Mais de mil biólogos e pesquisadores do mundo todo se reuniram para compilar o conhecimento disponível acerca dos anfíbios a fim de classificar o risco de extinção de cerca de 8 mil espécies e entender o que faz com que esses animais sejam um dos mais ameaçados do planeta. O trabalho visa também estabelecer uma base de dados para monitorar tendências e medir o impacto na conservação para a sobrevivência das espécies.
O estudo, publicado nesta quarta-feira (4) pela Revista Nature, fornece atualização do marco de 2004, o qual foi baseado na primeira avaliação global de anfíbios para a Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) e revela, pela primeira vez, o desenrolar da crise dos anfíbios.
Confira algumas conclusões do estudo:
- Quase 41% de todas as espécies de anfíbios avaliadas estão atualmente ameaçadas globalmente, consideradas “criticamente ameaçadas”, “em perigo” ou “vulneráveis”.
- Quatro espécies de anfíbios foram documentadas como extintas desde 2004 – o sapo-arlequim-Chiriquí (Atelopus chiriquiensis) da Costa Rica, a rã-diurna-de-focinho-afiado (Taudactylus acutirostris) da Austrália, a rãzinha Craugastor myllomyllon e a salamandra-de-riacho-falso-Jalpa (Pseudoeurycea exspectata), ambas da Guatemala.
- 27 espécies que antes constavam como criticamente ameaçadas agora são consideradas possivelmente extintas, elevando o total para mais de 160 anfíbios criticamente ameaçados que são considerados possivelmente extintos.
- Desde 1980, houve melhoria nos status de conservação de 120 espécies de anfíbios. Das 63 espécies que melhoraram como resultado direto de ações de conservação, a maioria é devido à proteção e à gestão do habitat.
Os dados, correspondentes a duas décadas de informações, mostraram ainda que dois em cada cinco anfíbios correm risco de extinção e as alterações climáticas são uma das maiores responsáveis, além da destruição do habitat e de doenças que os afetam.
“À medida que os humanos provocam mudanças no clima e nos habitats, os anfíbios se tornam reféns do clima por serem incapazes de se deslocar muito longe para escapar do aumento da frequência e da intensidade do calor extremo, dos incêndios florestais, da seca e dos furacões acarretados pelas alterações climáticas”, disse Jennifer Luedtke Swandby, uma das principais autoras do estudo.
As alterações climáticas acentuam os efeitos de doenças, como as causadas pelo fungo quitrídeo – que dizimou espécies de anfíbios na América Latina, na Austrália e nos Estados Unidos. Além disso, a exploração excessiva e destruição de habitats afetam negativamente 93% de todas as espécies de anfíbios ameaçadas.
O estudo traduzido como “Declínios em andamento para os anfíbios do mundo diante de ameaças emergentes” baseia-se na segunda Avaliação Global dos Anfíbios (GAA2), coordenada pela Autoridade da Lista Vermelha de Anfíbios (RLA), ramo da IUCN.
Situação no Brasil
Essa segunda avaliação incluiu diversas espécies que ocorrem no Brasil, país que detém a maior diversidade de anfíbios do mundo, com 1200 espécies. Para isso, 86 especialistas brasileiros de universidades públicas e privadas, instituições de pesquisa e ongs, contribuíram com o estudo que revelou um aumento preocupante no número de espécies ameaçadas que ocorrem por aqui.
O herpetólogo Diego Santana, coautor do estudo internacional, explica que, em 2004, tínhamos 37 espécies de anfíbios em algum grau de ameaça no Brasil. Atualmente, esse número cresceu para 189 espécies classificadas como criticamente ameaçada, em perigo ou vulnerável.
“Infelizmente, o cenário é ainda mais triste, porque 26 espécies foram classificadas como “possivelmente extintas”, não tendo sido avistadas em ambientes naturais desde a década de 1980 ou antes”, relata o pesquisador.
“Em um país onde as alterações ambientais pioraram a situação das espécies, é importante ampliar as políticas de preservação ambiental, ampliar ações de conservação e mitigar os efeitos das mudanças climáticas. A perda da diversidade de anfíbios é um passo a mais em direção ao precipício”, ressalta Iberê Farina Machado, também coautor do artigo e coordenador da Avaliação de anfíbios no Brasil.
Uma prova que as políticas de conservação são de extrema importância é a melhora no status de conservação de nove espécies, que receberam ajuda de projetos de proteção: a perereca-de-Alcatrazes (Ololygon alcatraz) e rã-das-pedras-de-Alcatrazes (Cycloramphus faustoi), ambas da Ilha de Alcatrazes, no estado de São Paulo.
As salamandras
De acordo com o estudo, três a cada cinco espécies de salamandras estão ameaçadas de extinção, sendo o grupo de anfíbios mais ameaçados do mundo. No Brasil, cinco espécies ocorrem na Amazônia, mas a América do Norte é quem abriga a maior diversidade do planeta.
Uma doença mortal para as salamandras, chamada Batrachochytrium salamandrivorans (Bsal) e encontrada na Ásia e na Europa, ameaça ainda mais esse grupo.
“O Bsal ainda não foi detectado nos Estados Unidos, mas como os humanos e outros animais podem introduzir o fungo em novos locais, pode ser apenas uma questão de tempo até vermos a segunda pandemia global de doença nos anfíbios”, disse Dede Olson, ecologista pesquisador do Serviço Florestal do USDA, membro do Grupo de Especialistas em Anfíbios da IUCN e coautor do artigo.
Segundo Olson, é fundamental a continuidade de ações proativas de conservação para evitar a propagação do Bsal nos Estados Unidos, incluindo práticas eficazes de biossegurança para anfíbios selvagens e em cativeiro, além de medidas rápidas de detecção e resposta.
Hora de agir
Com os dados resultantes do artigo e as atualizações nos status das espécies de anfíbios, os cientistas passam a ter melhores condições de colaborar em uma plano de ação de conservação global para obter recursos adicionais e para influenciar políticas que possam ajudar a reverter a tendência negativa do declínio populacional.
“A segunda avaliação global dos anfíbios confirma nossas suspeitas de que o declínio e a extinção global dos anfíbios continuaram inabaláveis. Os riscos são extraordinariamente elevados: se alguma vez houve um momento para agir para salvar os anfíbios e os seus habitats, esse momento é agora”, alerta Ariadne Angulo, coautora do artigo e copresidente do Grupo de Especialistas em Anfíbios da IUCN.
Os anfíbios estão desaparecendo mais rapidamente do que podemos estudá-los, mas a lista de razões para protegê-los é longa, incluindo seu papel na medicina, no controle de pragas, alertando-nos para as condições ambientais e tornando o planeta mais bonito”, disse Kelsey Neam, coautora do artigo da Nature.
A pesquisadora finaliza ainda dizendo que, embora o artigo se concentre nos efeitos das alterações climáticas nos anfíbios, o inverso também é extremamente importante, ou seja, a proteção e a restauração dos anfíbios é uma solução para a crise climática, devido ao seu papel fundamental na manutenção da saúde dos ecossistemas que armazenam carbono.
Fonte: G1