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SOLIDARIEDADE

Cientista está tentando salvar os hamsters em meio a guerra da Ucrânia

Mikhail Rusin é, possivelmente, o maior defensor de hamsters do mundo.

24 de outubro de 2025
Marti Trgovich
10 min. de leitura
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Foto: Mikhail Rusin

Em Fevereiro de 2023, enquanto mísseis de cruzeiro atingiam cidades desde Kherson a Kiev, Mikhail Rusin ficou sem aquecimento, nem eletricidade na sua casa, na capital da Ucrânia, durante quase uma semana. As temperaturas mínimas noturnas pairavam em torno dos 10 graus Celsius negativos. Era mais uma das adversidades da guerra e, embora ele estivesse preocupado consigo e com a sua família, também estava preocupado com os seus hamsters, que viviam no Jardim Zoológico de Kiev. Os hamsters encontravam-se em gaiolas numa sala escura, em hibernação. Apesar de costumarem tolerar bem o frio, se as suas temperaturas corporais descessem demasiado, poderiam não recuperar.

Rusin, um biólogo de 41 anos que dirige o programa de criação de hamsters-europeus no jardim zoológico, é, possivelmente, o maior defensor destes roedores em vias de extinção, nativos de 23 países, desde França ao Cazaquistão.

Os hamsters-europeus não devem ser confundidos com os hamsters domésticos, que são nativos da Síria e da Turquia. Para começar, são muito maiores, chegando a pesar o triplo, e mais aguerridos. Imagine um hamster doméstico, “mas do tamanho de um porquinho-da-Guiné e com péssimo feitio”, diz Julie Fleitz, especialista em hamsters do Centro Nacional Francês de Investigação Científica. Quando provocados, erguem-se sobre as patas traseiras para lutar. Não há muito que os assuste. “Podem atacar cães e outros predadores maiores do que eles”, diz Rusin.

No entanto, apesar de toda a sua tenacidade, estes hamsters enfrentam dificuldades. A IUCN, que avalia o risco de extinção dos animais em todo o mundo, classifica o hamster-europeu como em vias de extinção. E na Ucrânia, a espécie figura no Livro Vermelho, a lista nacional de animais raros e vulneráveis.

Devido à diminuição do seu número, Rusin cria hamsters no âmbito do programa de conservação do jardim zoológico e liberta-os posteriormente na Estepe de Tarutino, uma ampla pradaria situada no sudoeste da Ucrânia, junto a Odessa.

Espantosamente, Rusin liberta hamsters todos os anos desde 2020– fê-lo durante a pandemia da COVID-19 e depois da guerra, que começou em 2022. Nesse mesmo período, Rusin viu amigos partirem para combater e voltarem feridos. Viu os destroços de drones russos interceptados caírem no jardim zoológico. E perdeu os seus rendimentos durante meio ano em 2022, quando o jardim zoológico – ainda a recuperar das baixas receitas de bilheteira de 2020 – voltou a perder os visitantes (e o seu dinheiro) devido à guerra.

Mesmo assim, ele continuou a trabalhar com os hamsters. “Algumas pessoas pensam que estamos a desperdiçar recursos [nos hamsters],” diz, em vez de gastarmos o dinheiro da conservação em drones militares. Para ele, porém, não se trata de uma coisa ou outra – nem para os muitos salvadores de hamsters voluntários que ele inspirou. No meio da guerra, diz ele, “é aqui que encontro a minha paz interior”.

A luta dos hamsters da Ucrânia

Mesmo sem os desafios impostos pela guerra, a ressurgência do hamster-europeu selvagem não seria fácil. O Livro Vermelho diz que existem poucos milhares de hamsters na Ucrânia.

Eles povoaram a região desde a última era glaciar, mas em meados do século XX, meio milhão de hamsters eram caçados todos os anos devido ao seu pelo. Em seguida, as monoculturas privaram os hamsters da sua diversidade alimentar, sobretudo na região oriental da Ucrânia. Quando os hamsters despertavam da sua hibernação anual, encontravam os campos arados, nada para comer e poucos sítios onde se esconderem dos predadores. E agora, grande parte do habitat que lhes restava foi destruído pela guerra.

O seu domínio, que outrora se estendeu desde França até à região oriental da Rússia, diminuiu dramaticamente – 94 por cento em França e 74 por cento na Alemanha, na Polónia e na Ucrânia, diz Fleitz. Quando os hamsters morrem, o ambiente sofre. Falcões, raposas, toirões e outros predadores dependem deles com fonte de alimento.

Em 2019, Rusin foi convidado para dirigir o programa de criação no Jardim Zoológico de Kiev, depois de o diretor do jardim zoológico ter tomado conhecimento de um programa semelhante na Alemanha e pretender imitá-lo. Quando o jardim zoológico o contatou, Rusin era o único doutorado da Ucrânia especializado no hamster. Passado um ano, chegou a COVID-19. Nessa Primavera, “entrámos em confinamento e era proibido deslocarmo-nos na cidade”, diz Rusin. Ele teve de obter uma licença do governo para ir trabalhar e alimentar os hamsters.

Dois anos mais tarde, a Rússia invadiu a Ucrânia, esperando uma vitória rápida. Em vez disso, a guerra já dura há mais de três anos, com quase um milhão de soldados russos e meio milhão de soldados ucranianos mortos ou feridos, segundo o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais. Mais de 1.600 civis foram mortos na Ucrânia. Os mísseis e drones russos continuam a atacar Kiev, dizimando infra-estruturas e matando civis.

Os hamsters de Rusin conseguiram sobreviver ao Inverno brutal de 2023, embora o edifício onde vivem no jardim zoológico tenha ficado frequentemente sem aquecimento. No Verão seguinte, houve apagões e temperaturas abrasadoras em Kiev – e mais ataques por mísseis russos. No início de Julho, o hospital pediátrico de Okhmatdyt foi alvo de um ataque que dizimou a unidade de cuidados intensivos e as unidades de oncologia e cirurgia, ferindo dez crianças e matando dois adultos, incluindo um médico.

A um quilómetro de distância, no jardim zoológico, o calor abrasador anunciava um desastre para os hamsters. “As nossas instalações da altura não estavam preparadas”, diz Rusin. “Não tinham ventilação, nem eletricidade, nem ar-condicionado a funcionar.” Houve dias em que as temperaturas atingiram os 32 graus Celsius.

Muitos hamsters do jardim zoológico ficaram hipertérmicos e morreram, por isso, a equipa de Rusin transferiu os sobreviventes para uma cave inacabada, mas fresca, até estarem preparados para serem libertados. Pouco depois, porém, a equipa de Rusin teve de evacuar também esse local, exercendo pressão adicional sobre os pequenos corpos dos hamsters. “Os hamsters são muito vulneráveis ao stress”, diz ele, “e sofreram muitos ataques cardíacos”. Foi um golpe duro para Rusin, sobretudo quando ele e os seus colegas estavam a correr tantos riscos para conservar a espécie.

O trabalho de Rusin torna-se mais urgente a cada ano que passa. Muitas populações de hamsters desapareceram na região oriental da Ucrânia, onde tem ocorrido a maior parte da ação militar. “Houve alguns casos em que hamsters caíram nas trincheiras”, diz Rusin. “E depois houve casos em que os soldados enforcaram hamsters e outros animais selvagens. Infelizmente, as pessoas são cruéis com muita frequência, especialmente na guerra.

Lutando pelos hamsters na frente nacional

Rusin não se limita a salvar hamsters das consequências da guerra – também tem estado a educar os seus compatriotas ucranianos, na esperança de que se juntem aos esforços de conservação apesar de todas as dificuldades que enfrentam.

Os hamsters são considerados pragas na região ocidental da Ucrânia, onde são relativamente mais abundantes. As famílias dessa região cultivam frutos como morangos e legumes, e explica Rusin. “É um banquete para os hamsters”, criando “uma enorme tensão”.

Também pode ser difícil convencer os proprietários destas pequenas quintas ou hortas a participarem nos esforços de conservação. “Quando lhes dizemos que é uma espécie protegida, as pessoas ficam muito zangadas porque [dizem] ‘Vá lá, eles comem a nossa comida! Não vamos tolerar isto!”, dizem frequentemente os agricultores a Rusin. “Se gosta assim tanto de hamsters, vá buscá-los aos nossos campos”.

Então, Rusin decidiu fazer exatamente isso: realojar os hamsters num local seguro. Em 2023, iniciou um projecto paralelo chamado Centro de Resgate de Hamsters, que ensina voluntários a capturarem hamsters selvagens em pequenas hortas ou quintas. Em seguida, Rusin vai buscá-los e liberta-os na estepe.

Artur Shabliian é um desses voluntários. Para além do seu trabalho no Centro de Resgate, ele tem a sua própria clínica veterinária e centro de resgate de animais selvagens em Horishni Plavni, uma comunidade mineira no centro da Ucrânia. Ele admite que não dava grande importância ao hamster-europeu até começar a receber queixas das pessoas locais porque eles comiam os seus legumes. (Houve um aumento demográfico súbito dos hamsters no último ano ou dois — aquilo que Rusin chama um “surto”, embora os cientistas não saibam explicar por que aconteceu.)

Shabliian contatou Rusin na Primavera passada a oferecer ajuda e Rusin ensinou Shabliian a capturar os hamsters em segurança para poder realojá-los. Actualmente, Shabliian está a tratar de dois hamsters selvagens feridos na sua clínica voluntária, “ambos feridos por seres humanos”, diz, embora tenha esperanças na sua reabilitação e libertação. “Não podia recusar-me a salvar estes animais bebés indefesos, porque todas as vidas são importantes”, escreve ele em ucraniano. “Os animais selvagens são muito vulneráveis e sofrem com as pessoas em tempos de paz e mais ainda durante a guerra.”

“Se não fosse eu, quem seria?”

Atualmente, Rusin passa muito tempo a pensar sobre como poderá salvar ainda mais animais. Ele tem uma paixão por roedores como os hamsters porque acha que os esforços de conservação que lhes são dedicados são frequentemente subestimados em prol de animais mais majestosos e “extravagantes” como os ursos ou os elefantes. Mas porquê os hamsters em particular? “Em primeiro lugar, porque são fofos. Não lhe parece uma boa razão?”, pergunta. “Em segundo, se não fosse eu, quem seria?”

Criar e libertar os animais não é um trabalho simples. Rusin diz que nem todos os hamsters libertados sobrevivem, especialmente os que foram criados em cativeiro e não têm experiência de vida na natureza. Muitos são comidos por predadores como toirões e falcões.  “Com os animais pequenos, quando libertamos dez, talvez apenas três sobrevivam”, explica, o que não é suficiente para aumentar a população.

Para aumentar as taxas de sobrevivência, Rusin juntamente com voluntários e grupos como a Rewilding Ukraine, escavam tocas onde libertar os animais criados em cativeiro e tapam-nas com algo pesado – como um bloco de madeira ou uma garrafa cheia de terra – para que os hamsters tenham tempo de se aclimatarem à sua casa nova antes de se aventurarem na natureza.

Para além de serem comidos, outro risco enfrentado por estas criaturas aguerridas é lutarem entre si. “Não podemos pôr muitos animais numa área pequena. Eles vão lutar e matarem-se uns aos outros”, diz Rusin. Mas “se libertarmos apenas um animal, ele não conseguirá acasalar”.

Os esforços desenvolvidos por Rusin chamaram a atenção em toda a Ucrânia, em parte devido às suas publicações nas redes sociais. Viktor Ladynskyi, casado e pai de duas filhas gémeas com 12 anos, tornou-se voluntário no Centro de Resgate do Hamster depois de os encontrar no Facebook e tem vindo a mudar de ideias em relação aos animais.

“Reparei desde pequeno que os hamsters eram animais muito fofos e interessados, mas também… causavam muitos estragos nas terras agrícolas”, escreve Ladynskyi em ucraniano a partir da sua casa, em Tulova, uma pequena vila na região ocidental da Ucrânia, no sopé dos Cárpatos. Na comunidade de Ladynskyi, não é invulgar as pessoas envenenarem os hamsters, inundarem as suas tocas ou armadilharem-nos e matarem-nos. “Quase todos os aldeões o faziam”, afirma.

Certo dia, na Primavera passada, ele encontrou o Centro de Resgate do Hamster no Facebook. Contatou Rusin, que conduziu oito horas até Tulova, inspirado pela esperança de salvar a vida de alguns hamsters. Uma vez ali chegado, ensinou Ladynskyi a capturar os hamsters selvagens da sua comunidade de forma humana, a alimentá-los e a cuidar deles até poderem ser libertados.

“A minha Ucrânia está a passar por tempos muito difíceis”, disse Ladynskyi. Muitos dos homens da sua cidade estão combatendo na zona leste, incluindo dois sobrinhos de Ladynsky. Ladynskyi e a sua família já acolheram em sua casa 27 refugiados do leste da Ucrânia desde o início da guerra. Apesar disso, ele também se sente compelido a ajudar os hamsters. “As pessoas e os animais estão morrendo, as florestas estão desaparecendo, os campos estão sendo devastados, os rios estão sendo envenenados… chega a ser difícil imaginar e compreender os males terríveis que a guerra tem causado às pessoas, aos animais e a todo o ambiente.”

No entanto, as lutas entre os seres humanos não devem impedir o salvamento de uma espécie. “Apesar disto [dos problemas]”, diz ele, “continuamos a viver, a aprender e a proteger”.

Fonte: National Geographic

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