Um estudo recém-publicado, seguindo um rigoroso desenho amostral durante seis anos, comprovou que cercas permanentes de concreto na beira da rodovia podem bloquear o acesso de anfíbios à pista e reduzir o número de atropelamentos desse grupo de animais.
Já sabemos que os anfíbios são o grupo de vertebrados mais ameaçados do mundo, com inúmeras ameaças, como as altas taxas de animais atropelados em rodovias. Já abordamos um estudo que conduzimos no sul do Brasil e estimamos que morriam 136 anfíbios por quilômetro por dia em uma rodovia do litoral do Rio Grande do Sul. Isso mesmo, você leu corretamente: por quilômetro, por dia! Felizmente, já existem soluções para redução dessa tragédia e, inclusive, já temos a instalação de medidas de mitigação para anfíbios em outra rodovia do sul do país.
O que ainda precisamos é o acúmulo de mais evidências de que essas medidas de mitigação realmente são efetivas para reduzir as mortes dos anfíbios. E foi o que fez um trabalho desenvolvido no sul de Portugal, numa região de alta diversidade biológica chamada de Montado.
O estudo
Em duas rodovias dessa região, houve a instalação de barreiras permanentes de concreto com altura de 40 centímetros e com superfície lisa que impede a escalada dos animais. Essas barreiras ou cercas (como o artigo chama) foram instaladas nos dois lados da via, em cinco áreas que variaram entre 400 e 1.000 metros de extensão. Além delas, cada área contava com duas estruturas de travessia (estruturas de drenagem ou passagens de fauna tipo túnel, específicas para pequenos animais) para permitir que os animais cruzassem a via de forma segura.
O estudo tinha o objetivo de avaliar a efetividade das cercas em reduzir as mortes de anfíbios. Assim, eles utilizaram o desenho amostral mais recomendado para esse caso que é uma avaliação “antes-depois-controle-impacto” (BACI do inglês: Before-After-Control-Impact), o que significa que devem avaliar as mortes de anfíbios antes e depois da instalação dos cercamentos, tanto na área que foi cercada quanto em uma ou mais áreas sem cercamento, chamadas de controle.
Para cada uma das cinco áreas cercadas, os autores avaliaram e compararam com quatro áreas controle: duas áreas próximas e duas áreas distantes da área cercada, considerando os dois extremos do cercamento. As áreas-controle tinham a mesma extensão da área cercada avaliada. As áreas-controle próximas eram localizadas imediatamente após a área cercada e as áreas distantes ficavam 100 metros depois do fim da área próxima.
Além disso, os autores avaliaram todas essas áreas três anos antes da implantação e três anos depois. As amostragens seguiram um protocolo de outros trabalhos já executados na área e foram realizadas de carro com dois observadores experientes durante à noite no outono e em dias chuvosos. Lembrando que o estudo foi feito em Portugal e que esse protocolo provavelmente não sirva para amostragens em áreas tropicais, onde o mais recomendado para esse grupo de vertebrados são amostragens a pé.
Além da avaliação de efetividade das cercas, os autores também testaram a hipótese de que as zonas próximas (aquelas logo após o final da cerca) podem ser novas zonas de agregação de atropelamentos dos animais que conseguem desviar do final da cerca. O que é chamado de “efeito de final de cerca“.
Ao longo de todo o período, os autores registraram 1.593 anfíbios pertencentes a 12 espécies. A partir de modelos estatísticos, os autores comprovaram que as áreas cercadas reduziram pela metade o número de anfíbios que conseguem acessar a rodovia e ser atropelado. Em relação ao efeito de final de cerca, os autores não encontraram esse padrão para nenhuma das áreas avaliadas.
As descobertas desse estudo nos trazem mais evidências da efetividade de mitigação para os anfíbios, que é um grupo ainda bastante negligenciado nas avaliações de impacto de rodovias. Os autores salientam a importância de mais estudos sobre a efetividade de passagens de fauna para a manutenção ou restauração do movimento de indivíduos desse grupo de animais. Uma ressalva importante é sobre quando pensamos em instalar essas medidas de mitigação no Brasil: necessitamos de mais trabalhos testando este tipo de mitigação para a nossa fauna, pois as espécies que ocorrem nas áreas de cada estudo não são as mesmas e precisamos considerar suas habilidades e particularidades.
Um outro trabalho realizado no sul do Brasil demonstrou que cercas comercializadas na Europa para mitigação de anfíbios precisam de adaptações dos topos das cercas para as pererecas existentes no Brasil. Sei que o trabalho desenvolvido nas estruturas de mitigação do sul do Brasil nos trará muitas respostas, mas ainda precisamos de mais casos Brasil afora.
Fonte: Fauna News