Mais um ano que está prestes a terminar. Aproximam-se as festas do fim de ano e estamos apenas a um mês dias da celebração principal desta época festiva: o Natal. Mas… que festas são estas em que se comemora o nascimento de um à volta de uma mesa repleta do resultado da morte de tantos outros? Que tradição festiva é esta, supostamente de paz, amor e compaixão, que se encontra, afinal, viciada por uma tal contradição?
Nesta época, matam-se ainda mais animais do que no resto do ano. Os talhos quase não chegam para as encomendas. De noite – na verdade, todas as noites desta quadra –, o número de camiões de transporte de animais nas estradas nacionais aumenta… não é raro verem-se animais amontoados nesses camiões, com ainda menos espaço para sequer poderem respirar do que aquele que, fora desta quadra, encontrariam. Animais apavorados que fixam em pânico e desespero as luzes dos carros que seguem atrás destes, e cujos passageiros nem por um momento pensam na injustiça e brutalidade tremendas que seguem à sua frente. Gente humana que não perde um minuto sequer para se colocar no lugar daquela outra gente, que, não sendo humana, não é por isso menos merecedora de viver e em paz…
Se quem seguisse nos carros de trás fosse sobrevivente do Holocausto, certamente compreenderia o desconforto, o medo e a angústia que aqueles animais experienciam… Ou será que, mais de 60 anos volvidos desde que esse episódio negro se registou, talvez não? É que nós, humanos, temos a capacidade de esquecer – mesmo o que de mal nos acontece –, sobretudo sempre que nos é dada uma segunda oportunidade. Só que àquelas vítimas, que seguem para a morte amontoadas naqueles camiões, não é dada uma segunda oportunidade. Em rigor, não lhes é dada qualquer oportunidade. Nascem condenadas. São famílias que não podem evitar ser dizimadas. São mães apartadas dos seus filhos, que não os podem salvar, que não se podem salvar. São mães que não podem sequer partilhar com os seus filhos os últimos momentos de vida. São mães que ouvem os seus bebés chorar por elas sem que lhes possam acudir e confortar. São filhos amedrontados que choram em vão pelo calor e pela protecção que lhes foi violentamente roubada, e que são enviados para a morte depois de terem sido forçados a crescer tão depressa, que os seus ossos facilmente se quebram por dentro da sua fina pele. Estas vítimas não têm como sobreviver, nunca poderão esquecer o que lhes aconteceu – porque sequer viverão para tal –, e nunca lhes será dada qualquer oportunidade.
Enquanto nos apressamos a comprar presentes para todos os que nos são queridos, que presentes recebem os que acima descrevo? Com que coragem podemos nós abraçar os nossos familiares e amigos e desejar-lhes felicidades, enquanto trocamos presentes, quando outras famílias, apenas porque têm a “pouca sorte” de terem nascido de uma espécie diferente da nossa, não poderiam passar por um sofrimento maior apenas para servirem de alimento ou virem a compor uma qualquer guloseima que presenteie o palato?
Que perversão é esta, afinal, em que se comemora o nascimento daquele que se acredita ter sido o homem mais compassivo que já viveu, degustando alegremente cadáveres daqueles que nem sequer queremos saber quem foram?
Esta deveria ser, na verdade, uma época de luto. Pelo menos para aqueles de nós – humanos – que têm consciência desta monumental injustiça, devia ser uma época de consternação, em sinal de respeito por todos aqueles que, ainda em maior número do que em qualquer outra altura do ano, são sacrificados e arrastados para a morte por razão nenhuma. Todavia, lamentar e assinalar o luto não basta. Devemos também impedir que (tal como durante o resto do ano) também nesta época especial sejam esquecidas as vítimas animais que a mesma gera – levando a que o holocausto animal, esse sim, o maior da História, tenha a contagem das suas baixas dramaticamente aumentada.
Se acredita que esta altura do ano tem e deve ter um brilho especial, que este é um tempo de amor, de compaixão e de solidariedade, e que o significado desta época deve ser de concretizado de facto através de boas vontades e firmes decisões, não se ficando apenas por declarações ou intenções, então por favor considere traduzir em termos práticos esses sentimentos. Para sempre! Comece por fazer a maior de todas as diferenças: recuse pactuar com a mortandade e com a exploração de todas estas vítimas. Se este é um tempo de redenção, então considere redimir-se e passar a ser verdadeiramente compassiva/o, não deixando os animais não-humanos fora do seu círculo de preocupações morais.
Este texto foi escrito em Português de Portugal e sem recurso ao novo AO.