As aves sempre foram uma fonte de inspiração para a humanidade, com os aviões sugerindo um desejo humano de imitá-las. Mas elas têm mais a nos ensinar do que apenas o poder do voo. Duas vezes por ano, enquanto animais hibernantes como ursos e esquilos estão se enroscando para um sono profundo ou despertando para a primavera, as aves migratórias se preparam para embarcar em jornadas épicas por terra e mar.
E, ao fazerem isso, desempenham um papel crucial na manutenção do equilíbrio da natureza. Ao voarem de um lugar para outro, polinizando plantas, espalhando sementes e controlando pragas ao se alimentarem de insetos e outros invertebrados, elas ajudam a manter a saúde dos ecossistemas — o que, por sua vez, contribui para a segurança alimentar.
E isso não é tudo. Francisco Rilla, biólogo especializado em vida selvagem e consultor da ONU com foco em conservação e espécies migratórias, afirma que as aves migratórias também servem como “bioindicadores”.
Em outras palavras, como tendem a evitar áreas poluídas, seus movimentos oferecem informações úteis na avaliação da qualidade da água e do ar.
Até os confins da Terra e de volta
Durante a migração de outono, as aves observam a diminuição da luz do dia — que elas entendem como sinal de que o alimento essencial logo será mais escasso — como um indicativo de que é hora de seguir para o sul.
Algumas, como a pequena andorinha-do-ártico, deixam o escuro e frio Ártico durante o inverno e voam até o Círculo Antártico, percorrendo um total de cerca de 90 mil quilômetros em ida e volta. Essa jornada extensa faz delas recordistas mundiais da rota migratória mais longa do reino animal.
Outra campeã é a maçarico-de-bico-encurvado, que voa do estado do Alasca, nos Estados Unidos, até a ilha australiana da Tasmânia. Uma ave com apenas cinco meses de idade detém o recorde do Guinness para o voo ininterrupto mais longo, tendo percorrido 13.560 quilômetros em onze dias e uma hora.
Essas aves, que se alimentam por dois meses no Alasca, conseguem reduzir o tamanho de seus órgãos internos para criar espaço para armazenar gordura rica em energia, necessária para sustentá-las durante a longa jornada. Mas, para algumas espécies, a mudança climática está tornando esse feito menos viável.
Os impactos da atividade humana
As aves migratórias usam o sol, as estrelas, linhas costeiras e grandes corpos d’água para se orientarem durante suas viagens pelo mundo. Mas alguns dos locais onde elas param para descansar e se reabastecer ao longo das costas estão sendo alterados por inundações ligadas à elevação do nível do mar.
Pequenos crustáceos, que são uma fonte alimentar importante para essas aves, têm dificuldade para formar suas conchas e esqueletos em oceanos mais ácidos devido à maior absorção de dióxido de carbono. Isso tem um efeito cascata sobre as aves migratórias.
Sem alimento suficiente, elas têm menos chances de sobreviver a jornadas exaustivas ou de se reproduzirem com sucesso.
As aves, assim como os humanos, também são ameaçadas pela crescente intensidade e frequência de eventos climáticos extremos, como tempestades. Ventos fortes podem derrubá-las e até matá-las.
Além disso, a mudança climática pode afetar o comportamento das aves migratórias.
Temperaturas mais quentes podem eliminar a ameaça de escassez de alimentos, fazendo com que as aves encurtem suas rotas ou deixem de retornar ao habitat original.
Isso pode levar a conflitos por alimento entre aves migratórias e animais residentes. Enquanto algumas aves, como a andorinha-do-ártico, compensam os ventos fortes gastando mais energia durante suas viagens, outras espécies têm sucumbido às pressões da atividade humana.
Uma delas foi o maçarico-de-bico-fino, declarado extinto em 2024. Pesquisadores acreditam que a espécie não conseguiu se adaptar à perda de habitat.
Como ajudar as aves migratórias em suas jornadas
Embora os humanos frequentemente alimentem aves, oferecer comida a aves migratórias pode, segundo Rilla, acabar fazendo mais mal do que bem. Se forem alimentadas com pão e sementes destinadas a pessoas, elas podem se sentir saciadas demais para procurar os alimentos que realmente fornecem os nutrientes essenciais. Ele acrescenta que colocar comida em locais muito visíveis pode expor as aves a predadores.
Em vez disso, Rilla recomenda ajudar essas viajantes dos céus incentivando os governos a expandirem a rede de áreas protegidas por meio de tratados internacionais, como a Convenção sobre a Conservação das Espécies Migratórias de Animais Selvagens.
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente está alinhado com essas recomendações, mas sugere ir além, criando mais ambientes amigáveis para as aves. O Dia Mundial das Aves Migratórias deste ano enfatiza a promoção da convivência entre humanos e aves. A mensagem principal é incentivar a criação de habitats saudáveis, a redução da poluição e a evitação de edifícios envidraçados, que representam um grande risco de colisão para as aves.
Se as aves migratórias começarem a desaparecer, isso pode afetar a agricultura e toda a cadeia alimentar. Em outras palavras, como diz Rilla: “o que acontecer com elas também pode acontecer conosco.”
Traduzido de DW.