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REDES SOCIAIS

Como adolescentes estão impulsionando o tráfico de animais silvestres

Uma conversa no WhatsApp, um link disfarçado no Mercado Livre e um chip internacional. Parece roteiro de série policial, mas é a realidade de um mercado ilegal que cresce silenciosamente no Brasil — e tem cada vez mais jovens no comando.

17 de dezembro de 2025
Sebastián Fernandez Gavet
4 min. de leitura
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Foto: https://x.com/eluniversocom/

Um levantamento recente da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas) analisou cerca de 3 mil mensagens trocadas em grupos clandestinos de WhatsApp e revelou um dado alarmante: adolescentes e jovens adultos são hoje peças centrais no comércio online ilegal de animais silvestres.

Quando o crime vira “hobby”

Entre os perfis identificados está o de Tiago (nome fictício), estudante de veterinária de 24 anos que cria répteis como iguanas e serpentes. Ele diz que tudo começou ainda na adolescência, inspirado por vídeos no YouTube que mostram criadores exibindo animais exóticos como se fossem pets comuns.

Para muitos desses jovens, o tráfico de animais silvestres não é visto como crime, mas como um hobby. O dinheiro das vendas, segundo eles, costuma ser reinvestido na compra de novos animais. A lógica é simples — e perigosa: se nasceu em cativeiro, não faz mal. A lei, porém, diz o contrário.

WhatsApp, confiança e grupos secretos

O WhatsApp é hoje o principal canal desse comércio ilegal. Grupos fechados funcionam como verdadeiros “clubes”, onde só entra quem é indicado. A confiança é a moeda principal, e os administradores controlam quem pode comprar, vender ou apenas observar.

A pesquisa da Renctas mostra que muitos desses grupos são gerenciados por jovens com domínio total das redes sociais, linguagem cifrada e estratégias para despistar fiscalização. É o tráfico de animais silvestres adaptado à lógica digital.

VPN, apelidos e chips internacionais

Os vendedores usam pseudônimos inspirados em personagens de filmes, animes ou games. Também recorrem a VPNs, chips internacionais (e-sim) e números estrangeiros para dificultar rastreamentos.

Segundo o relatório, a faixa etária mais comum entre os anunciantes vai de 21 a 30 anos, mas há registros preocupantes de adolescentes — e até crianças — oferecendo animais como geckos em redes sociais.

Esse domínio tecnológico explica por que os jovens se tornaram tão relevantes no tráfico de animais silvestres online: eles cresceram na internet e sabem como operar “no modo invisível”.

O truque do Mercado Livre

Um dos esquemas mais sofisticados envolve plataformas de e-commerce. O animal não aparece no anúncio. Em vez disso, o vendedor cria uma oferta falsa — um tênis, uma bolsa — e envia o link ao comprador pelo WhatsApp.

O pagamento é feito normalmente, até parcelado no cartão. O que chega na entrega, porém, não é o produto anunciado. Esse método dificulta a detecção automática e cria um desafio enorme para autoridades e empresas.

O Mercado Livre afirma que proíbe esse tipo de prática e remove anúncios irregulares assim que identificados. O WhatsApp diz adotar medidas como suspensão de contas denunciadas. Ainda assim, o esquema continua funcionando.

“Eles se veem como salvadores da natureza”

Para Dener Giovanini, coordenador da Renctas, há um problema ainda mais profundo: a desconexão com a gravidade ambiental e jurídica do tráfico de animais silvestres.

Muitos jovens acreditam estar ajudando os bichos ao criá-los em casa. Alguns chegam a se definir como “salvadores da natureza”. Essa percepção distorcida, segundo ele, é explorada por traficantes mais experientes, que usam jovens como porta de entrada para a cadeia criminosa.

O impacto das redes sociais

Agentes do Ibama relatam que a influência de conteúdos em redes sociais é direta. Vídeos no TikTok e em outras plataformas normalizam a posse de animais silvestres, criando a falsa impressão de que é permitido.

Um caso emblemático: durante uma operação, um fiscal foi abordado por uma criança que pediu um macaco, justificando que “via muita gente na internet com um”.

Um problema que vai além da internet

Embora outra pesquisa da USP indique que o tráfico tradicional ainda seja dominado por homens mais velhos, a Renctas alerta: a internet já é parte fundamental dessa engrenagem. Do capturador ao comprador final, o mercado ilegal de animais silvestres funciona como uma cadeia bem estruturada.

Entender como adolescentes estão abastecendo esse sistema é essencial para combatê-lo. O alerta está dado — agora resta saber se sociedade, plataformas e autoridades vão agir antes que o “hobby” vire regra.

Fonte: Gizmodo

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