A emergência climática não é mais uma ameaça futura, mas uma realidade que se impõe dolorosamente a bilhões de vidas em todo o mundo. Nas últimas décadas, eventos climáticos extremos – como tempestades, secas, ondas de calor e enchentes – se tornaram parte do “novo normal”, com implicações devastadoras e mudanças irreversíveis para as quais a Humanidade ainda precisa se adaptar.
Com frequência cada vez maior, relatórios das mais diferentes instituições de pesquisa buscam estimar os grandes números desses impactos. O mais recente, apresentado nesta semana pela ONG alemã Germanwatch, revela que, nos últimos 30 anos, quase 800.000 pessoas perderam suas vidas devido a eventos extremos, enquanto as perdas econômicas somaram impressionantes 4,2 trilhões de dólares ajustados pela inflação.
Entre 1993 e 2022, o mundo registrou mais de 9.400 desastres climáticos, com um impacto especialmente grave nas nações mais pobres e vulneráveis do chamado Sul Global, que historicamente menos contribuíram para as mudanças climáticas e enfrentam desafios econômicos, sociais e ambientais comuns, muitas vezes devido ao legado colonial.
Segundo o relatório da ONG alemã, países como China, Índia e Filipinas enfrentam constantes episódios de catástrofes, mas nações como Honduras, Mianmar e Vanuatu sofreram consequências ainda mais drásticas. Alguns países que sofrem repetidamente com tempestades intensas e outros desastres já tiveram perdas que superaram várias vezes o valor de seu PIB. É o caso da Dominica, atingida pelo furacão Maria em 2018, que causou danos de 1,8 bilhão de dólares, equivalente a 270% do PIB da nação.
Claro que as crise não escolhe fronteiras, como exemplificam também as perdas em países da União Europeia, como Itália, Espanha e Grécia, que figuram entre os dez mais atingidos no período analisado. Mas para as nações mais pobres, a adaptação aos impactos climáticos é um desafio que ultrapassa suas capacidades financeiras e técnicas. O efeito é dominó. “Estamos entrando em uma fase imprevisível da crise climática, que agravará conflitos, desestabilizará sociedades e comprometerá a segurança global”, alerta Laura Schaefer, chefe da Divisão de Política Climática Internacional da Germanwatch.
A fase crítica que o mundo enfrenta também se reflete na situação do Brasil, que sediará este ano a COP30, a reunião mais importante do clima da ONU. O relatório destaca, como exemplo, os incêndios devastadores nas florestas brasileiras em 2024, que, segundo o MapBiomas, cresceram 79%, superando os 30 milhões de hectares em todo o país, uma área maior que todo o território da Itália, atingindo em cheio Amazônia, Cerrado e Pantanal, biomas críticos para o equilíbrio climático.
Além disso, chuvas torrenciais e enchentes intensificadas pelas mudanças climáticas, associadas à falta de medidas preventivas, desalojaram cerca de 1 milhão de pessoas e causaram 251 óbitos, sendo a maioria no Rio Grande do Sul. Em 30 anos, eventos climáticos extremos ceifaram cerca 137 mil vidas no país e provocaram perdas de mais de 10 bilhões de reais, segundo o levantamento.
O relatório, que também detalha os impactos de ondas de calor severas na Itália, que causaram mais de 38.000 mortes entre 2003 e 2022, lembra que todos os países precisam aprimorar suas estratégias de enfrentamento. A adaptação, contudo, deve ser acompanhada de um esforço global para reduzir as emissões de gases do efeito estufa e manter o aquecimento global o mais próximo possível de 1,5°C.
O ano de 2024 já é o mais quente registrado na história. Com essa constatação, outro sinal vermelho vem a reboque: cientistas já alertam para o risco de ultrapassarmos a média de 1,5°C de aquecimento global consistentemente nos próximos anos, bem antes do final do século como se previa o Acordo de Paris. Com a janela de oportunidade para ação se fechando, a pergunta que fica é se as próximas cúpulas climáticas finalmente serão capazes de promover as mudanças necessárias.
A COP30, que acontecerá em Belém do Pará no final do ano, se apresenta como uma oportunidade crucial para reverter a inação global em relação à emergência climática e discutir a falta de financiamento para ajudar os países mais vulneráveis a se adaptarem e lidarem com perdas causadas pelos eventos extremos.
“Os países mais ricos precisam urgentemente intensificar suas ações de mitigação com novas contribuições nacionalmente determinadas para ficar abaixo ou o mais próximo possível do 1,5°C de aquecimento”, disse Lina Adil, assessora de política para Adaptação e Perda & Dano da Germanwatch e coautora do índice.
Mais do que uma emergência ambiental, o relatório destaca que a crise climática, provocada pela queima insaciável de combustíveis fósseis, torna-se cada vez mais uma questão de segurança global, e as consequências da inação tornarão os custos humanos e econômicos insustentáveis.
“Países ricos e emissores de grandes quantidades de gases de efeito estufa precisam entender a urgência de acelerar os esforços de mitigação”, instou David Eckstein, conselheiro sênior para Finanças Climáticas da Germanwatch e coautor do índice. Segundo ele, as perdas nos últimos 30 anos, de 4,2 trilhões de dólares, são comparáveis ao PIB da Alemanha. “Quanto menos investirmos agora em mitigação e adaptação, mais altos serão os custos humanos e econômicos no futuro”, cravou.
Fonte: Um Só Planeta