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CRISE HÍDRICA

Com rios esvaziados, Pantanal e Amazônia entram no 2º semestre sob fantasma da seca

Segunda metade do ano é temporada com maior incidência de estiagem e incêndios florestais nos dois biomas brasileiros

10 de julho de 2024
Marco Britto
10 min. de leitura
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Imagem de Iranduba (AM) mostra retração do rio Amazonas na seca de 2023. — Foto: Bruno Zanardo/Getty Images

Dois biomas brasileiros conhecidos mundialmente, a Amazônia e o Pantanal, registram em 2024 níveis baixos em muitos de seus rios, além de enfrentarem temporadas preocupantes em relação aos incêndios florestais. O segundo semestre marca a época de seca nessas regiões, o que aumenta o nível de alerta para eventos impactantes sobre as populações e a biodiversidade residentes nestas regiões.

O Serviço Geológico do Brasil (SGB), que monitora o nível dos rios no país, concluiu em estudo recente que a frequência de cheias e secas extremas vem aumentando na última década, sendo que, no caso do estado do Amazonas, em uma ocasião os dois extremos ocorreram no mesmo ano. No Pantanal, o ano de 2024 pode ter a pior seca já registrada no bioma, dependendo de quando vai de fato acontecer o início do período chuvoso, que começa normalmente em outubro. “Se vier na hora certa vai ser ruim, mas se atrasar vai ser pior ainda”, afirma o engenheiro hidrólogo Artur Matos, coordenador nacional do Sistema de Alerta Hidrológico do SGB.

Segundo boletim do SGB do último dia 3, todos os rios da bacia do rio Paraguai encontram-se com níveis abaixo do normal para este período do ano, exceto o rio Cuiabá, que se mantém dentro do esperado por influência de uma usina hidrelétrica. Os trechos de Barra do Bugres (MT), Cáceres (MT) e Miranda (MS) apresentam os níveis mais baixos já registrados no histórico para este período do ano.

Dados divulgados pelo governo federal nesta terça-feira (9) apontam que, em 2024, a bacia do rio Paraguai, vital para o Pantanal, teve o menor acumulado de chuvas da série histórica, iniciada em 2001. Com 671 milímetros, a seca atual supera anos críticos como 2020 e 2021.

Na bacia do Amazonas, apenas os rios Negro e Branco apresentam níveis dentro da média, considerados bons pelo monitoramento. Os rios Solimões e Amazonas, que se fundem, além dos rios Madeira e Purus, vêm mantendo níveis próximos às mínimas históricas ocasionalmente, e segundo análise do SGB, ainda não se pode decretar uma situação grave de seca a partir dos dados do primeiro semestre.

“A partir da medição do rio Amazonas, em Manaus, não está claro o que pode acontecer ainda. Temos medições [similares às] de dias de seca grande e outras [similares às] de anos normais. Não vemos claramente uma seca extrema nos dados, vai depender dos próximos meses de chuva”, analisa Matos.

No Amazonas, que concentra boa parte dos rios com níveis baixos este ano, o governador Wilson Lima instituiu na sexta-feira (5) o Comitê de Enfrentamento à Estiagem e decretou situação de emergência em 20 municípios. O estado decretou ainda emergência ambiental em 22 cidades e na região metropolitana de Manaus.

Lima afirmou que o estado tem processos adiantados para licitar o fornecimento de água, filtros e cestas básicas para as populações atingidas pela estiagem. De acordo com a Defesa Civil, os níveis dos rios em todas as calhas do Amazonas estão abaixo do esperado para o período, inclusive o rio Negro.

“Se comparamos o primeiro semestre deste ano com o primeiro do ano passado, temos uma situação muito pior. A bacia do rio Branco e parte da bacia do rio Negro ficaram mais próximas da normalidade, mas não entendo que essas bacias vão sustentar a bacia Amazônica como um todo”, avalia Renato Senna, meteorologista do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), que monitora o comportamento dos rios da região. “Medidas que antecipam o acesso das populações a medicações e outros insumos são válidas. Mesmo que não tenhamos uma grande seca, teremos dificuldade de acesso. Na Amazônia, o transporte é fluvial.”

Incêndios florestais em alta

De acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o segundo semestre tem tradicionalmente mais casos de queimadas nos dois biomas. O mês de setembro costuma ser o de maior incidência do fogo no Pantanal e na Amazônia, com médias de 2.094 e 32.245 focos de incêndios, respectivamente.

No ano recorde de 2020, quando o Pantanal registrou 22.116 focos de incêndios, o primeiro semestre teve 2.534 ocorrências, número já superado em mais de 1.000 focos em 2024. O segundo semestre daquele ano chegou a 19.582 registros. Apenas em setembro foram 8.106, o pior mês do bioma desde 1998 no monitoramento do instituto.

Este ano, no Mato Grosso do Sul, até a última semana houve aumento de 3.100% no número de queimadas em relação a 2023 no Pantanal, segundo o Cemtec, órgão que monitora o clima no estado. A cidade de Corumbá (MS) concentra dois terços dos incêndios no bioma e cerca de um terço dos incêndios florestais no Brasil no primeiro semestre.

Na Amazônia, o ano de 2022 foi o pior em relação a queimadas desde 2010, segundo dados do Inpe, com 115.033 focos. Naquele ano, o primeiro semestre contou 7.533 focos de incêndio. Nos seis primeiros meses de 2024, foram registradas 13.489 ocorrências.

“O que a gente está vendo aqui é uma tendência de seca, e acho que vai ser o novo normal. No Amazonas, o rio Madeira está lá embaixo, e a Amazônia fornece água para cá [Pantanal] pelos rios voadores. Então, se a Amazônia seca, seca o Brasil todo”, afirma o professor Paulo Sousa Jr., diretor do Instituto Nacional de Pesquisa do Pantanal, que opera na Universidade Federal de Mato Grosso.

Estresse hídrico atinge Pantanal e Amazônia

Para Matos, que há 14 anos acompanha o monitoramento do nível dos rios brasileiros, 2024 ainda não pode ser classificado como atípico, mas segue o roteiro de picos históricos. “A seca teve momentos parecidos, mas estamos no extremo, entre as piores secas da Amazônia e do Pantanal.”

Os efeitos do aquecimento global, que intensifica eventos extremos do clima, com inundações e seca, estão evidentes, segundo acompanhamento do SGB. Nos últimos dez anos, a frequência de inundações quase dobrou (+95%), enquanto a ocorrência de secas aumentou quase quatro vezes (+376%). “A gente se preocupa, e o que está aparecendo estatisticamente é que estão aumentando os eventos de seca e de cheia. Temos que nos preparar para lidar cada vez mais com eventos extremos, tanto na escassez quanto inundações”, afirma o coordenador.

Segundo o meteorologista do Inpa, a junção dos efeitos do segundo ano seguido de fenômeno El Niño, que arrefeceu recentemente, e do aquecimento do oceano Atlântico acima da Linha do Equador, que promete gerar uma forte temporada de furacões este ano, causaram uma situação de “deficiência generalizada” de chuvas no centro da América do Sul, onde situam-se tanto Amazônia quanto o Pantanal. Além disso, soma-se a ação humana sobre os oceanos, que não pode ser descartada, avalia Senna.

Estamos mexendo no balanço de energia do planeta na faixa equatorial, onde surgem os processos de troca de calor entre o Equador e os polos, algo muito sério, e não é possível excluir a ação humana nesse processo.
— Renato Senna, meteorologista do Inpa

Pesquisa publicada pelo WWF-Brasil na semana passada indica que, em 2024, o Pantanal não teve período de cheia, fenômeno crucial para o sistema e a sobrevivência de fauna, flora e populações dependentes das águas da região. A seca é considerada pelo governo federal a pior em 70 anos, e especialistas alertam para a possibilidade de exceder-se um “ponto de não retorno”, o que pode significar um colapso do bioma.

“Não se sabe em que ponto estamos. O sistema perde a capacidade de se manter e se renovar a cada ciclo de cheia. O que podemos falar é que estamos cada vez mais próximo [de um ponto de não retorno]”, afirma Helga Correa, especialista em conservação da organização e autora do estudo.

Soluções

No estudo, os pesquisadores propõem algumas soluções para o bioma:

– Soluções baseadas na natureza (como restauração florestal, por exemplo)

– Ações de prevenção e adaptação a eventos extremos, principalmente às secas e ao calor

– Mapear causadores de impactos aos rios, considerando região de cabeceiras

– Fortalecer e ampliar políticas públicas para frear o desmatamento.

– Restaurar áreas de proteção nas cabeceiras, para melhorar a infiltração da água

– Apoiar boas práticas da comunidade, proprietários e do setor produtivo

Fonte: Um Só Planeta

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