Modelos climáticos são complexos, assim como o mundo que eles espelham. Eles simulam simultaneamente o fluxo caótico e interativo da atmosfera e dos oceanos da Terra e rodam nos maiores supercomputadores do mundo.
Críticas à ciência climática, como o relatório preparado este ano pelo Departamento de Energia dos EUA, costumam apontar essa complexidade como sinal de incerteza, sugerindo que os modelos seriam pouco úteis para explicar o aquecimento atual ou prever o futuro.
Mas a história da ciência climática conta uma história diferente.
Os primeiros modelos climáticos fizeram previsões específicas sobre o aquecimento global décadas antes que essas previsões pudessem ser comprovadas ou refutadas. E quando as observações chegaram, os modelos estavam certos. As previsões não eram apenas sobre o aquecimento médio global – elas também previam padrões geográficos de aquecimento que só hoje conseguimos observar.
Essas primeiras previsões, que começaram na década de 1960, nasceram em grande parte de um único e um tanto obscuro laboratório do governo nos arredores de Princeton, Nova Jersey: o Geophysical Fluid Dynamics Laboratory. E muitas das descobertas trazem as impressões digitais de um modelador climático particularmente presciente e persistente, Syukuro Manabe, que recebeu o Prêmio Nobel de Física de 2021 por seu trabalho.
Os modelos de Manabe, baseados na física da atmosfera e do oceano, previram o mundo que vemos agora e, ao mesmo tempo, traçaram as bases para os modelos climáticos atuais e sua capacidade de simular nosso clima em grande escala. Embora modelos climáticos tenham limitações, é esse histórico de sucesso que nos dá confiança para interpretar as mudanças que estamos vendo agora, bem como para prever as que estão por vir.
Previsão 1: Aquecimento global causado pelo CO2
A primeira tarefa de Manabe na década de 1960 no U.S. Weather Bureau, em um laboratório que viria se tornar o Geophysical Fluid Dynamics Laboratory, foi modelar com precisão o efeito estufa – mostrar como os gases do efeito estufa retêm o calor na atmosfera da Terra. Sem esse efeito, os oceanos congelariam. Essa foi a primeira etapa fundamental para a criação de um modelo climático confiável.
Para testar seus cálculos, Manabe criou um modelo climático muito simples. Ele representava a atmosfera global como uma única coluna de ar e incluía os principais componentes do clima, como a incidência de luz solar, a convecção de tempestades e seu modelo de efeito estufa.
Os resultados das simulações de aquecimento global de coluna única de Manabe em 1967 mostram que, à medida que o dióxido de carbono (CO2) aumenta, a superfície e a atmosfera inferior aquecem, enquanto a estratosfera esfria. Syukuro Manabe e Richard Wetherald, 1967
Apesar de sua simplicidade, o modelo reproduziu muito bem o clima geral da Terra. Além disso, ele mostrou que a duplicação das concentrações de dióxido de carbono na atmosfera faria com que o planeta esquentasse cerca de 5,4 graus Fahrenheit (3 graus Celsius).
Essa estimativa da sensibilidade climática da Terra, publicada em 1967, permaneceu essencialmente inalterada nas muitas décadas desde então e capta a magnitude geral do aquecimento global observado. Neste momento, o mundo está aproximadamente na metade do caminho para dobrar o dióxido de carbono atmosférico e a temperatura global subiu cerca de 1,2º C (2,2º F), bem próximo do que Manabe previu.
Outros gases de efeito estufa, como o metano, bem como a resposta tardia do oceano ao aquecimento global, também afetam o aumento da temperatura, mas a conclusão geral permanece inalterada: Manabe acertou em cheio na sensibilidade climática da Terra.
Previsão 2: Resfriamento da estratosfera
A superfície e a atmosfera inferior do modelo de coluna única de Manabe aqueceram com o aumento das concentrações de dióxido de carbono mas, o que foi uma surpresa na época, a estratosfera esfriou no modelo.
As temperaturas nessa região superior da atmosfera, entre aproximadamente 7,5 e 31 milhas (12 e 50 km) de altitude, são regidas por um equilíbrio delicado entre a absorção da luz solar ultravioleta pelo ozônio e a liberação de calor radiante pelo dióxido de carbono. Aumentando o dióxido de carbono, a atmosfera retém mais calor radiante perto da superfície, mas na verdade libera mais calor radiante da estratosfera, fazendo com que ela esfrie.
Esse resfriamento da estratosfera foi detectado ao longo de décadas de medições por satélite e é uma impressão digital distinta do aquecimento impulsionado pelo dióxido de carbono, já que o aquecimento por outras causas, como mudanças na radiação solar ou ciclos do El Niño, não produz resfriamento estratosférico.
Previsão 3: Amplificação no Ártico
Manabe usou seu modelo de coluna única como base para um protótipo de modelo quase global, que simulou apenas uma fração do globo. Ele também simulou apenas os cerca de 100 metros superiores do oceano e negligenciou os efeitos das correntes oceânicas.
Em 1975, Manabe publicou simulações de aquecimento global com esse modelo quase global e novamente encontrou resfriamento estratosférico. Mas ele também fez uma nova descoberta – que o Ártico se aquece significativamente mais do que o resto do globo, por um fator de duas a três vezes.
Essa “amplificação no Ártico” acabou sendo uma característica robusta do aquecimento global, sendo vista nas observações atuais e em simulações subsequentes. Além disso, um Ártico em aquecimento significa um declínio na quantidade de gelo marinho no Ártico, que se tornou um dos indicadores mais visíveis e dramáticos de um clima em mudança.
Previsão 4: Contraste terra-oceano
No início da década de 1970, Manabe também estava trabalhando para acoplar seu modelo atmosférico a um modelo dinâmico inédito de todo o oceano mundial criado pelo oceanógrafo Kirk Bryan.
Por volta de 1990, Manabe e Bryan usaram esse modelo acoplado de atmosfera e oceano para simular o aquecimento global em uma geografia continental realista, incluindo os efeitos da circulação oceânica completa. Isso levou a uma série de novas percepções, incluindo a observação de que a terra firme geralmente aquece mais do que o oceano, por um fator de cerca de 1,5.
Assim como na amplificação no Ártico, esse contraste terra-oceano pode ser verificado no aquecimento observado. Ele também pode ser explicado a partir de princípios científicos básicos e é mais ou menos análogo à forma como uma superfície seca, como um pavimento cimentado, aquece mais do que uma superfície umidecida, como o solo exposto, em um dia quente e ensolarado.
O contraste tem consequências para os habitantes da terra firme, como nós, pois cada grau de aquecimento global será amplificado.
Previsão 5: Atraso no aquecimento do Oceano Antártico
Talvez a maior surpresa dos modelos de Manabe tenha vindo de uma região sobre a qual a maioria de nós raramente pensa: o Oceano Antártico.
Essa vasta e remota massa de água circunda a Antártica e tem fortes ventos do leste que a atravessam sem impedimentos devido à ausência de massas de terra nas latitudes médias do sul. Esses ventos puxam continuamente as águas profundas do oceano para a superfície.
Os ventos em torno da Antártica contribuem para a ressurgência da água fria de profundidade que mantém o Oceano Antártico mais frio ao mesmo tempo que leva nutrientes para a superfície. NOAA
Manabe e seus colegas descobriram que o Oceano Antártico aqueceu muito lentamente quando as concentrações de dióxido de carbono atmosférico aumentaram, porque as águas superficiais estavam sendo continuamente reabastecidas por essas águas abissais, que ainda não haviam aquecido, subiam para a superfície.
Esse aquecimento retardado do Oceano Antártico também é visível nas observações de temperatura.
O que tudo isso significa?
Analisando o trabalho de Manabe mais de meio século depois, fica claro que mesmo os primeiros modelos climáticos captaram as linhas gerais do aquecimento global.
Os modelos de Manabe simularam esses padrões décadas antes de serem observados: A amplificação do aquecimento no Ártico foi simulada em 1975, mas só foi observada com confiança em 2009, enquanto o resfriamento estratosférico foi simulado em 1967, mas definitivamente observado apenas recentemente.
Os modelos climáticos têm suas limitações, é claro. Por exemplo, eles não podem prever mudanças climáticas regionais tão bem quanto as pessoas gostariam. Mas o fato de a ciência climática, como qualquer outro campo, ter incógnitas significativas não deve nos cegar para o que sabemos.
Fonte: Ecoa