Mais de 20% dos oceanos globais passaram por um escurecimento significativo nas últimas duas décadas, reduzindo drasticamente a profundidade das zonas fóticas — as camadas iluminadas pelo sol que são essenciais para a maioria das formas de vida marinha.
Impulsionada por fatores como o excesso de nutrientes e as mudanças climáticas, essa transformação pode desestabilizar ecossistemas sensíveis, forçar organismos dependentes da luz a se concentrarem em áreas mais rasas e até ameaçar nossa dependência dos oceanos para oxigênio, alimento e regulação do clima.
Escurecimento dos oceanos: um fenômeno global em expansão
Novas pesquisas revelam que mais de 20% dos oceanos do mundo — o equivalente a mais de 75 milhões de quilômetros quadrados — estão ficando mais escuros desde o início dos anos 2000. Essa mudança em larga escala tem levantado preocupações entre cientistas sobre os impactos potenciais para a vida marinha e a saúde do planeta.
O fenômeno, conhecido como escurecimento dos oceanos, ocorre quando a clareza da água diminui, reduzindo a profundidade da zona fótica — a camada iluminada pela luz solar onde vive a maior parte da biodiversidade marinha. Essa zona é fundamental para organismos como o plâncton, os peixes e até para o papel do oceano na regulação do clima global.
Satélites revelam tendências preocupantes
Para detectar essas mudanças, os cientistas analisaram quase 20 anos de dados de satélite combinados com modelagem computacional avançada. A análise, publicada em 27 de maio na revista Global Change Biology, mostrou que entre 2003 e 2022, grandes áreas costeiras e oceânicas ficaram mais escuras — ou seja, a luz solar penetra menos na água.
Mais impressionante ainda: em mais de 9% do oceano — uma área maior que o continente africano — a zona fótica se retraiu mais de 50 metros. Em algumas regiões, essa profundidade diminuiu em mais de 100 metros. No entanto, nem todas as áreas seguiram essa tendência: cerca de 10% dos oceanos, na verdade, ficaram mais claros no mesmo período.
Vida marinha em risco
Embora as implicações exatas dessas mudanças ainda não sejam totalmente compreendidas, os pesquisadores alertam que elas podem impactar inúmeras espécies marinhas e os serviços ecossistêmicos que os oceanos fornecem à humanidade.
O estudo foi conduzido por cientistas da Universidade de Plymouth e do Laboratório Marinho de Plymouth, que há mais de uma década investigam os impactos da luz artificial noturna (ALAN) nas zonas costeiras e oceânicas.
Segundo eles, embora ALAN não esteja diretamente relacionada ao escurecimento dos oceanos, os fatores que contribuem para esse fenômeno incluem o aumento de sedimentos, matéria orgânica e nutrientes nas águas costeiras — geralmente resultado do escoamento agrícola e do aumento das chuvas. Já em mar aberto, as causas mais prováveis são alterações nas dinâmicas de florações de algas e nas temperaturas da superfície do mar, que têm reduzido a penetração da luz.
Um alerta para a saúde dos oceanos
O Dr. Thomas Davies, professor associado de Conservação Marinha na Universidade de Plymouth, comentou:
“Já existem estudos mostrando que a superfície do oceano mudou de cor nos últimos 20 anos, possivelmente devido a alterações nas comunidades de plâncton. Mas nossos resultados fornecem evidências de que essas mudanças causam escurecimento em larga escala, reduzindo o espaço disponível para organismos que dependem da luz solar e lunar para sobreviver e se reproduzir. Nós também dependemos dessas zonas iluminadas para o ar que respiramos, os peixes que comemos, o combate às mudanças climáticas e o bem-estar do planeta. Por tudo isso, nossos achados são motivo real de preocupação.”
Concorrência acirrada e colapso de ecossistemas
O professor Tim Smyth, chefe de Biogeoquímica Marinha e Observações no Laboratório Marinho de Plymouth, acrescentou:
“O oceano é muito mais dinâmico do que geralmente se reconhece. Por exemplo, sabemos que os níveis de luz na coluna d’água variam bastante ao longo de 24 horas, e os animais cujos comportamentos são influenciados pela luz são extremamente sensíveis a essas variações.
Se a zona fótica está diminuindo cerca de 50 metros em grandes extensões do oceano, os organismos que dependem da luz serão forçados a se mover para camadas mais superficiais, onde terão que competir por alimento e recursos. Isso pode desencadear mudanças fundamentais em todo o ecossistema marinho.”
Ferramentas da NASA rastreiam a luz nos oceanos
Para medir as mudanças na zona fótica, os pesquisadores utilizaram dados do Ocean Colour Web da NASA, que divide os oceanos do mundo em pixels de 9 km. Com isso, foi possível observar alterações na superfície do oceano em alta resolução.
Um algoritmo especializado mediu a profundidade da luz em cada local. Modelos de irradiação solar e lunar também foram usados para identificar mudanças específicas que possam impactar espécies marinhas tanto durante o dia quanto à noite — revelando que, embora as mudanças noturnas sejam menores, ainda têm relevância ecológica.
Regiões críticas sob transformação
As mudanças mais significativas na profundidade da zona fótica em mar aberto foram registradas no topo da Corrente do Golfo e nas regiões do Ártico e Antártica — áreas que já enfrentam alterações climáticas intensas.
O escurecimento também é comum em regiões costeiras e mares semi-fechados, como o Mar Báltico, onde o escoamento terrestre carrega nutrientes e sedimentos, estimulando o crescimento de plâncton e dificultando a penetração da luz.
Tendências variadas no Reino Unido
No entorno do Reino Unido, os resultados foram diversos. A pesquisa mostrou que áreas do Mar do Norte, Mar Céltico, leste da Inglaterra e da Escócia, litoral do País de Gales e o norte do Mar da Irlanda ficaram mais escuras nas últimas duas décadas.
Por outro lado, o Canal da Mancha e regiões do norte da Escócia até as ilhas Órcades e Shetland apresentaram um aumento na claridade das águas.
Traduzido de SciTech Daily.