Ciclos viciosos estão acelerando as mudanças climáticas. Um deles está acontecendo no polo norte, onde o aumento das temperaturas, causado por níveis recordes de queima de combustíveis fósseis, está derretendo cada vez mais o gelo marinho.
De fato, a extensão do gelo marinho no Ártico durante o inverno, em março de 2025, foi a menor já registrada. Essa redução do gelo significa que a Terra reflete menos a energia do Sol de volta ao espaço. Ou seja, mais mudanças climáticas levam a menos gelo — e isso gera ainda mais mudanças climáticas.
O comportamento humano também não está imune a essa dinâmica, segundo um relatório recente da Agência Internacional de Energia (IEA). O documento identificou outro ciclo de retroalimentação preocupante: a demanda global por carvão aumentou 1% em 2024 devido a ondas de calor intensas na China e na Índia, o que provocou uma corrida por aparelhos de ar-condicionado e o uso excessivo de combustíveis para mantê-los funcionando.
A necessidade de nos refrescarmos — e escaparmos brevemente das consequências das mudanças climáticas — está, ironicamente, alimentando ainda mais essas mudanças. Felizmente, existem maneiras de quebrar esses ciclos e adotar hábitos mais sustentáveis. Hoje, vamos olhar para uma delas em especial.
O Sol pode refrescar você
“À medida que a crise climática se aprofunda, quase metade da população mundial tem pouca defesa contra o calor mortal”, diz Radhika Khosla, professora associada de sustentabilidade urbana da Universidade de Oxford.
“Ao mesmo tempo, a demanda energética para resfriamento — por parte de quem pode pagar — pode mais que dobrar até 2050.”
Se os países ricos pagassem a enorme dívida climática que devem ao mundo em desenvolvimento, isso poderia ajudar a financiar o fechamento dessa lacuna. E, felizmente, os avanços na tecnologia de energia renovável significam que ninguém deveria precisar contribuir para o aumento do uso de combustíveis fósseis apenas para se refrescar.
“A absurda ideia de recorrer ao carvão para alimentar aparelhos de ar-condicionado… é difícil de ignorar”, dizem engenheiros e especialistas em energia das universidades Nottingham Trent e Coventry, liderados por Tom Rogers. Eles recomendam o uso de painéis solares nos telhados, que podem absorver a luz solar durante as ondas de calor e transformá-la em eletricidade para os sistemas de refrigeração.
“Os painéis solares nos telhados também podem reduzir a demanda por resfriamento ao manter os prédios na sombra”, afirma a equipe. “Um estudo realizado pela Universidade Estadual do Arizona descobriu que até mesmo um conjunto modesto de painéis que sombreia cerca de metade de um telhado pode reduzir a demanda por resfriamento entre 2% e 13%, dependendo de fatores como localização, tipo de telhado e níveis de isolamento.”
É claro que os painéis solares são menos úteis para alimentar aparelhos de ar-condicionado à noite, quando muitas pessoas os ligam após o trabalho ou a escola.
“Pesquisadores na Austrália propuseram uma solução inteligente para lidar com esse desequilíbrio: programar os aparelhos de ar-condicionado para funcionarem em conjunto com os sistemas solares e pré-resfriarem os edifícios antes que as pessoas cheguem em casa”, acrescentam Rogers e seus colegas.
Existe um enorme potencial inexplorado para a geração de eletricidade a partir de painéis solares nos telhados — mesmo em lugares nublados como o Reino Unido. Isso poderia garantir que futuras ondas de calor sejam um impulso para a energia solar, não para o carvão.
“Considere as possibilidades em Nottingham e Coventry, duas cidades na região central da Inglaterra onde trabalhamos”, dizem eles.
“Se Nottingham aproveitasse ao máximo seu potencial nos telhados, todos esses painéis poderiam gerar quase 500 megawatts (MW) de eletricidade, o equivalente a uma usina a gás de médio porte. Coventry tem ainda mais potencial, com 700 MW.
“Essas capacidades representariam quase um terço da demanda elétrica de Nottingham e quase metade da de Coventry — apenas com os telhados.”
Círculos viciosos
A instalação de painéis solares nos topos de edifícios ao redor do mundo exigirá um grande investimento em equipamentos e treinamento. Também será necessário criar novas formas de incentivar a adoção dessa tecnologia e, como mencionado antes, redistribuir a riqueza para permitir que nações de baixa emissão — mas altamente vulneráveis — façam a transição.
Mas é provável que existam também círculos virtuosos, além dos viciosos. Uma vez que se cruza determinado limiar — como o preço e a capacidade das baterias, ou o número de residências com bombas de calor instaladas — entra em ação um “efeito dominó de mudanças rápidas”, de modo que alternativas sustentáveis passam rapidamente a ser o padrão.
No entanto, a perspectiva de harmonizar esses esforços entre fronteiras esbarra em uma tendência oposta. À medida que o mundo aquece, as relações entre as nações se tornam mais tensas, e guerras, disputas comerciais e conflitos internos obscurecem a ameaça universal representada pelas mudanças climáticas.
Os especialistas em riscos climáticos Laurie Laybourn e James Dyke, cientista do sistema terrestre — ambos da Universidade de Exeter — dizem que eventos climáticos extremos em 2022 causaram perdas agrícolas que encareceram os alimentos e impulsionaram as taxas de inflação. O cético climático Donald Trump tirou proveito desses preços altos na eleição dos EUA em 2024.
“O risco é que esse ‘círculo vicioso’ ganhe velocidade e acabe descarrilando nossa capacidade de eliminar os combustíveis fósseis com rapidez suficiente para evitar as piores consequências climáticas”, alertam eles.
No entanto, Laybourn e Dyke não são totalmente pessimistas. A história mostra que períodos de instabilidade e crise, como o que estamos vivendo, também oferecem terreno fértil para mudanças positivas, argumentam eles — e a chance de acelerar os círculos virtuosos.
“Por exemplo, das crises do período entre guerras e da devastação da Segunda Guerra Mundial surgiram proteções legais para os direitos humanos, sistemas universais de bem-estar social e a descolonização.”
Traduzido de The Conversation