Não há nenhuma lei no País que proíba a criação de animais em apartamento. Mas decidir manter cães ou gatos em imóveis de condomínio exige bom senso e destreza nas regras da boa vizinhança. Mensalmente, a União Internacional Protetora dos Animais (Uipa) recebe diversas reclamações de tutores de cães ou síndicos. Alguns casos vão parar no Juizado Especial. Porém, à luz da legislação em vigor no Brasil, nenhum síndico pode proibir a criação de animais no imóvel, mas também nenhum tutor tem o direito de deixar o seu cão incomodar os vizinhos com latidos e afins. O que fazer então para conciliar os interesses?
A presidente da Uipa, advogada Geuza Leitão, explica que a Convenção do Condomínio estabelece normas disciplinadoras e de caráter contratual que devem ser respeitadas, uma vez que possuem força de lei entre as partes. Porém, diz que não pode jamais se sobrepor à regra geral do Código Civil Brasileiro (CCB) e à Regra Especial da Lei de Condomínio (Lei 4591/1964). Ela cita o capítulo sobre os Direitos de Vizinhança, do CCB. O artigo 554 determina que “O proprietário, ou inquilino de um prédio tem o direito de impedir que o mau uso da propriedade vizinha possa prejudicar a segurança, o sossego e a saúde dos que o habitam”.
Já o artigo 10 da Lei de Condomínio, aponta que “É defeso (proibido) a qualquer condômino:
III – destinar a unidade à utilização diversa da finalidade do prédio, ou usá-la de forma nociva ou perigosa ao sossego, à salubridade e à segurança dos demais condôminos”. E completa no artigo 19 da mesma lei que “Cada condômino tem o direito de usar e fruir, com exclusividade, de sua unidade autônoma, segundo as suas conveniências e interesses, condicionadas, uma e outras, às normas de boa vizinhança, e poderá usar as partes e coisas comuns, de maneira a não causar dano ou incômodo aos demais condôminos ou moradores, nem, obstáculo ou embaraço ao bom uso das mesmas por todos”.
Trocando em miúdos, Geuza Leitão explica que, com todas estas determinações legais, a simples presença de um cão no apartamento não fere os direitos de vizinhança, uma vez que o morador está exercendo seu legítimo direito de propriedade.
“Ao receber as notificações do síndico, não deve o tutor do animal pagar as multas que lhe são impostas, muito menos ingressar em juízo pleiteando o direito de manter o animal no apartamento”. Se os condôminos ou o síndico entendem que o animal está causando incômodo ou embaraço, ou que a presença do mesmo é “nociva ou perigosa ao sossego, à saúde e à segurança” dos demais moradores do prédio, eles é que devem levar o caso à Justiça, por meios de prova documental, testemunhal e demais meios permitidos em direito. Isto deve ser feito em uma das unidades dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Jecc).
Comportamento
Se o cão tem bom comportamento, não incomoda os vizinhos com latidos ou agressividade, não há motivo, segundo a presidente da Uipa, para reclamações do condomínio. Porém, se o animal apresenta problemas de comportamento, o proprietário deve buscar solução. Caso contrário, o síndico ou vizinho tem o direito de ingressar na Justiça com provas sobre a queixa e, se confirmado, somente o juiz pode decidir retirar o animal do imóvel, caso o tutor não tenha solucionado o problema.
Antes que isto aconteça, a Uipa orienta os tutores a adotarem algumas medidas preventivas. A principal delas é adequar a raça do cão ao ambiente. Para condomínios, seja apartamento ou casa, o ideal é preferir raças de porte pequeno como Poodle, Pinscher, Bulldog Francês, Chiuaua, Shih-Tzu, entre outras. Ao sair para passeio, o cão deve estar sempre acompanhado e com a guia. Se o animal fizer as necessidades fisiológicas em área externa, o proprietário deve limpar imediatamente. Deixar o animal sozinho ao longo do dia pode provocar situação de estresse e latidos excessivos. Ou ainda, prejuízos aos móveis da casa, como sofás e camas. A ociosidade faz com que o cão, que gosta de companhia e atividades, descubra algo “interessante” para fazer, como rasgar os estofados.
Outra dica importante da Uipa: manter um bom relacionamento com os vizinhos. Geuza Leitão testemunha casos de antipatia entre moradores que sobrou para o cão de um deles, mesmo o animal tendo bom comportamento. Os cuidados com a higiene e saúde do animal também devem ser observados. Eles devem estar vacinados, vermifugados e com controle de parasitas, como pulgas e carrapatos. Numa situação de provas na Justiça, o tutor deve ter em mãos todos os comprovantes destes cuidados.
A jornalista Paula Brauner dos Santos cria a Shih-tzu “Pretinha” há seis meses em condomínio de apartamentos no bairro São Gerardo, em Fortaleza. Ela diz que nunca teve problemas. Porém, ressalva que procura seguir as normas para criação de animais no condomínio. “Não posso andar com a Pretinha nas áreas comuns do prédio”, afirma. O passeio diário é feito na rua e, para sair do apartamento, a cadelinha precisa estar nos braços da dona. Ela conta que, antes de ir morar lá, se preocupou em saber as normas de convivência para criação de bichos.
No mesmo condomínio, outros moradores também criam cães e gatos. Para os gatos, não há restrições. Eles podem passear nas áreas comuns. “Eles entendem que não há como prender os gatos”, explica. Logo quando foi morar no endereço, era tutora de outro cão, também de pequeno porte, da raça Dachshund (o famoso Salsichinha). Porém ele latia muito e os próprios tutores viram a impossibilidade de criá-lo no apartamento. Antes da reclamação dos vizinhos, Paula decidiu doá-lo a um amigo. “A Shih-Tzu quase não late. É tranquila. Por isso escolhi esta raça”, atesta.
Boa convivência
Para evitar transtornos entre vizinhos, os criadores de cães podem seguir as orientações da Uipa, tais como: escolher raças de porte pequeno para criar no apartamento, como Poodle e Chiuaua; ao sair para o passeio, o animal sempre deve estar com a guia e acompanhado do dono ou responsável; proporcionar lazer ao animal para que ele não fique estressado, assim os latidos excessivos serão evitados; não deixar o animal sozinho em casa o dia todo pois ele pode reagir latindo e incomodando os vizinhos; se o animal fizer as necessidades fisiológicas em área externa, o dono deve limpar imediatamente. A Uipa orienta os tutores ou síndicos que queiram tirar dúvidas sobre os direitos legais no assunto. A entidade tem modelos de parecer com a fundamentação legal do tema, que pode ser disponibilizado a preço simbólico.
Mais informações
União Internacional Protetora dos Animais (Uipa) – Geuza Leitão
Seção Fortaleza – Ceará
Telefones: (85) 3261.3330/ 9994.4552
Fonte: Diário do Nordeste