Imagine que você seja um pássaro de 15 gramas de peso e cinco centímetros de altura que se alimenta de insetos e que esteja ciscando em busca de alimento na penumbra da floresta tropical da Costa Rica. De repente, avista um par de olhos esbugalhados, e faz uma pausa momentânea para avaliar do que se trata.
Se aqueles olhos pertencessem a uma cobra, a curta pausa para estudo significaria que o pássaro teria virado jantar. Mas a face que ele está contemplando não é a de uma cobra, e sim a crisálida de uma borboleta xadrez. A semelhança pode parecer quase sobrenatural – mas, como os fatos indicam, o disfarce está longe de ser único.
Em determinada área da Costa Rica, uma equipe de pesquisadores comandada por Daniel Janzen e Winnie Hallwachs, da Universidade da Pensilvânia, e John Burns, do Museu Nacional Smithsonian de História Natural, descobriu centenas de espécies de mariposas e borboletas cujas lagartas ou crisálidas exibem padrões falsos de olhos e faces que imitam cobras, lagartos e outros animais.
Em estudo publicado esta semana pela revista Proceedings of the National Academy of Sciences, os pesquisadores propõem que essa pletora de padrões falsificados tenha evoluído a fim de explorar o instinto inato dos pássaros a evitar possíveis predadores.
A ideia representa uma nova reviravolta nos estudos quanto ao bem conhecido fenômeno da imitação e camuflagem animal. Inicialmente descrito pelo estudioso britânico Henry Walter Bates na década de 1860, o conceito original sobre essa característica era o de que espécies inofensivas e que costumam servir de comida a agressores desenvolviam a capacidade de se proteger contra os predadores ao ganhar a aparência de outras espécies, de sabor nocivo ou desagradável.
Bates presumiu que para que esse mecanismo pudesse funcionar da maneira necessária, os potenciais predadores precisavam aprender que presas, em sua área de atuação, deveriam ser evitadas. E as potenciais presas -digamos, por exemplo, uma grande e colorida borboleta adulta – precisavam ganhar semelhança estreita com a espécie inedível que estão imitando. Mas quando surgem encontros mortíferos com outras espécies, pode não haver segunda chance, ou qualquer oportunidade de aprendizado.
Portanto, a seleção natural tenderia a favorecer o reconhecimento instantâneo e respostas rápidas e instintivas, em caso de encontros diretos com potenciais perigos. Criaturas inofensivas que tenham desenvolvido uma forma genérica de semelhança para com uma variedade qualquer de criaturas a serem evitadas (olhos, padrões de escama) ganhariam, com isso, alguma proteção.
Janzen e seus colegas catalogaram uma deliciosa variedade de padrões oculares notáveis e falsos, reproduzidos nas extremidades traseiras de lagartas e dianteiras de crisálidas.
Os resultados de seu trabalho e as avaliações que ele permitiu são produto de um estudo em longo prazo, mas iniciado um tanto ao acaso, quanto aos animais que ocupam a Area de Conservación Guanacaste, ou AGC, uma reserva natural no noroeste de 1978.
Tudo começou em 1978, quando Janzen quebrou algumas costelas ao cair em uma ravina enquanto conduzia estudos de campo na região. A estrada para o hospital era difícil demais para que pudesse percorrê-la com as suas fraturas, e por isso ele imobilizou a região afetada e se restringiu a uma cadeira no acampamento por um mês.
Já que não podia explorar a floresta tropical, o pesquisador não demorou muito a se irritar com a inatividade forçada. A estação de campo do projeto só contava com duas horas de eletricidade a cada noite, e a energia oferecida bastava apenas para acionar uma lâmpada de 25 watts. Felizmente para Janzen, 1978 foi um ano excelente para as mariposas, e a luz fraca da lâmpada as atraía em grande número. Por isso, ele decidiu dedicar a pausa forçada à criação de uma coleção de mariposas.
Quando se recuperou o bastante para retomar suas caminhadas pela floresta tropical, descobriu que o ano também era muito propício às lagartas. O desafio era identificar quais das múltiplas espécies diferentes de lagartas se referia a que espécie de mariposa ou borboleta. Agora aos 71 anos, Janzen me contou, da mesma estação de trabalho de campo 32 anos mais tarde, que “minha insanidade privada era a de identificar todas as espécies antes que eu morresse”.
Para realizar esse objetivo, ele teve de estabelecer um sistema para a coleta de lagartas, sob o qual cada espécime era fotografado e se desenvolvia até a vida adulta sob observação, o que permitia identificar cada espécie – metade das quais não haviam sido descritas cientificamente até ali. Janzen deu início ao trabalho sozinho, mas logo recebeu a adesão de sua mulher, Hallwachs, cuja especialidade inicial eram os roedores mas passou a concentrar seu trabalho nas lagartas. A operação continua ativa até hoje, 365 dias por ano, com a ajuda de 33 assistentes costarriquenhos treinados.
Em uma área de 197 quilômetros quadrados, a equipe estudou mais de 450 mil lagartas. Até alguns poucos anos atrás, eles haviam conseguido identificar mais de 12 mil espécies. Nos últimos anos, o total disparou para 15 mil espécies, quando a equipe descobriu, por meio da tipificação de DNA, ou “código de barras genético”, que muitas das espécies na verdade eram compostas por múltiplas espécies distintas – em um caso específico, 11 delas. O número total de espécies identificado apenas nessa região equivale ao total de espécies de mariposas e borboletas estimado para a América do Norte.
Com a chegada de lagartas e crisálidas à estação de campo em número superior a 100 ao dia, Janzen começou a discernir uma tendência. Nas espécies pertencentes a muitos grupos diferentes, ele via que lagartas e crisálidas portavam toda espécie de marcas em forma de olhos, em esquemas de cor variados, com pupilas redondas ou em fenda. A variedade de padrões sugeria que os insetos não precisam reproduzir exatamente a aparência de um predador específico, para que a artimanha funcione.
Além disso, os comportamentos distintos das muitas lagartas, quando manuseadas, sublinham que o objetivo básico do jogo era assustar as diversas espécies de pássaros devoradores de insetos que se alimentam nas florestas enevoadas da área de conservação. Alguns dos padrões oculares se tornam visíveis apenas quando as lagartas são incomodadas e se expandem por porções maiores de seus corpos, e alguns espécimes maiores rebolavam e deslizavam como cascaveis.
Janzen e seus colegas estimam que um pássaro típico em busca de alimentação na área deve encontrar dezenas de insetos que apresentam padrões oculares falsos a cada dia. É improvável que um pássaro que venha a encontrar espectro tão diversificado de padrões seja capaz e discernir que padrões específicos podem ser atacados de forma seguro e que padrões representam ameaça real, especialmente porque basta um erro para que ele termine devorado. O melhor, portanto, é ignorar os espécimes suspeitos e continuar à caça.
Por dois séculos, os naturalistas vêm tentando catalogar e compreender a deslumbrante diversidade da vida, especialmente na forma encontrada em regiões tropicais. E novas percepções importantes muitas vezes surgem da proposição de perguntas simples – por exemplo, “por que uma das pontas dessa pequena lagarta leva jeito de cobra?”
Mas a resposta a esse tipo de pergunta requer identificar muito mais criaturas, e compreender onde e de que maneira vivem. E isso, por sua vez, requer um tipo especial de ser humano, disposto a viver longe do conforto de casa e ávido por passar 32 anos contemplando 450 mil insetos.
Fonte: Terra