De cada vez que uma ave embate numa superfície envidraçada, espelhada ou transparente, as probabilidades de não sobreviver são elevadíssimas. Em mais de oito em cada dez casos, o acidente é fatal, revela uma investigação de ciência-cidadã promovida pela Sociedade Portuguesa Para o Estudo das Aves (SPEA).
O fenómeno é alarmante tendo em conta que estas armadilhas estão por todo o lado nas nossas cidades: edifícios ou pontes envidraçados, vedações transparentes que protegem esplanadas e varandas, campos de padel, abrigos de paragens de autocarro, barreiras sonoras, entre tantos outros separadores de vidro ou acrílico usados nos espaços urbanos.
“As aves veem o reflexo da paisagem e não se apercebem que há ali um obstáculo até ser tarde demais.” – Hany Alonso, SPEA
A colisão com superfícies transparentes ou espelhadas é uma das principais causas de mortalidade não-natural de aves em todo o mundo. Só nos Estados Unidos, um dos poucos países com uma monitorização montada à escala nacional, estima-se que mais mil milhões de aves morram anualmente, vítimas destes acidentes.
Monitoramento pioneiro em Portugal
Os casos, embora também muito comuns em Portugal, não foram ainda alvo de estudos aprofundados. Esse é o motivo por que a Sociedade Portuguesa Para o Estudo das Aves lançou, em setembro de 2023, uma iniciativa de ciência-cidadã para investigar a dimensão desta ameaça no território continental e nas regiões autônomas.
O programa consistiu em disponibilizar, durante um ano, um formulário online, onde os cidadãos foram convidados a reportar as colisões observadas e as aves mortas que suspeitassem ter sofrido um acidente desta natureza. O intuito foi fazer uma caracterização preliminar desta realidade, fornecendo os primeiros dados sobre o impacto destas colisões na avifauna portuguesa.
Com base nos dados recolhidos, a SPEA registou 89 incidentes envolvendo 124 aves de 29 espécies diferentes. A estes números, os técnicos da organização juntaram informações de outras fontes, concluindo que, pelo menos 47 espécies de aves em Portugal já terão sofrido embates contra superfícies transparentes ou espelhadas.
As espécies com o maior número de mortes registadas pelos cientistas-cidadãos foram o pardal, o papa-moscas-preto e o melro. Algumas espécies parecem ser particularmente sensíveis a esta ameaça. A morte por colisão corresponde a uma percentagem significativa da mortalidade não-natural do guarda-rios, do gavião e do papa-moscas-preto.
O perigo durante os voos migratórios
As aves migratórias estão também entre as espécies mais ameaçadas. Este tipo de ocorrência, aliás, não é totalmente estranho para nós. Basta recordar os vários relatos que vão surgindo na imprensa internacional, denunciando a mortandade em massa de milhares de aves.
Em junho deste ano, o jornal New York Times dava conta de mais de mil aves que morreram após uma colisão com um edifício espelhado no centro de Chicago. Em setembro deste ano, a ONG Sociedade de Observação de Aves de Hong Kong denunciou mais 280 aves mortas em colisões de janelas entre 2022 e 2023.
Também em Portugal as aves migradoras estão entre as mais afetadas. Além do papa-moscas-preto, outros como as toutinegras e felosas estão igualmente entre as principais espécies atingidas, segundo o relatório da SPEA.
Como evitar uma tragédia
Esta tragédia, no entanto, pode ser evitada ou, pelo menos, minimizada. “Uma parte significativa das colisões registadas aconteceram em janelas espelhadas de moradias”, refere o comunicado da organização. É por isso importante apontar para soluções.
Nas situações em as superfícies espelhadas ou transparentes já estão instaladas, recomenda-se o uso de autocolantes ou películas antiaderentes para tornar as barreiras visíveis aos olhos das aves. Esta solução, no entanto, só resulta se a camada protetora for colocada na face exterior e cobrir toda a área.
Os edifícios de grande dimensão necessitam de outro tipo de intervenção que pode ser executada com o apoio de técnicos especializados. O que também se propõe para estes casos são testes e monitorização para verificar a eficácia das medidas aplicadas.
Cuidar de uma ave em perigo
Os embates das aves contra obstáculos urbanos são cada vez mais frequentes e precisamos estar preparados para saber socorrer um pássaro em apuros. Se, porventura, encontrar uma ave ferida, após uma colisão, siga estas cinco recomendações da National Audubon Society, ONG nova-iorquina de conservação da natureza.
- Procure por sinais de vida
Se a ave está inconsciente, toque suavemente nas suas pernas. No caso de observar um movimento é porque o pássaro ainda está vivo.
- Manuseie com cuidado
Aproxime-se lentamente, por trás, para não o assustar. Coloque-o num saco de papel ou numa caixa de sapatos forrada com jornais, toalhetes secos ou uma fronha de algodão.
Se estiver longe de casa, coloque a ave num bolso grande para o aquecer.
- Peça ajuda a um profissional
Transporte a ave até um centro de recuperação de animais silvestres para que possa receber cuidados especializados. Um leigo não poderá reconhecer os sinais de múltiplas lesões em aves e não será capaz de prestar o tratamento adequado.
- Evite interagir com o animal
As vozes e os toques são perturbadores para as aves. Não deve também alimentá-los nem dar água. Deixe essas tarefas para um profissional.
- Tenha janelas anticolisão em casa
Torne os vidros das janelas mais seguros para as aves, usando uma caneta para vidro e uma régua para desenhar linhas verticais no exterior com 10 centímetros de distância. Embora menos eficaz, fechar os estores reduz também a probabilidade de colisões. Pode ainda desligar as luzes à noite durante o período de migração das aves.
Fonte: Tempo