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Churrasco de jegue e apologia à "Festa do Peão de Barretos"

16 de agosto de 2016
5 min. de leitura
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Por Paula Brugger

Reprodução/AgoranaBahia, Divulgação
Reprodução/AgoranaBahia, Divulgação

Quem saiu domingo passado, 14 de agosto, para tomar um café e ler um jornal pode ter se deparado com o caderno “Cotidiano”, da Folha de São Paulo, no qual havia duas matérias que tiram do sério qualquer pessoa que tenha um mínimo de compaixão pelos animais não humanos.
Na matéria da página 02 estava estampada a manchete “Promotor propõe churrasco como solução para jumentos” e, na página 05, “Turista paga preço de viagem a NY para ver rodeio em Barretos”.O que há em comum nas duas matérias? Fora o evidente fato de que ambas são eivadas de ranço especista, elas destacam de forma marcante o aspecto econômico dos temas em pauta (não deveriam, então, estar em “Mercado”, em vez de “Cotidiano”?…).
Uma rápida análise de conteúdo da matéria sobre os jumentos revela uma série de termos e ideias associada unicamente ao valor instrumental do animal, sobretudo em seu aspecto pecuniário [1]. A matéria gira em torno do desejo de um promotor do Rio Grande do Norte em “recuperar o jumento como ator importante na economia local” (sic), em vez de deixar que este continue a ser o que chama de “um risco para motoristas”. A reportagem sugere que – uma vez que são hoje inservíveis como meios de transporte ou como “bestas de carga” – tais animais que foram impiedosamente explorados pelos humanos devam, mais uma vez na história, mostrar seu valor como objetos de uso. Para isso, acredita o promotor, devem ser chacinados para que se faça proveito de sua carne e outras partes de seus corpos (como suas peles, ou seja, o couro). Ele recomenda, ainda, a comercialização do leite das jumentas e seus derivados, o que inevitavelmente implica mais sofrimento para esses seres.
Embora a matéria mencione os protestos dos chamados “defensores dos direitos dos animais”, bem como a proibição desse abjeto fim (o “abate”) no que tange aos jumentos na Bahia, tal trecho é curto (ocupa 2/11 do texto) e impregnado de conteúdos tendenciosos. Um exemplo é a menção de que o tal promotor teria sido até ameaçado de morte por alguns defensores dos direitos animais, por meio das redes sociais. Outro, mais sutil, foi o comentário sobre a Promotoria do Estado da Bahia ter “barrado o projeto”. O uso da palavra “barrar” vem de encontro, claramente, àquilo que a matéria procura apresentar em nove onze avos do texto como uma boa solução para uma suposta superpopulação dos “burricos”: o extermínio dos animais, rendendo um bom lucro para os seus carrascos.
Já na matéria da página 05, sobre a “Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos, a abordagem do aspecto econômico da questão é bem mais glamorosa do que na dos humildes jumentos. Há uma ilustração sobre a arena onde ocorre o evento, mostrando os locais dos camarotes e do palco, além de informações sobre os shows. A reportagem trata única e exclusivamente das vantagens econômicas que serão auferidas tanto a pessoas comuns – que vão alugar até mesmo os imóveis nos quais residem – quanto aos grandes empreendimentos como hotéis de luxo e resorts. Ressalta-se que muitos “turistas preferem, pelo mesmo valor, passar um fim de semana na cidade (Barretos), em vez de ir à Olimpíada ou a locais como Nova Iorque, Londres ou Madri”. Há pacotes para quatro dias, enfatiza-se, que variam de R$2.900,00 a R$4.980,00, preços equivalentes a viagens para as cidades citadas antes e outras como Roma e Paris.
A reportagem – que visivelmente tem o propósito de fazer apologia ao que também denomina de rodeio e festa country – termina (após dezoito parágrafos), com o subtítulo: “Animais – Festa quer combater maus tratos”. Nesse pequeno trecho de apenas um parágrafo, diz-se o seguinte:
“A Festa de Peão de Barretos promete abrir uma disputa com eventos de peão que maltratem animais. A polêmica gira em torno do sedém, corda presa nos touros antes das montarias. Para as ONGs de proteção, ele é instrumento de tortura. Já para os rodeios, gera apenas um estímulo nos touros. ´Vamos priorizar quem faz bem rodeio´, disse Hussein Gemha Junior, presidente da Festa do Peão”.
Não estou certa de haver entendido bem a argumentação deste exíguo trecho que trata, em tese, de uma espécie de respeito aos animais. Haveria ali algum descuido da redação? Está o senhor Hussein defendendo o uso do sedém, quando afirma que este provoca apenas um “estímulo” nos animais?
É comum ouvir dizer que “não há rodeio sem sedém”. Bem, se assim o é, essa é a prova mais contundente de que seus participantes involuntários – os animais – apresentam nesses eventos comportamentos que nada têm a ver com a sua natureza. Isso por si só já seria uma razão para banir definitivamente o uso de tais instrumentos, uma vez que são uma forma de molestamento. Mas a questão da moralidade e mesmo da legalidade de tais “festas” vai muito além dessa discussão.
É óbvio que os interesses econômicos, fartamente comentados na reportagem, agiram como o fiel da balança colocando de forma hipócrita e reducionista o falso dilema acerca do uso do sedém ou não, pois o sedém é inequivocamente um instrumento de tortura, tanto física quanto psicológica. Trata-se de um aparato de sujeição bastante concreto que aprofunda o terror que toma conta das mentes dos animais que adentram a arena já subjugados e atordoados pelo manejo truculento que lhes é dispensado quando de seu encurralamento. Some-se a isso a miríade de ruídos lancinantes, inclusive aqueles chamados eufemisticamente de música pelos seus covardes algozes e pela platéia que assiste ao espetáculo deprimente.
Vale perguntar o que o Sr. Hussein entende por “fazer bem um rodeio”?
É premente que todos entendam que um “bom rodeio”, ou um rodeio que “respeita os animais”, não existe. É algo como um oximoro – duas coisas impossíveis de se amalgamarem – quando se trata de respeito aos animais. O simples ato de obrigá-los a estarem ali, para nosso entretenimento, já se constitui numa razão suficiente para inviabilizar qualquer relação respeitosa.
Nota:
[1]: As palavras pecuniário e pecuária têm uma origem comum que vem de pecus que em latim significa gado. Para mais detalhes históricos, veja, por exemplo, http://delingualatina.blogs.sapo.pt/1086.html

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