Laura Darby, uma pesquisadora norte-americana de primatas que trabalhava na área, foi investigar o caso. O oficial perguntou quanto ela pagaria pelo animal. Ela explicou que manter os chimpanzés era ilegal e que iria procurar um dos dois santuários de chimpanzés do país.
No dia seguinte, seus colegas, Djodjo e Richard, foram buscar o órfão. Eles retornaram rapidamente e em estado de choque. “Ele nos disse que o comeu”, revelou Richard.
Depois disso, eles foram chamados para a delegacia de polícia. O bebê chimpanzé estava vivo ali, gritando, amarrado à porta da prisão.O tenente da estação desmascarou a mentira sobre sua morte. Ele disse a Darby que os homens que haviam “salvo” o chimpanzé gastaram dinheiro em gás e comida e ela deveria remunerá-los.
No total, Darby e sua equipe encontraram 44 chimpanzés órfãos durante um estudos sobre primatas realizado por um ano em 2009, mas houve apenas uma prisão.
As mães dos órfãos provavelmente haviam sido mortas pelo comércio da carne de caça. Os pesquisadores localizaram os jovens chimpanzés em campos de mineração e exploração madeireira, cidades e aldeias. Todos estavam desidratados, famintos e amedrontados.
Embora não fosse sua função resgatar sobreviventes, Darby e sua equipe de pesquisa conseguiram salvar cinco chimpanzés e transportá-los para o Centro de Reabilitação de Primatas de Lwiro, em Bukavu, no Leste do país.
Para cada filhote traficado ou salvo, muitos membros do grupo original de chimpanzés selvagens foram mortos e provavelmente vendidos como carne de caça, explica Doug Cress, antigo coordenador da UN Great Reses Survival Partnership (GRASP), um consórcio baseado na ONU, para o qual Darby trabalha hoje.
“Toda vez que você resgata um chimpanzé, pode pensar em cerca de 10. Isso dá uma sensação de destruição”, diz ele. Usando essas estimativas, isso significa que, para os 44 órfãos identificados pela equipe de Darby, cerca de 440 chimpanzés foram mortos e consumidos. “Descrevemos isso como um genocídio de chimpanzés”, lembra ela.
Um declínio veloz
A caça para abastecer o comércio da carne representa a maior ameaça à sobrevivência dos cinco grandes primatas da África.
O desaparecimento dos animais foi rápido. Na virada do século 20, aproximadamente um milhão de chimpanzés viviam na natureza. Desde então, dois terços foram dizimados: restam cerca de 340 mil, de acordo com o Instituto Jane Goodall.
Isso ocorre apesar de todos os grandes primatas africanos serem protegidos pelas leis nacionais e internacionais em todos os países em que vivem, o que torna ilegal assassiná-los, capturá-los ou vender grandes primatas vivos ou as partes dos seus corpos.
Há uma série de outras razões para o declínio dos animais, incluindo a perda de habitat devido ao desmatamento e à agricultura industrial. Alguns primatas são capturados para o comércio de animais ou para serem vendidos a locais turísticos no Oriente Médio, na China e no Sudeste Asiático. Outros são mortos pela medicina tradicional ou como “amuletos mágicos”.
Carne de caça
Durante milênios, a carne de animais selvagens foi considerada uma fonte valiosa de proteínas para as pessoas que vivem em florestas em toda África equatorial. Existe a tradição de consumir grandes primatas na África Central e Ocidental. Já isso não ocorre na Tanzânia, Uganda e em outras partes da África Oriental.
Em mais de 300 entrevistas sobre hábitos alimentares conduzidas no Norte do centro do Congo, Darby descobriu que, embora a maioria das pessoas consuma macacos, certos grupos possuem proibições.
Existem alguns grandes mercados que comercializam carne de primatas. Servir certas “iguarias” – incluindo macacos – em jantares, banquetes e outros encontros formais é sinônimo de prestígio entre a elite rica do continente. Como resultado, há altos incentivos financeiros para caçadores, segundo informações da reportagem do Mongabay.
Há também uma pequena demanda por medicamentos tradicionais. Associa-se o consumo de partes de macacos à virilidade. As mãos, os pés e as cabeças dos animais são usados pela magia negra – compradas pelos feiticeiros, especialmente nos Camarões, no Senegal e na Guiné.
Exploração madeireira industrial e mineração alimentam o comércio da carne
Na década de 1980, os primatas e outros animais selvagens começaram a desaparecer em um ritmo alarmante das florestas da África Central e Ocidental. Em 1989, o fotojornalista Karl Amman e o biólogo Ian Redmond investigaram de maneira independente esse cenário e descobriram um mercado para as carnes das espécies selvagens que coincidia com a disseminação da exploração madeireira industrial e da mineração.
As grandes concessões madeireiras ofereciam empregos e as pessoas iam até a floresta. Na República Democrática do Congo, o ouro, diamantes e coltan (utilizados em dispositivos eletrônicos) atraíram empresas, mineiros, militares corruptos, funcionários governamentais e integrantes de mais de 70 milícias; todos queriam lucrar com as riquezas minerais.
Essas forças de trabalho precisavam ser alimentadas e procuraram as carnes dos primatas, explica Marc Fourrier, diretor de proteção de espécies do Instituto Jane Goodall.
Isso gerou um comércio crescente e indiscriminado da carne de caça e caçadores viviam em aldeias próximas aos animais. Eles mataram um grande número de animais, incluindo macacos e outras espécies ameaçadas de extinção sob a justificativa de alimentar madeireiros.
Campos de matança da África
A UICN observa que as facções rebeldes e soldados mal pagos do governo aumentam a demanda – e também facilitam o fluxo de armas, munições, carnes traficadas e animais vivos que agravam o problema da caça.
Os caçadores, às vezes auxiliados por militares e oficiais locais, agem ativamente até mesmo em parques nacionais e lugares do Patrimônio Mundial, e são uma ameaça em particular aos bonobos, aos gorilas do Grauer e aos gorilas Cross River.
Os animais não são as únicas espécies em risco: proteger a vida selvagem tornou-se um trabalho extremamente perigoso. Em todo o mundo, entre dois e três guardas-florestais morrem a cada semana, sendo que mais de mil foram assassinados na última década, informa a Thin Green Line Foundation.
Muitos morrem ao protegerem os animais, incluindo macacos. Três guardas que atuavam em parques foram baleados por caçadores nos últimos meses. No dia 5 de Maio, criminosos cercaram um comboio com guardas-florestais, matando um e sequestrando dois deles na Reserva Itbelwe do Congo. Em Abril, dois guardas foram assassinados no Garamba National Park.
Novos mercados
A demanda por carne de caça continua crescendo e mudando, explica Wilkie do WCS, devido ao aumento da população humana e das mudanças demográficas que criaram novos mercados para a carne de animais silvestres.
Em 1980, a África tinha 477 milhões de pessoas, hoje, há 1,2 bilhões e o crescimento da população irá acelerar rapidamente, de acordo com a ONU. Além disso, nas últimas três décadas, conflitos civis e oportunidades urbanas resultaram em um êxodo em massa das áreas rurais para os centros populacionais africanos.
Atualmente, a caça é um negócio de alto volume que abastece cidades que se expandem rapidamente – um comércio facilitado por armas de fogo modernas, celulares, uma vasta rede de estradas de madeira e transporte de baixo custo, incluindo motocicletas econômicas.
“Os pontos comerciais da carne de caça existem em quase todas as cidades e vilas em toda a África Ocidental e Central”, diz John Fa, professor de biodiversidade da Manchester Metropolitan University, no Reino Unido.
Mais de 22 mil primatas foram mortos ou capturados entre 2005 e 2011, de acordo com o GRASP da ONU. Mas a estimativa precisa de quantos foram consumidos é impossível devido ao que Darby descreve como “ausência de dados”.
Uma vez que um macaco é morto, muitas vezes é retalhado e comido no local – ou transportado para mercados. As informações existentes são difíceis de interpretar: a carne de caça é geralmente reportada em partes, às vezes em quilos, mas raramente por espécies, pois é difícil identificar a origem da carne carbonizada dos animais.
Embora testes de DNA sejam baratos, eles raramente estão disponível nos locais onde são encontradas as carnes, que geralmente são descartadas rapidamente para prevenir doenças. Até mesmo uma perda de 1% poderia ser suficiente para dizimar os primatas. Isso ocorre porque eles se reproduzem em um ritmo lento.
Se um chimpanzé adulto é morto, são necessários mais de 12 anos para substituí-lo como um membro da família ativo. A maioria das fêmeas não tem mais do que seis filhotes durante toda a vida. Os gorilas fêmeas têm apenas de dois a seis bebês durante uma vida útil de 40 anos.
Salvando bebês
Existem vários centros de resgate de chimpanzés na África, incluindo o Centro de Reabilitação de Chimpanzés Tchimpounga do Instituto Jane Goodall (JGI), que cuida de cerca de 160 órfãos.
Um novo santuário de chimpanzés da Humane Society na Libéria já está quase com a capacidade máximo. Os cinco chimpanzés que Darby enviou ao Centro de Reabilitação de Primatas de Lwiro fazem parte de uma comunidade de 73 chimpanzés, o único santuário para os animais no Congo.
Todos os animais resgatados perderam suas mães e famílias. Alguns foram vítimas, ainda jovens, do comércio de animais e da indústria de entretenimento e depois resgatados. Em 2016, ocorreu o maior fluxo no Lwiro desde que o santuário abriu em 2002, com 10 novos animais. Até agora, neste ano, houve cinco recém-chegados.
“Não sabemos por que estamos recebendo tantos”, diz Itsaso Velez del Burgo integrante do local.
Talvez o santuário tenha se tornado mais conhecido ou a caça tenha aumentado. Entretanto, a instalação opera em sua capacidade máxima, tanto em termos de espaço quanto de orçamento: os custos operacionais são de US$ 12 mil mensais.