Você entra no açougue e não se importa de comprar carne. Ou lida com pedaços de animais, embutidos, ou traços deles por toda a parte. Mas sente repugnância quando está diante de partes específicas como rins, tripas, cabeça?
Ou não! Não sente nada disso, você é a macha, ou o machão, mas fica cheio de dedos pois acha que esses assuntos devem ser tratados com ‘cuidado’, com ‘educação’, com ‘mimos’, como se todo mundo fosse idiotizado, como se ninguém pudesse ter maturidade para falar abertamente sobre temas fortes e para maiores de 18 anos?
Pois vamos falar de maturidade e de nojeiras. Vamos falar de miolos de vacas, de tripas, de rins.
No açougue, são vendidas cabeças de vacas, cabeças de porcos, com seus cérebros intactos, congelados. Os olhos esbugalhados, nos olhando. Muitas vezes observei atentamente os consumidores. Se é na zona nobre, eles compram as partes nobres, pois é o que há. Se é na zona simples, eles compram tudo, pois tudo pode ser comido. Eu mesma, nos meus tempos de comer carne, pois não nasci vegana, já comi algumas dessas coisas. Meu pai ia ao matadouro, que provavelmente era clandestino. Rins, fígado, tripas, que se chama ‘educadamente’ para as madames e gentlemen de mondongo ou dobradinha. E não tenho nojo de nada. Sou vegana há muitos anos, desde o primeiro momento, por ética e revolta.
Meu talento é este, é o que sei oferecer, falar sobre corações de vacas, tripas, fortaleza, através do bizarro, do obscuro, da crítica a tudo o que me fere. Procurar a justiça. Quem entra por mim há milênios e se choca com o mesmo muro, forte, mas frágil por dentro, suave e limpo, pois me conheço muito bem, e ainda assim se incomoda, deve procurar aquela esquina ali, e dobrar. E voltar sempre que, lá fora, encontrar a mesma falsidade disfarçada de bobagem de auto-ajuda.
Escândalos do leite sujo e contaminado, seguidas por propagandas cada vez mais insistentes, abusivas, e você ainda acredita? Pois siga… dobre a esquina. Abra esse pacote que te levou ao vício, compre esse combo de especismo, essa maravilha de palavras doces, açucaradas e corrigidas pelo dicionário do cinismo, e compre leite, ovos caipiras, carne colorida, branca, vermelha, incolor.
E é preciso ter maturidade e perceber que o sujeito pode criar para si armadilhas, mas pode também libertar-se. E isso não tem só relação com o consumo de carne, ou a procura do que ler. É impactante a visão de alguém preso. Amarrado a relacionamentos imbecis, a amizades com gente perigosa, vícios, sensação de poder, bagulhos dentro de casa que o torna prisioneiro de si mesmo, doenças e síndromes que o sistema oferece. Tudo dentro de uma bandeja, para depois ir buscar no comércio a solução.
A ilusão de que uma opinião é sabedoria, de que um objeto é riqueza, de que uma sensação é um sentimento, só traz mais sofrimento aos animais. Pois é assim que se escolhe: no açougue e na vida.