, o reservatório tem uso hoje apenas turístico.

Enquanto a chuva não volta, a equipe de Hugo Fernandes-Ferreira no campus Quixadá da UECE continuará a analisar o “cemitério de cágados” do açude, recolhendo cascos e tentando entender o impacto sobre o ecossistema da pior seca em um século.

Fonte: BBC

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