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EXEMPLO

Com milhares de ovelhas soltas em terras mortas: Europa surpreende o mundo ao trazer de volta rios, pastagens e biodiversidade em apenas 10 anos, sem máquinas, bilhões ou alta tecnologia

23 de novembro de 2025
6 min. de leitura
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Na Europa, milhares de ovelhas soltas recuperam pastagens degradadas, restauram a natureza e impulsionam a biodiversidade em um exemplo real de regeneração ambiental.

Com ovelhas soltas pastando em encostas abandonadas, antigas terras mortas voltando a ficar verdes e rios subterrâneos reaparecendo sem máquinas, obras gigantes ou bilhões em subsídios, a Europa transformou um cenário de colapso ecológico em um laboratório vivo de recuperação de pastagens, recarga de lençol freático e renascimento da biodiversidade em apenas uma década

Por décadas, a recuperação de ecossistemas degradados foi sinônimo de tratores, obras de engenharia pesada e investimentos de muitos bilhões de dólares. Nesse modelo, desertos são combatidos com concreto, bombas e canais, como na China, no Egito ou na Austrália, onde projetos de restauração levaram de 30 a 40 anos para mostrar resultados consistentes. Em contraste radical, uma proposta simples ganhou força na Europa: usar ovelhas soltas como ferramenta central de restauração ecológica, substituindo máquinas por patas, herbicidas por pastoreio e parte da tecnologia dura por processos naturais guiados com precisão.

Ao liberar milhares de ovelhas soltas em terras consideradas praticamente perdidas, montanhas dos Cárpatos e regiões altas da Polônia começaram a reagir de forma surpreendente. Em cerca de 10 anos, antigas pastagens voltaram a florescer, o lençol freático subiu e cadeias ecológicas inteiras foram reativadas. O que parecia apenas uma decisão cultural em defesa do pastoreio tradicional se mostrou, na prática, uma solução de engenharia natural sofisticada, monitorada por satélites, sensores de solo e programas ambientais europeus, com impacto concreto sobre biodiversidade, água e resiliência climática.

Quando as ovelhas cruzaram montanhas e fizeram história

Muito antes de se tornarem ovelhas soltas em programas de restauração de ecossistemas, esses rebanhos já eram parte da história social e econômica da região.

No século XVII, pastores nômades deixaram os Bálcãs gelados, cruzaram os Cárpatos e chegaram à área de Cracóvia e Poprad levando cabanas de madeira, ferramentas artesanais e seus primeiros rebanhos.

Dessa migração nasceu um modelo clássico de transumância: na primavera, os rebanhos subiam para os campos alpinos, no outono desciam de volta aos vales, mantendo um ciclo anual de uso do solo que equilibrava pastagens, floresta e água.

A economia local se organizou em torno dessa dinâmica, com carne, leite e lã sustentando vilas inteiras e dando origem a uma cultura de montanha intimamente ligada às ovelhas.

Foto: Ilustração | Freepik

Do “Reino das Ovelhas” ao colapso silencioso das pastagens

No pós-guerra, a Polônia viveu o auge da criação de ovelhas, com subsídios estatais, fábricas têxteis e preços atrativos para a lã.

Em poucas décadas, o país alcançou milhões de animais em seu rebanho nacional, a ponto de ser apelidado de um verdadeiro reino ovino na Europa.

O som dos sinos pendurados no pescoço dos animais fazia parte da paisagem sonora das montanhas.

Essa estrutura ruiu em poucos anos. A transição para a economia de mercado, o fim dos subsídios e a entrada de lã barata da Austrália e da Nova Zelândia tiraram a base econômica da atividade.

O número de ovelhas despencou mais de 80% em meia década, vilas de montanha perderam seus pastores e as encostas antes verdes passaram a ser ocupadas por florestas densas e homogêneas, com pouca luz no solo, baixa diversidade e queda acentuada da biodiversidade típica de campos abertos.

O lençol freático recuou, habitats de flores, borboletas e aves de campo desapareceram e grandes áreas se tornaram, na prática, terras mortas em termos ecológicos.

O retorno das ovelhas soltas como ferramenta de engenharia ecológica

Foi diante desse cenário que surgiu a decisão de trazer ovelhas soltas de volta às montanhas como “engenheiras da natureza”.

Em meados dos anos 2000, projetos como o Ala Plus, apoiados por programas ambientais europeus, começaram a recompor rebanhos e restabelecer o ciclo de subida e descida sazonal nas encostas dos Cárpatos.

A lógica era simples e tecnicamente robusta.

Ovelhas não funcionam apenas como “cortadores de grama vivos”. Com focinho pequeno e lábios ágeis, elas selecionam brotos e arbustos invasores que sufocam as gramíneas nativas, abrindo espaço para o renascimento de pastagens tradicionais.

A cada passo, suas patas atuam como microarados, revolvendo levemente a camada superficial do solo, facilitando a infiltração de água e oxigênio e reativando comunidades de microrganismos essenciais para o ciclo de carbono e nitrogênio.

O esterco rico em nitrogênio, fósforo e potássio funciona como fertilizante orgânico de liberação gradual, reconstruindo a fertilidade sem insumos químicos.

Sementes grudadas na lã e nos cascos transformam o rebanho em um sistema móvel de dispersão, carregando espécies nativas de um vale a outro.

Em poucos anos, o efeito combinado desse pastoreio manejado fez pastagens renascerem, reduziu a temperatura do solo e reabriu nichos para polinizadores, insetos raros e aves de campo.

Cultura, tradição e restauração caminhando juntas

A recuperação ambiental não foi apenas técnica. A volta das ovelhas soltas às paisagens de montanha reativou rituais, ofícios e identidades.

O antigo rito da migração de primavera, com rebanhos subindo as encostas adornados com sinos, voltou a ser celebrado.

Idosos pastores passaram a atuar como mestres e conselheiros, escolas criaram cursos de pastoreio ecológico e universidades passaram a medir, com rigor científico, o impacto dessa volta sobre fauna, flora e água.

O reconhecimento internacional veio quando o pastoreio tradicional dos Cárpatos foi classificado como patrimônio cultural imaterial, conectando diretamente cultura e gestão ambiental.

Em termos de política pública, o recado foi claro: a mesma prática que construiu paisagens históricas também é capaz de recuperá-las quando bem planejada e monitorada.

Ovelhas soltas em usinas solares e até em aeroportos

Com os resultados nas montanhas, a lógica das ovelhas soltas como solução de manejo foi estendida para outros cenários.

Em áreas de energia solar, grandes campos de painéis passaram a receber rebanhos em vez de máquinas e herbicidas.

As ovelhas mantêm a vegetação baixa, ajudam a reter umidade no solo e evitam sombreamento excessivo que reduziria a eficiência dos módulos.

Esse modelo, conhecido como agrivoltaica, reduziu custos de manutenção, melhorou a performance dos painéis e preservou o solo como ambiente vivo.

Em diversos países, milhares de ovelhas passaram a integrar rotinas de usinas solares, cuidando de hectares de infraestrutura energética com intervenção mínima de máquinas.

Até aeroportos adotaram rebanhos em áreas de segurança operacional.

Em campos próximos às pistas, ovelhas ajudam a controlar a vegetação, preservar a visibilidade e reduzir a presença de outras espécies que poderiam aumentar o risco de colisão com aeronaves.

O que parecia improvável se tornou parte da rotina: hubs de alta tecnologia apoiados por rebanhos pacíficos fazendo o trabalho de manutenção ecológica com precisão e custo reduzido.

O que a Europa ensina ao mundo com suas ovelhas soltas

O caso europeu mostra que ovelhas soltas podem ser tratadas como infraestrutura verde, não apenas como parte da agropecuária tradicional.

Ao integrar conhecimento ancestral, monitoramento moderno e desenho de políticas públicas, a região conseguiu recuperar pastagens, elevar o nível de água no subsolo, reduzir erosão e trazer de volta espécies que haviam desaparecido.

Mais do que um projeto isolado, essa experiência aponta para um modelo de restauração em que soluções baseadas na natureza competem em eficácia com megaprojetos de engenharia pesada, muitas vezes com custos mais baixos, risco reduzido e forte apoio social.

Em vez de substituir a tecnologia, essas iniciativas mostram que ela pode trabalhar em parceria com ciclos biológicos bem compreendidos e manejados.

No fim, a pergunta que fica é simples e poderosa: se milhares de ovelhas soltas conseguiram reverter décadas de degradação em apenas 10 anos, o que outros territórios poderiam fazer ao combinar tradição, ciência e planejamento de longo prazo?

Fonte: CPG

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